Opinião

O macaco Bugil – Parte I

Júlio Nasser

Publicado em 10 de abril de 2017 às 23:17 | Atualizado há 8 anos

Quem olhasse para o alto talvez visse o macaco Bugil, o barbudo o rei da mata Baixa, voando de um lado para o outro, guinchando de galho em galho. Lá em baixo, na região do Campus Samambaia, poucos tinham tempo de olhar para cima, os estudantes batendo cabeça numa grande azáfama para o atendimento de um programa do governo chamado Averiguão, além, é claro, das atividades normais para passar de ano.
Alguns macacos que viviam nas copas mais altas da mata Baixa ainda possuíam os seus galhos para se apoiarem, às vezes de cabeça para baixo, rabo preso em algum galho mais forte. Estes viviam apreciando outros macacos que habitavam o trânsito emaranhado em galhos intermediários, mas aos desgalhados, que viviam rastejantes pelas calçadas dos pátios, nem os primeiros nem os segundos, davam a mínima. Muitos que perderam o rabo ao longo dos anos e que andavam eretos, inclusive estudando naquela importante universidade, já viviam incomodados com tantos macacos rastejantes pelos pátios, embora, às vezes, inspirassem piedade de alguma alma bondosa. Era necessário alguém tomar uma urgente providência, alguma autoridade colocar em pauta um projeto para os nossos irmãos símios. Se estes não se mexessem, que se unissem os estudantes em favor deles.
A grande turba de macacos rastejantes, como já foi descrito, não era muito lembrada pelos outros que ainda tinham os seus galhos rijos e resistentes. A não ser quando ousavam subir em algum cipó para camadas mais alta da mata. Não raro podia se ver algum macaco despencando lá de cima, porque queria sentir como soprava a brisa nas alturas. Com o ronco que recebia no pé da lata, vinha a ter com o chão, se por sorte não entrelaçasse o rabo em algum galho pelo caminho. Se um macaco acostumado com a brisa lá de cima porventura se descuidasse e descesse ao nível do pátio, correria o risco de ter o seu lugar no alto tomado por um outro de camadas mais inferiores e teria de viver por ali mesmo, rabo entre as pernas, cumprindo a sina de rastejar para a sobrevivência.
O macaco Bugil, que vivia mais na mata dos outros do que na sua própria, já fora comunicado para não se demorar demais onde quer que estivesse, porque alguns macacos mais evoluídos estavam desprezando o Averiguão para pensar o caso da macacada que proliferava no Campus. Que tinham convidado uns tipos estranhos de macacos denominados de Sem-cipó para uma reunião pensante. Nela estava presente o líder da comunidade deles, o Peralta, um jovem e buliçoso macaco que vivia assobiando e saltitando sobre a cabeça de seus comandados. Os macacos evoluídos, que estudavam na universidade do Campus Samambaia, ficaram embasbacados com os conhecimentos transmitidos pelo líder, que nunca freqüentara um banco de faculdade. Alguns estudantes chegaram a afirmar que na prática a teoria era outra.
Umas das condições impostas pelo líder para participar da reunião era de que fosse dada a palavra a um rastejante. Foi chamado o ativista Zeca Miquim, apelidado Zecaquim, um símio já idoso, mas de muita experiência na luta dos Sem-cipó. Este, depois de ter cumprimentado os companheiros, retirou o boné da campanha, mostrando avantajada calva. Suas sobrancelhas eram proeminentes, a barba branca eriçada, mãos e pés calejados e cabeludos. Posicionou-se e assoviou para chamar a atenção. Afirmou ser de poucas palavras, pois sua experiência era a prática de campo. Após algumas frases de ordem, agitado e fazendo caretas, rastejou sob aplausos, até que lhe foi oferecido um cipó de sustentação. Antes de sair, porém, deixou uma interrogação que ficou zunindo por muito tempo nos ouvidos dos presentes:
– Ih, Oh! Será que todos aqui, depois de perderam os rabos, vão perder as pernas, os braços e as mãos?
Bugil deixou nota dizendo que o secretário da Pasta Cabível estava atento e tomaria as providências necessárias se o caso merecesse tanto. Este, por sua vez, achando que não valia a pena preocupar-se com macaquices distantes, pediu ao subsecretário que apenas conferisse se estavam fazendo o Averiguão. Ao ser informado por um e por outro que o comparecimento aos exames fora mais do que o esperado, o macaco barbudo disse que voaria tranqüilo no seu pujante Aerocipó.
– Sendo assim, estou tranqüilo. Mande avisar que voarei para a mata Grimpas, que fui chamado pelo meu tio, o Gorilazão para proferir urros na abertura da OMG (Organização dos Macacos Guinchantes), pois nunca na estória desta mata a outro macaco Rei foi concedida a honra de fazer abertura dos Roncos.
Antes, porém, de pousar na mata Grimpas, teria de fazer uma parada na mata Arriba. Ocorreu que, com a notícia de que o Bugil iria para a mata Grimpas, o chimpanzé Ubo Ferrolho, comandante da mata Arriba prorrompeu numa guinchadeira infernal.
– Que o companheiro se posicionasse! Não era possível que ele ficasse pulando de um galho a outro… Afinal, cada macaco no seu galho!
Enquanto estava por lá, o macaco barbudo recebeu recado do Gorilazão, onde este pedia explicação para a sua atitude de ter parado na mata Arriba. Ao porta-voz macacal foi dada a incumbência de levar a resposta, que dizia:
“Caro Gorilazão, a guinchação na mata Arriba estava preocupante. Para não fazer desfeita ao comandante Ferrolho, tive de fazer uma parada estratégica por lá. Dei os meus guinchos até o ponto em que ele me convidou para uma viagem a outras matas à esquerda da região. Quando se referiu à incursão pela Zona da Resistência, recuei. Ele insistiu, inclusive oferecendo-me o seu cipó. Fui categórico e lhe respondi que minha mão esquerda havia se contundido de tanto mudar de cipós, que ainda não me acostumara a segurar cipós só com a direita. Imediatamente outros companheiros da comitiva, já idosos, começaram a me dar razão, reclamando de cansaço, dores aqui e acolá. O amigo Ferrolho ficou coçando a cabeça, parece que desconfiado, mas depois, a contragosto, para não causar mal-estar diplomático, declarou que minha mão precisava de tratamento urgente. Que seu Sistema de Saúde era ótimo, cuidaria de mim e de minha comitiva. Peremptoriamente, afirmou que se eu continuasse a viagem o quadro iria se agravar, era até perigoso uma séria infecção culminando com a amputação a mão esquerda já na mataGrimpas. No entanto, após uma noite repousante, eu comuniquei ao que a referida mão amanhecera firme, que as dores haviam sumido. Havia de prosseguir viagem, a comitiva já reclamava… Diante dos argumentos, despedi-me do comandante. Ele apertou-me fortemente a mão direita, fazendo-a estalar de dor. Abraços macacais. Assinado: Rei Bugil.”
Quando, dias depois Bugil chegou à mata Grimpas, fora recebido com fortes guinchos de censura do Gorilazão por ter desviado a sua rota, limitou-se simplesmente a coçar a cabeça e dar alguns saltos em volta do tio Zão, como carinhosamente o chamava. Enfim, pagava o mico que merecia.
Dias depois da abertura da conferência, o macaco barbudo recebeu da mata Baixa o aviso de que havia um tal macaco Peralta desestabilizando toda a área do Campus. Que estava excedendo em seus atos, até havia, num ato de atrevimento, feito gestos obscenos para o Secretário, quando este fora visitar o Campus por ocasião do surrupio das provas do Averiguão. Com este fato, o governo teve de adiar os seus exames não se sabia para quando. Isto já era demais, refletiu o macaco Bugil lá na mata Grimpas. Pensou em voltar, mas o Gorilazão, intercedeu dizendo:
– Não permitirei que o meu sobrinho preferido parta tão cedo! Vossa Excelência proferiu uma esplêndida palestra, das melhores que a mata Grimpas já ouviu. Todo ano é um prazer ouvir exatamente os mesmos guinchos. Não se apoquente com um pentelho qualquer. Além do que o tempo está ruim no seu itinerário, muita neblina e os cipós escorregadios. É recomendável deixar dissipar o nevoeiro que cobre a sua mata. Beba, coma e relaxe.
Estalou o dedo e pediu ao mordomo:
– Traga mais bananas para o meu amigo aqui.
Sendo assim, o convidado especial sentiu segurança no anfitrião. Relaxou tomando uma bebidinha muito do seu agrado, tendo bananas como tira-gosto. Esticou o pensamento em permanecer naquela mata mais um tempo, não podia contrariar o tio Zão, que lhe tinha preparado outros tantos compromissos oficiais por lugares turísticos da mata Grimpas. Sentia-se, sem disfarçar a vaidade, um verdadeiro macaco-leão dourado, pois mico seria muito ínfimo.

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