Opinião

Tribunal Supremo assume as competências legislativas na Venezuela

Redação DM

Publicado em 6 de abril de 2017 às 02:22 | Atualizado há 8 anos

Ontem, 30 de março, o Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela, por meio de sua Sala Constitucional, assumiu os poderes legislativos da República, ao considerar que a Assembleia Nacional está em desacato com a Constituição. Consequentemente, os deputados perderam a imunidade parlamentar. A decisão ocorreu após a Assembleia questionar uma legislação referente às empresas de hidrocarbonetos – recursos naturais que é base da economia venezuelana, sendo 83% de suas exportações (2015) constituídas por petróleo cru e refinado – e a Organização dos Estados Americanos (OEA) pressionar para que a Assembleia fosse reconhecida pelos demais poderes. As medidas do Tribunal foram anunciadas em caráter temporário, até que a Assembleia não seja mais considerada em desacato.

O parlamento venezuelano, com maioria oposicionista desde dezembro de 2015, não é reconhecido internamente, por empossar 3 deputados da Mesa de la Unidad Democrática do estado Amazonas, onde fraudes eleitorais foram denunciadas. Nesse período, apesar das reuniões de diálogo mediadas por atores estrangeiros, o governo do Presidente Nicolás Maduro (Partido Socialista Unido de Venezuela) aprovou medidas, como o orçamento anual e o decreto de estado de emergência econômica, por meio das deliberações do Tribunal Supremo, que tem orientação política alinhada ao chavismo.

Poucas horas após a decisão que acirrou as tensões entre as instituições, houve manifestações de opositores que entraram em confronto com a polícia. O deputado Julio Borges (Primero Justicia) resiste no cargo de presidente da Assembleia Nacional e não reconheceu a decisão da Sala Constitucional e a classificou como “lixo”. Ademais, conclamou as Forças Armadas a se rebelarem contra o Poder Executivo – o que elevou o clima de conflito na sociedade venezuelana. Vale lembrar que, historicamente, o chavismo teve apoio do setor militar, desde as origens do movimento liderado por Hugo Chávez, que tentou tomar o poder em 1992 e depois foi eleito em 1999. Recentemente, Maduro nomeou o Ministro da Defesa, general Vladimir Padrino, para comandar as operações de abastecimento alimentar na Venezuela.

No âmbito internacional, o Itamaraty divulgou nota condenando a decisão do Judiciário venezuelano e culpabilizando o governo pela atual crise. As relações entre Brasília e Caracas estão congeladas desde o ano passado, quando o governo provisório de Michel Temer (PMDB) não foi reconhecido pelo país vizinho. Ademais, o Peru que, desde a posse de Pedro Pablo Kuczynski, vem sublinhando sua posição contra Maduro, interpretou a situação como ruptura da ordem democrática e retirou seu embaixador. Paralelamente, Luis Almagro, Secretário-Geral da OEA, convocou uma reunião de emergência que resultou em uma nota – não aprovada unanimemente – que declarou a existência de um golpe de Estado na Venezuela. Na Organização, são necessários 2/3 dos votos para que um membro seja suspenso, como ocorrido com Cuba. Também houve críticas da Argentina, dos Estados Unidos, do México, do Panamá e da União Europeia. A resposta da chanceler Delcy Rodríguez afirma que esses governos tentam intervir nos assuntos domésticos da Venezuela para desestabilizar sua democracia, assim como desviar-se dos problemas que possuem em seus próprios países. Essa situação aprofunda o isolamento internacional que Caracas vem sofrendo, com o realinhamento político dos países vizinhos, o esvaziamento da UNASUL e de sua suspensão do MERCOSUL, ocorrida em dezembro de 2016, após meses de conflito entre os membros do bloco.

Considerando as tentativas de golpe de setores da oposição, inclusive a recente declaração de vacância da Presidência, e a perda de apoio político do Executivo, somados à conjuntura de guerra econômica, os posicionamentos recentemente tomados levam as possibilidades de resolução da crise a parecerem mais distantes.

 

(André Leite Araujo é mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais “San Tiago Dantas” (UNESP/UNICAMP/PUC-SP) e pesquisador do Observatório de Regionalismo)

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