Opinião

A recessão parou o social

Diário da Manhã

Publicado em 9 de abril de 2017 às 02:00 | Atualizado há 8 anos

A população brasileira viu-se, desde a semana passada, diante de notícias aparentemente contraditórias, na área econômica.

Por um lado, fomos contemplados com as notícias de inflação baixa, agora e no futuro. Os analistas e o Banco Central sinalizam que poderemos chegar ao fim do ano com a inflação abaixo da meta, que é de 4,5% ao ano. Essa inflação decrescente sinaliza ao Banco Central a possibilidade de acelerar a queda dos juros. Projeta-se uma taxa de 8,5% ao fim do ano. Houve, também, um ligeiro sinal de que criação de vagas de emprego pode estar recomeçando, embora a divulgação do número de desempregados neste momento, 13 milhões e 500 mil, tenha sido um balde de água fria nessa notícia.

Todas são notícias almejadas pelo mercado, e pela população, que não aguenta mais ouvir falar de recessão, desemprego e arrochos de todos os tipos. Esses indicadores da crise finalmente chegaram aos índices sociais. Mais precisamente, chegaram aos indicadores de qualidade de vida e desenvolvimento mundiais.

O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) divulgou, há cerca de 10 dias, o Relatório de Desenvolvimento Humano. Pela primeira vez, depois de 25 anos de crescimento contínuo, o Brasil manteve o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) estável, em 0,754.

A análise que se faz sobre os motivos da estagnação do índice social aponta para a queda na renda das famílias. Pensando-se que a base dos dados divulgados é o ano de 2015, supõe-se que o relatório do próximo ano pode ser pior, porque terá o ano de 2016, com todo o quadro de desorganização da economia brasileira, como base.

Desde 1990, quando o índice começou a ser medido, o Brasil teve um crescimento de 23,4%. Atualmente, entre 188 nações, o Brasil ocupa a 79ª posição. Entretanto, permanecer na mesma posição é preocupante sob todos os pontos de vista. Além do mais, considerando as 188 nações, 159 apresentaram algum crescimento, 16 ficaram estáveis (como o Brasil) e 13 diminuíram.

Andréa Bolzon, coordenadora de desenvolvimento humano nacional, do PNUD, afirma que “ano a ano, a maioria dos países melhora no IDH. A gente tem que pensar o porquê, no Brasil, as coisas terem parado depois de tanto tempo de melhora ininterrupta. É um alerta para a gente olhar com atenção, entender e pensar o que precisa ser feito. Se a gente quer ser um país melhor, qualquer coisa que nos freie é preocupante”.

Rodolfo Torelly, economista e especialista em mercado de trabalho, afirma que a recuperação da renda familiar é um processo muito lento e pode comprometer o índice brasileiro por muitos anos à frente. Afinal, ele diz, “foram 22 meses de perda de emprego formal e queda nos salários finais de admissão”.

Para o economista a estagnação ficou barata, como se diz, para o Brasil. E só foi possível ao Brasil ficar no mesmo lugar e não cair, porque havia uma “gordura” a ser queimada, no momento maior da crise.

O IDH brasileiro é enganoso, porque, quando é ajustado ao índice de desigualdade, o país perde 19 posições e passar a se enquadrar entre as nações com piores índices. O nosso número cai para 0,561. É o terceiro país que mais tem queda, ficando atrás apenas do Irã (que perdeu 40 posições) e Botsuana (que perdeu 23 posições). Quando olhamos o Coeficiente de Gini (desigualdade de renda), o Brasil se torna o décimo pior do mundo, ficando, na América Latina e Caribe, atrás somente do Haiti, Colômbia e Paraguai.

O Diretor da FGV Social, e ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Marcelo Neri, diz que a estimativa do IDH brasileiro para o ano que vem, corrigido pela desigualdade, é assustadora. De acordo com o índice de Gini, no ano passado o país acusou o primeiro aumento da desigualdade em 22 anos. Neri é contundente ao dizer que estamos “involuindo”, perdendo o jogo. Porque os que mais sofrem são os pobres. A “crise social é muito pior do que a econômica, diz o economista.

Infelizmente, não estou sendo catastrófica: o nosso país está, no momento, entre os 10 mais desiguais do mundo. Além da abismal diferença entre ricos e pobres, os estudos ressaltam, como uma das causas da situação, a desvalorização e a baixa representatividade da mulher na sociedade brasileira. Já disse neste espaço, em outra oportunidade, que, se a mulher tivesse igualdade econômica com o homem dentro da sociedade brasileira, isso significaria um ganho de muitos pontos em nosso produto interno bruto. Não sou eu quem diz. É Christine Lagarde, advogada e política francesa, primeira mulher a ocupar o cargo de Diretora-Gerente do FMI.

Apenas para esclarecer, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), baseia-se em três questões estruturais: saúde (expectativa de vida); conhecimento (média de anos de estudo e anos esperados de escolaridade); e padrão de vida (Renda Nacional Bruta per capta).

Como resultado da aplicação do índice, os países são classificados com um padrão muito alto, alto, médio e baixo de desenvolvimento. O indicador vai de 0 (nenhum desenvolvimento humano), a 1 (desenvolvimento humano total). O primeiro país colocado no ranking é a Noruega, com IDG de 0,949. O último, a República Centro-Africana, com índice de 0,352.

Tudo o que disse aqui é para chamar a atenção para os excluídos. Quando o país passa por uma profunda necessidade de mudanças, faz-se necessário que a população se engaje nessa discussão e nós os políticos pensemos menos em politicagens e mais no bem da nossa sociedade.

Efetivamente, precisamos ganhar posições no ranking do IDH, fazendo-o com políticas públicas que melhorem a qualidade de vida de toda a nossa população.

 

(Lúcia Vânia é senadora (PSB), presidente da Comissão de Educação do Senado e jornalista)

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