Padre Luiz Gonzaga de Camargo Fleury: o Pacificador do Norte
Diário da Manhã
Publicado em 1 de abril de 2017 às 01:47 | Atualizado há 8 anos
Luiz Gonzaga de Camargo Fleury, “O Pacificador do Norte”, foi sacerdote católico, deputado, comendador e Cavaleiro da Ordem Imperial do Cruzeiro, sendo o 5º presidente da Província de Goiás. Nasceu no arraial goiano de Meia Ponte, hoje Pirenópolis, no dia 21/06/1793, e foi batizado na Matriz de Nossa Senhora do Rosário, em 13/07/1793, pelo padre Joaquim Gomes Lima, sendo-lhe padrinhos os avós maternos, guarda-mor José Cardoso de Camargo (natural da freguesia de São Sebastião, bispado de Mariana) e Mecia Bueno da Fonseca (natural de Parnaíba, Estado de São Paulo).
Conhecido como Padre Fleury, ou Padre Gonzaga, Luiz Gonzaga é descendente da família Bueno, de origem espanhola, cujo patriarca no Brasil foi Francisco Ramires Porros, que chegou ao país em 1571, e que inclui Bartolomeu Bueno da Silva, o primeiro Anhanguera, descobridor das Minas dos Guayazes (1682) e Pentavô de Luiz Gonzaga de Camargo Fleury. Descende também do Cacique Tibiriçá, nascido em 1487, protetor dos jesuítas na fundação da Vila de São Paulo de Piratininga (hoje São Paulo), cuja filha Bartira (batizada Isabel Dias) casou-se com João Ramalho – eneavô (novo avô) do Padre Gonzaga – que acompanhou Martim Afonso de Souza na subida de São Vicente à aldeia de Inhapuambuçu, nos campos de Piratininga, onde seu sogro era o maioral. O detalhamento de algumas linhagens ancestrais do Padre Gonzaga – como a família Coelho/Fleury – pode ser encontrado no livro Família Jaime/Jayme: Genealogia e História (Kelps, 2016, 1.148 páginas), assinado por este autor.
Anticelibatário – embora padre – Luiz Gonzaga de Camargo Fleury teve oito filhos, sendo o patriarca de cinco famílias goianas (derivadas de sua prole masculina), incluindo entre seus descendentes mais de 10 mil familiares, segundo cálculos deste autor, distribuídos pelas famílias Jayme, Caiado, Sá, Fleury, Sócrates, Cícero, Sêneca, Confúcio, Nascimento, Pina e Mendonça, dentre muitas.
Herdando a verve política de seu ancestral, incluem-se entre seus descendentes inúmeros políticos goianos, como os senadores Luiz Gonzaga Jayme (mandato de 1909 a 1921), Emival Ramos Caiado (1971-74), Leoni Mendonça (1974-75), Max Lânio Gonzaga Jaime (1988-89) e o atual senador goiano Ronaldo Caiado; o governador Leonino de Ramos Caiado (1971-75); os deputados federais Eduardo Arthur Sócrates, Tullo Hostílio Gonzaga Jayme (1917-20), Iturival Nascimento (1975-90) e Geraldo de Pina (1963-68). Pertencem também à linhagem de Luiz Gonzaga de Camargo Fleury, mais de duas dezenas de deputados estaduais por Goiás, como o lendário major Frederico Gonzaga Jayme – radicado em Rio Verde – três vezes deputado, entre 1909 e 1920, Olímpio Jayme, Ronaldo Jayme (1971-90) e Frederico Jayme Filho, que além de deputado por três vezes foi presidente da Assembleia Legilativa e quatro vezes presidente do Tribunal de Contas do Estado de Goiás; e também a primeira dama Valéria Jaime Peixoto Perillo, esposa do atual governador Marconi Perillo.
Incluem-se na linhagem do Padre Gonzaga, pessoas que se destacaram em várias áreas do conhecimento, como o genealogista e historiador Jarbas Jayme; o maestro Joaquim Jayme – fundador das Orquestras Filarmônica de Goiás e Sinfônica de Goiânia; o cantores Leo Jaime e Fernando Perillo; as compositoras Tainá Pompêo e Débora de Sá; os escritores Jesus de Aquino Jayme, Haydée Jayme Ferreira, Marieta Jaime Figueiredo, Adriano Curado e Bento Fleury; o historiador Jales Guedes Coelho Mendonça; o médico e ativista político Fausto Jaime e os professores, cirurgiões torácicos, Wilson Mendonça, pai e filho; o sociólogo Sílvio Costa e René Pompêo de Pina, o maior quadro técnico deste Estado, ex-secretário da Fazenda em Goiás e Tocantins, da Infra-estrutura, em Goiás, e o mais longevo titular da Superintendência de Desenvolvimento do Centro Oeste (Sudeco), desde sua criação.
Em seu livro Cinco Vultos Meiapontenses, escrito em 1943, Jarbas Jayme relata que “Recebeu Gonzaga, de seus pais, salutar educação: procuraram eles indufundir-lhe, no coração infantil, o temor a Deus e o amor ao próximo, a caridade e, enfim, todas as virtudes cristãs, que ele soube praticar, respeitar e difundir, durante sua vida laboriosa e dedicada a Deus, à Pátria e a Goiás. Em tenra idade, a par da altivez de seu gênio e independência de seu caráter, se manifestara a pureza das intenções, a revelar o varão ilustre que haveria de ser. A modéstia, a afabilidade e a prudência foram predicados que lhe granjearam amigos e admiradores”.
Segundo Jarbas Jayme, Luiz Gonzaga “Estudou com o professor e poeta Bartolomeu Antônio Cordovil, com quem aprendeu o Latim e o Francês, estudos mais tarde completados com o professor José Joaquim Pereira da Veiga. A fim de dedicar-se à vida sacerdotal, mudou-se para São Paulo, onde cursou filosofia e teologia e recebeu as ordens de Presbítero do Hábito de São Pedro em 25 de julho de 1817. Retornou à sua terra depois da ordenação e, com a mente repleta dos ideais liberais que varriam a Europa, ingressou na política local. Sempre foi ligado à vida política, motivo pelo qual sua vida religiosa ficou em segundo plano e ele manteve o cargo de Pároco-Coadjutor de Meia Ponte (Pirenópolis)”.
O viajante e naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire, que visitou o Arraial de Meia Ponte em 1819, quando Padre Gonzaga contava com 26 anos, relata em seu livro Viagem à Província de Goiás (Itatiaia/Edusp, 1975, 158 pág.) que “Antes de deixar o arraial (17 de junho), fui apresentar minhas despedidas ao vigário e ao jovem Padre Luiz Gonzaga de Camargo Fleury, que eu já havia visto em sua companhia em Corumbá. Durante minha permanência em Meia-Ponte, ambos me tinham cumulado de gentilezas. Fizeram-me várias visitas, durante as quais conversamos, demoradamente. Luiz Gonzaga era de origem francesa, como indicava seu nome de família. Tinha perfeita noção dos deveres que o sacerdócio lhe impunha e, de um modo geral, achei-o bastante culto. Conhecia nossos bons autores franceses, lia muito uma de nossas histórias eclesiásticas e tinha algumas noções da língua inglesa. O vigário, que era ao mesmo tempo Vigário da Vara, reservara para si, unicamente, esta última função, dividindo a missão de conduzir suas ovelhas com o Capelão de Corumbá, com o do Córrego de Jaraguá e, finalmente, com Luiz Gonzaga, a cujo cargo ficava Meia-Ponte”.
Esses elogios, vindos de Saint Hilaire, crítico mordaz dos costumes e da vida brasileira, tem um significado especial. Mostra o elevado nível cultural do Padre Gonzaga Fleury. Ressalte-se que a afirmação do naturalista francês, quanto à origem de Padre Gonzaga, pode estar equivocada. Sabe-se hoje que a origem dos Fleury do Brasil é portuguesa, carecendo de mais pesquisa – anteriores a 1570 – para relacioná-los aos Fleury da França (vide Jarbas Jayme – “Vale Seis!”, e José Sisenando Jayme – “Origem da Família Fleuri”).
Logo após a independência do Brasil, como a Província de Goiás se encontrava varrida por revoltas internas, a corte de Portugal determinou que ali se criasse a Junta Governativa de Goiás, um governo provisório, na qual o padre Gonzaga tomou posse em 08/01/1822, governando até 14/09/1824. Com o advento da Independência do Brasil, aumentaram as revoltas nas regiões mais afastadas de Goiás, devido ao abandono a que fora relegada. O norte da Província se tornou, àquela época, um lugar de muita discórdia e desordem, chegando, inclusive, a determinar a separação de Goiás e a elevar o arraial de Natividade à categoria de Vila Capital da Província de Tocantins. A intenção do imperador do Brasil era a de enviar soldados para esmagar aquele conflito, que desafiava os primeiros tempos do seu governo. Porém a Junta Provisória de Goiás criou um pequeno exército para escoltar padre Gonzaga até a região do conflito e assim procurar debelar as revoltas, sem derramamento de sangue.
Padre Gonzaga chegou a Cavalcante em 20 de janeiro de 1823, prendeu o coronel local, Teotônio Segurado, e o enviou à capital, Vila Boa, hoje Cidade de Goiás. Dali prosseguiu para Natividade, a capital dos revoltosos, onde adentrou com as bênçãos do povo humilde da região e, pregando o Evangelho, narrando a realidade nacional, contando da inviabilidade do projeto de emancipação do norte, conseguiu convencer os insurretos a abandonar seus propósitos. Retornou para casa e foi congratulado pelo êxito de sua missão, sem derramar uma gora de sangue ou perder qualquer vida. No entanto, em agosto daquele mesmo ano, novos conflitos na fronteira com o Maranhão requereram sua presença, e ele novamente conseguiu impor a paz através da calma e persuasão, o que lhe garantiu uma entrada triunfal em Vila Boa, na data de 28 de maio de 1824. Devido à sua capacidade de agregação, recebeu a alcunha de Pacificador do Norte. Na data de 14 de setembro de 1824 foi dissolvido o governo provisório e Caetano Lopes Gama assumiu a administração da Província, elegendo o padre Gonzaga para membro do Conselho Administrativo Provincial.
Em 05/03/1830 foi criado pelo comendador Joaquim Alves de Oliveira o jornal Matutina Meyapontense e o padre Gonzaga ficou responsável por sua redação, tendo ali trabalhado até 1834, quando deixou de circular. A proclamação da Independência do Brasil não pôs fim às rivalidades entre brasileiros e portugueses, pois muitos lusitanos continuaram a morar na ex-colônia, o que culminou na célebre Noite das Garrafadas, ocorrida em 13 de março de 1831, depois na queda de D. Pedro I do Brasil, e por fim se espalhou por todo o país em sangrentos conflitos. A insegurança social era tamanha que diversos comerciantes portugueses abandonaram o Rio de Janeiro, o que começou a causar uma crise econômica. O jovem país corria perigo. Para acabar com esse preconceito entre povos irmãos, o Partido Moderado e o Partido Conservador se uniram para selar a paz, o que se deu em 28 de abril de 1831, através da fundação da Sociedade Defensora da Liberdade e Independência Nacional. Em Goiás, o padre Gonzaga e seu amigo, o comendador Joaquim Alves de Oliveira, fundaram em Meia Ponte, em 9 de janeiro de 1832, essa mesma sociedade, o que contribuiu para acalmar os ânimos que também se exaltavam na Província. Na composição da primeira Câmara Municipal de Meia Ponte, padre Gonzaga foi eleito vereador, em 18 de novembro de 1832, e tornou-se seu secretário. Em 17 de janeiro de 1834, tomou posse no cargo de juiz municipal.
Foi nomeado pelo padre Diogo Antônio Feijó, seu grande amigo, para o cargo de Presidente da Província de Goiás, exercendo seu mandato de 20 de março de 1837 a 4 de setembro de 1839. De acordo com Joaquim C. Ferreira, em seu livro Presidentes e Governadores de Goiás (Goiânia: UFG, 1980, 188 p.), “O Pacificador do Norte, hábil e diplomata, não foi muito feliz na administração da Província, devido a uma grande enchente na capital e às condições precárias das finanças da província, o que gerou atraso no salário do funcionalismo, criando um clima adverso para o governante”. Durante seu governo, no entanto, definiu-se a questão de limites com Mato Grosso e Maranhão, que tentavam alterar a linha divisória da fronteira. Usando seus altos conhecimentos de historiador e geógrafo, traçou a verdadeira fronteira histórica de Goiás, respondendo ao Aviso da Corte (07/06/1837). Criou a Provedoria da Fazenda Estadual (Lei n°16, de 04/12/1837), atual Secretaria da Fazenda Estadual. Criou, ainda, a Loteria da Provìncia de Goiás (Resolução n° 55 de 27/07/1837), com extração anual, cujos fundos eram destinados ao Hospital de Caridade São Pedro de Álcântara.
Ferreira (obra citada) relata que, “Após um chuva torrencial que desabou sobre a Cidade de Goiás, a partir das 17 horas do dia 18/02/1839, o Rio Vermelho saiu de seu leito, na madrugada do dia 19, destruindo as habitações vizinhas e carregando todas as pontes que ligavam o distrito de Santana ao Carmo. A Igreja da Lapa, que se erguia no mesmo lugar em que se encontra, hoje, a Cruz de Anhaguera, foi levada pela correnteza. O Córrego Manoel Gomes ficou represado, invadindo as casas da rua Moretti Fóggia. A residência do sr. Sebastião de Camargo (onde está, hoje, o Cine São Joaquim), foi totalmente tomada pelas águas que, entrando pelas portas do fundo, saíam em cascatas, pelas janelas. Os habitantes se revoltaram, imputando ao Presidente a culpa pela enchente, fruto da ‘ira divina’ contra os governantes. Uma nota estampada no Jornal do Comércio contra o Presidente, que se recusara, por doente, a tomar parte na Assembléia Legisltativa, levou o governo central a substituir o Padre Gonzaga em 04/09/1839”.
Padre Gonzaga deixou numerosa descendência, que se espalhou por todo o Estado de Goiás, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Tocantins e por vários países.Com a sobrinha-neta do padre Diogo Antônio Feijó, Maria Palhares Fernandes, teve Maria Teolinda Fleury, que assistiu à coroação de D. Pedro II, em 18 de julho de 1841, na companhia do pai. Com Luíza Leandra Leal, teve Luíza Catarina Leal (n. Cidade de Goiás, 25/11/1833 – f. 07/03/1925). Com sua conterrânea Genoveva Maria da Soledade – “Inhá Genu” (n. 27/11/1807 – f. 15/01/1882), teve: Rosa Epifânia Gonzaga de Sá; João Gonzaga Jaime de Sá (“Coronel Jaime”, genearca da família Jaime/Jayme), Luiz Gonzaga Confúcio de Sá (“Seu Confúcio”, genearca da família Confúcio), Antônio Gonzaga Sêneca de Sá Fleury (“Seu Sêneca”, genearca da família deste nome), José Gonzaga Sócrates de Sá (“Comendador Sócrates”, genearca da família Sócrates), Francisco Gonzaga Cícero de Sá (“Chiquinho Cícero”, genearca da família Cícero) e Rosa Maria de Lima.
Luiz Gonzaga de Camargo Fleury – “O Pacificador do Norte” e “Patrono da Imprensa Goiana” – faleceu em Meia Ponte, em 29 de dezembro de 1846, sendo sepultado debaixo do altar de Nossa Senhora das Dores, na igreja Matriz de sua terra natal. Além de Jarbas Jayme (Cinco Vultos Meiapontenses, Palmeiras, 1943), foi biografado também pelo escritor Humberto Crispim Borges no livro O Pacificador do Norte (Goiânia: Cerne, 1984, 188 p.), e por este autor no livro Família Jaime/Jayme: Genealogia e História (Kelps, 2016, 1148 p.), que relatam sua prolífica existência como sacerdote, político, diplomata e jornalista.
(Nilson Jaime, mestre (M.Sc.) e doutor (D.Sc.) em Agronomia, genealogista, membro da Academia Palmeirense de Letras e Artes (Apla); da Academia Pirenopolina de Letras, Artes e Música (Aplam) e autor do livro Família Jaime/Jayme: Genealogia e História. Contatos: (62) 9 8431-2121. [email protected])