Dependendo da acusação, bendito seja o plágio
Redação DM
Publicado em 30 de março de 2017 às 02:37 | Atualizado há 8 anosQuando publiquei, em 1978, meu primeiro livro de contos, “Rua do Grito, 162”, um amigo, lá em Belo Horizonte, Evandro Fonseca, me disse:
– Sabe, bicho, gostei muito de seu livro, mas um de seus contos foi plagiado.
Assustei-me com aquilo, principalmente devido à franqueza e à seriedade com que ele disse aquilo. Indaguei e recebi a resposta de que o conto “Males Iguais, Remédio Diferente” era um plágio de “A Megera Domada”, de Shakespeare.
Embora Boileau tenha afirmado que o estilo é o próprio homem, ninguém está escapo de sofrer a influência de outro autor, principalmente uma pessoa que lê muito. Aliás, certa ocasião, na casa de Carmo Bernardes, manifestei minha preocupação em, eventualmente, botar nas minhas linhas expressões que ele usa, e o fazia sem intenção alguma de copiar, mas o fato de ter lido todas as suas obras e acompanhá-lo em suas crônicas, acabou levando-me a assimilar algo dele. Mas nosso cronista tranquilizou-me, dizendo que aquilo ele tirou foi da boca do povo, e o linguajar do povo é de todo mundo. Que eu me aquietasse e continuasse escre-vendo.
Como eu ia dizendo, o estilo, que faz o autor ser reconhecido independente-mente de sua assinatura, estende-se a todos os campos de expressão artística: o texto de Machado de Assis, a tela de Portinari, as valsas de Strauss dispensam sua assinatura: existe um pouco do artista na sua obra, de forma a confundi-lo com a própria criação.
Mas no plano objetivo não vale a lapidar assertiva de Boileau, e tanto não vale, que existe legislação especial que protege os direitos do autor, além do Código Penal. Ninguém está vacinado contra a influência de outro autor, mas sofrer a influência não é copiar o que os outros escrevem.
O plágio assume feições controvertidas: para uns, é a cópia “ipsis litteris”; para outros, é a imitação. Mas a falta de critério para defini-lo dificulta o direito do pretenso plagiado. Na música, por exemplo, convencionou-se que é plágio a existência de determinado número de compassos da melodia original; mas na literatura é dificílimo estabelecer-se o que é plágio, uma vez que coincidência também existe.
As indagações sobre plágio deixam a Justiça de cabeça quente, pela falta de critérios definidores. Até hoje discutem o suposto plágio da Eneida, de Virgílio, que seria imitação da llíada e da Odisséia, de Homero; não se precisou se Voltaire plagiou Sêneca, se La Fontaine, Camões e o próprio Shakespeare foram plagiadores. Não precisamos ir lá nos clássicos: quem não se lembra daquela marcha “A Praça”, que dizem ter Carlos Imperial plagiado não sei de quem? Até Roberto Carlos andou defendendo-se contra acusações de plágio.
Para ser franco, nunca tive paciência de deglutir Shakespeare com bom paladar. Conheço-lhe as obras através de estudos de literatura na escola, dos resumos, dos filmes, da informação.
Sob a ótica do amigo belo-horizontino, houve plágio: naturalmente, dentro de uma concepção toda sua. O enredo de meu conto baseou-se em uma das muitas estórias que me encheram os ouvidos no correr da vida, como, de resto, vários contos do livro.
Sobre a decantada “A Megera Domada”, só posso dizer que assisti ao filme, com a dupla Burton e Taylor, mas não enxerguei similitude.
Na época do realismo português, Eça de Queiroz foi acusado de haver plagiado um autor francês, ao escrever “O Crime do Padre Amaro”. Ao provar que a suposta obra plagiada fora publicada depois da sua, o celebérrimo autor de “Os Maias” demonstrou a improcedência da acusação. Inverteram-se os papeis, pois quem plagiara fora o francês.
No meu caso, fiquei até muito honrado com a suspeita, pois plagiar o grande dramaturgo inglês confere “status”. E como, hoje em dia, vemos em todos os campos de expressão artística, principalmente na música, “adaptações” ao alcance da massa (Beethoven em ritmo de “rock”, Bach e Debussy em ritmo de discoteque), poder-se-ia supor que tivesse havido uma adaptação do autor à despretensiosa linguagem do meu conto bariru.
Por outro lado, a acusação do plágio pode até render gordos dividendos: o ba-dalado disco de Rod Stewart estava empoeirado nas prateleiras, até surgir a onda de ter uma faixa plagiada do “Taj Mahal”, do nosso Jorge Benjor, que era apenas Jorge Ben. Aí, então, não sobrou disco pra ninguém mais, tanto de um como de outro.
Tomara que isto pegue, que meus leitores garimpem em minhas linhas pepitas idênticas, enquanto fico torcendo, cá comigo, como devorador de todo tipo de leitura, desde o Pato Donald aos mais diversos clássicos, que encontrem alguma suspeita de ter plagiado Camilo, Herculano, Balzac, Carmo Bernardes, Machado de Assis…
(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras, membro da Associação Goiana de Imprensa – AGI, escritor, jurista, historiador e advogado, [email protected])