Será que temos, mesmo, liberdade na vida? – I
Diário da Manhã
Publicado em 4 de abril de 2017 às 02:03 | Atualizado há 8 anos
O homem sempre buscou ser livre.
Meu netinho de dois anos e um mês ficou conhecendo, há poucos dias, o que ele chama de pium-í; é o nome que ele dá a qualquer veículo sobre trilhos. Nós o levamos numa viagem de metrô. Ele fez questão de se sentar como todos os demais e nem quis que me encostasse nele, querendo com isso deixar claro que ele se bastava a si mesmo. É o que acontece com todos os seres humanos. É a ânsia de independência, de autonomia, de soberania, de liberdade que já nasce com a pessoa.
Milhões e milhões de seres sofreram e morreram, ao longo da história humana, para conquistar ou defender essa mesma liberdade.
Depois da vida, nada existe para nós de mais importante do que a liberdade. Sem ela, a própria vida perde sentido e valor, perde todo o seu sabor.
Mas o que as pessoas geralmente conceituam como sendo liberdade? Elas são, de modo geral, verdadeiramente livres?…
Num esforço didático para explicar o conceito de liberdade, o educador González Pecotche usa a figura do triângulo em que o vértice superior é chamado liberdade, um dos vértices da base se chama direito e o outro vértice da base se chama dever. Unindo esses três pontos temos a responsabilidade.
Não se concebe a verdadeira liberdade, portanto, sem o dever, sem o direito e sem a responsabilidade.
A avenida onde moro é muito movimentada. Além do barulho dos motores, de vez em quando passam carros com o som do rádio na maior altura. Certa manhã, eu estava na padaria da praça, e um desses barulhentos parou para comprar qualquer coisa, quando alguém lhe perguntou:
– Meu prezado, ainda não são sete horas da manhã de um domingo, tanta gente precisando descansar! Você não acha que seu som nessa altura esteja incomodando muitas pessoas?
A resposta foi mais ou menos assim:
– Ô cara, tu tá querendo tirar minha liberdade de ouvir meu som?! Sai de mim, mequetrefe! Cuida da tua vida que da minha eu cuido.
Toda posse implica responsabilidade, e pessoas desse nível não veem que a posse de um carro implica a liberdade-dever de usar o veículo com responsabilidade, respeitando as leis e as pessoas.
Num condomínio fechado, até bem pouco tempo os moradores estavam desesperados com as festas barulhentas que outro morador promovia com frequência, em sua mansão, infernizando a vida dos vizinhos com música funk, hip-hop e pagode, além do vozerio alto. E quantos vizinhos por esse mundo afora fazem coisa semelhante, em nome da mesma liberdade-direito…
E que dizer da liberdade-dever de quem atende celular em voz gritada dentro do elevador, ou que num ônibus noturno de longa viagem conversa em voz alta o tempo todo, ou que a qualquer hora da noite ou madrugada buzina seu carro à porta do prédio para chamar alguém ou para comemorar a recente vitória do time de futebol de sua paixão? E daqueles que não observam os hábitos de higiene ao usar os locais públicos, como praias, piscinas, parques, banheiros, etc.?
São livres essas pessoas? Ou são escravas da ignorância, da inconsciência, da falta de preparo para a vida em sociedade? Que liberdade é essa que incomoda os demais e só causa prejuízo? E o que aconteceria se todos resolvessem praticar essa mesma liberdade sem responsabilidade? Como seria nossa casa, nossa rua, nosso bairro, nossa cidade? Como seria o mundo?
No livro Curso de Iniciação Logosófica, González Pecotche ensina que “Deus dotou cada criatura humana para que a liberdade, o dever, o direito e a responsabilidade se consubstanciem nela como essência viva e inalienável de sua existência”.
(Dalmy Gama, escritor e docente de Logosofia)