Cultura

‘O que fizeram de voce, Honestino Guimaraes?

Diário da Manhã

Publicado em 6 de abril de 2017 às 01:31 | Atualizado há 4 meses

  • Goiano de Itaberaí, radicado em Brasília, ele presidiu a União Nacional dos Estudantes [UNE] e integrou a APML
  • Os militares permitiram, em 1973, no PIC, que a sua mãe o visitasse na cadeia. Ato cruel. O líder não estava lá
  • Desaparecimento teria ocorrido no dia 10 de outubro, no Rio de Janeiro. Dois “cachorros” teriam delatado dirigente
  • Betty Almeida, química, teve fôlego de jornalista e espírito de historiadora para escrever Paixão de Honestino [2017]

 

de Janeiro, 10 de outubro, 1973. Botafogo ou perto das barcas. Honestino Monteiro Guimarães, presidente da União Nacional dos Estudantes [UNE], é preso, torturado, executado. Os seus restos mortais desaparecem. Rumores apontam que o líder da Ação Popular Marxista Leninista [APML] teria sido enviado para a região do Araguaia. A história é relatada por Betty Almeida. A hipótese não seria implausível, mas vem de uma fonte de reduzida credibilidade, registra. Ela foi levantada pela jornalista Taís Moraes, baseado em um diário que contém erros e inconsistências, supostamente escrito por um agente também morto, aponta.

A jornalista iniciou a sua pesquisa para Paixão de Honestino em 2006. Se não tivesse assinado contrato com a Editora UnB acho que não teria dado por terminado, explica. A autora narra que a família saiu de Itaberaí, Goiás, próxima a Goiânia, em 1960. Em direção a Brasília, recém-inaugurada pelo pé-de-valsa Juscelino Kubitschek, o dono do Plano de Metas, 50 anos em cinco. Os pais queriam dar uma formação especial para os rebentos, sublinha ela. O golpe de Estado civil e militar de 1964 se consolidou, sem resistência, uma estranha derrota, como diria Daniel Aarão Reis Filho, quando Honestino Monteiro Guimarães ainda estava no ensino médio.

 

– Ele abraçou uma causa e escolheu um caminho difícil…

 

O filho de Maria Rosa Leite Monteiro começou, então, a participar do efervescente movimento estudantil ainda como secundarista. Em tempos sombrios de ditadura civil e militar no Brasil, acabou cooptado por um militante da Ação Popular, braço político da esquerda católica surgido em 1963, que fornecia documentos e discutia com ele. Daí em diante cresceu como quadro na UnB e na organização clandestina, até que a perseguição intensa fez com que ele tivesse que se refugiar na clandestinidade, destaca. Depois de cinco anos de vida clandestina, a repressão política sequestrou-o e nunca se soube do que de fato aconteceu com ele, frisa ela.

A UnB era uma pedra no sapato dos governos autoritários pós-1964, atira. O movimento estudantil crescia e também a resistência contra a ditadura civil e militar, que envolvia também servidores da UnB, incluindo professores, metralha. Em 1968, ano de significativo ascenso do movimento estudantil, a UnB foi invadida duas vezes no primeiro semestre, anota. A repressão política quis golpear a oposição estudantil ao prender as lideranças, afirma.  A terceira invasão de 1968 foi anunciada, frisa. Entre os estudantes, dizia-se que se devia ir logo para a quadra de basquete e esperar a polícia lá. Outros queriam defender o campus, pontua.

 

1968

Um violento aparato policial e militar cercou a UnB, no dia 29 de agosto de 1968, reconstrói a pesquisadora. Mandados de prisão contra Honestino Monteiro Guimarães, Lenine Bueno Monteiro, José Antônio Prates, Paulo Speller, Paulo Cassis, Samuel Babá, Nilson Curado, relata. Apenas o de Honestino Monteiro Guimarães teria sido cumprido, informa. Com violência, revela. Os procurados conseguiram esconder-se, explica. Uma viatura policial foi deixada – como provocação, supõe-se – e os estudantes, revoltados com a prisão de Honestino Monteiro Guimarães, incendiaram-na. A senha para a invasão armada, denuncia a autora.

A repressão política e militar ocupou salas de aula, destruiu equipamentos científicos caros, depredou a Federação dos Estudantes da Universidade de Brasília [Feub], presidida por Honestino Monteiro Guimarães. Mais: espancou estudantes e deputados federais que se mobilizaram para apoiá-los. Registros: os homens de farda dispararam tiros que feriram gravemente, na cabeça, Valdemar Alves da Silva, aluno do curso de Engenharia, da UnB. Márcio José dos Santos, estudante do Instituto Central de Química, foi ferido na perna.  O cálculo é que cerca de 70 estudantes universitários foram presos na operação, conta.

Vigiar e punir. Assim era a caçada a Honestino Monteiro Guimarães. Prisões e prisões até o seu desaparecimento. Há uma carta dele, da prisão, datada de fevereiro de 1966, desnuda Betty Almeida. Nova prisão ocorreu no início de 1967, por causa de uma pichação, recorda-se. Outra em 20 de abril de 1967 no chamado “massacre da biblioteca”, denuncia. Mais uma no segundo semestre de 1967, sob a acusação de preparar uma guerrilha em Goiás, observa. Documentos apontam o episódio de sua prisão junto com pessoas que preparavam uma reunião e ele conseguiu fugir do carro que transportava os presos, confidencia Betty Almeida.

 

– Honestino Monteiro Guimarães foi preso na invasão de agosto de 1968, da UnB.

 

Ação Popular

A AP, que se estruturou a partir dos quadros da Juventude Universitária Católica, fez a opção socialista, fuzila. A organização inclinou-se para o marxismo-leninismo e em 1968 enveredou-se para o maoísmo, com a preparação da guerra popular, frisa. A Ação Popular (AP) tornou-se Marxista-Leninista em 1971, tendo como programa “vencer o capitalismo com o socialismo” e como programa mínimo a revolução nacional democrática e popular, detalha. Viagens de dirigentes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e da APML à China causam estranheza nos dirigentes chineses, que aconselham a fusão das duas organizações, explica a historiadora.

 

– O PC do B, porém, quer a entrada dos militantes da APML em sua organização mediante sabatinas individuais. O procedimento não é aceito por membros da direção da APML.

 

Com a preparação da Guerrilha do Araguaia, os militantes da APML ficam entusiasmados com a perspectiva, em prazo não muito longo, da Guerra Popular e começam a migrar em massa para o PC do B, revela. Jair de Sá Ferreira, Paulo Stuart Wright, Honestino Monteiro Guimarães, José Carlos da Matta Machado, Umberto Câmara e Gildo Lacerda mantêm a APM-L, sublinha. Honestino Monteiro Guimarães e Paulo Wright defendem que a organização nas cidades é estratégica, dado o aumento dos contingentes operários, informa.  Em 1973, porém, a APML é golpeada pela repressão. Matta Machado, Gildo Lacerda, Paulo Stuart Wright, Umberto Câmara e Honestino Monteiro Guimarães são presos e assassinados, denuncia Betty Almeida.

 

A mãe

A sua mãe, Maria Rosa Leite Monteiro, desde que soube da prisão, percorreu quartéis e delegacias, procurou autoridades militares, civis e eclesiásticas, buscou apoios na OAB, CNBB, até na Maçonaria, mas não conseguiu saber o paradeiro do filho. Em Brasília, foi alvo da crueldade de oficiais que a autorizaram a visitar Honestino Monteiro Guimarães, no Natal de 1973. Ela preparou guloseimas, reuniu a família e amigos e foi ao PIC, onde esperou horas até avisarem que Honestino Monteiro Guimarães nunca estivera lá. A Comissão de Direitos Humanos OAB-DF, a pedido da família, investigou, em 1992, mas não conseguiu obter resultados.

Apesar dos anos de chumbo, Honestino Monteiro Guimarães se casou com Isaura e teve uma filha, Juliana. O casamento, realizado e vivido em uma clandestinidade permeada pelo medo e insegurança, sustentou-se por três anos, conta. Quando ele e Isaura se separaram, Juliana viveu durante um ano com a avó Maria Rosa Leite e voltou à companhia de Isaura quando esta conseguiu estabilidade pessoal e material com um novo casamento, frisa. Isaura diz que nunca deixou de amar Honestino Monteiro Guimarães, embora de maneira diferente. Juliana não chegou a criar laços fortes com o pai, desaparecido quando ela tinha apenas três anos, narra.

 

– Existe um suspeito pela delação do alto clero da APML. Indiretamente sim, mas não existe uma certeza. Há indícios, mas sem prova inequívoca, nada se pode afirmar.

 

Paulo Wright

Betty Almeida revela o destino de Paulo Stuart Wright, irmão do reverendo Jaime Wright, co organizador do Projeto Brasil Nunca Mais. Paulo Stuart Wright foi preso em 4 de setembro de 1973, registra. Osvaldo Rocha, que o encontrara na véspera, viu, na Oban – Operação Bandeirantes, o blusão usado por ele e uma caixa com o nome dele, contendo um colírio, informa. Otto Filgueiras aponta que ele foi sepultado clandestinamente com o nome de Pedro Tim.  Química, a autora diz que, antes de virar uma página, é preciso lê-la. O país, suas novas gerações, precisa conhecer os crimes contra a humanidade cometidos de 1964 a 1985, diz.

 

– Até hoje impunes.

 

Existe um suspeito pela delação do alto clero da APML. Indiretamente sim, mas não existe uma certeza. Há indícios, mas sem prova inequívoca, nada se pode afirmar

Betty Almeida, escritora

 

Perfil

Nome da autora –  Betty Almeida

Formação – Química

Título do livro – ‘Paixão de Honestino’

Editora – Editora UnB

Número de páginas – 414

Preço – R$ 42,00

Onde encontrá-lo – Somente em Brasília, nas livrarias da Editora UnB – Campus Universitário

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