Opinião

Frei nazareno confaloni

Redação DM

Publicado em 31 de janeiro de 2017 às 01:20 | Atualizado há 8 anos

Não se sabe a data exata em que foi entregue ao público a Estação Ferroviária de Goiânia, mas tudo indica que tenha sido – sem fetsividades – no final de 1953 ou começo de 1954. Com efeito: em documento datado de 24/02/1954 – que faz a síntese da administração do major Mauro Borges Teixeira à frente da Estrada de Ferro Goiaz – lê-se que na jovem capital goiana “construiu-se a mais bela estação da Estrada de Ferro Goiaz (…) digna do progresso de Goiânia”; e registra-se que as obras estiveram “a cargo do DNEF” (Departamento Nacional de Estradas de Ferro).

Projetada por técnicos desse Departamento, a imponente edificação foi construída pelas firmas Mascarenhas, Barbosa, Roscoe Construções (MBR) e Companhia Serviços de Engenharia (SERVIENGE), escolhidas mediante licitação pública. À Comissão de Construção n. 7, na pessoa do engenheiro Cyridião Ferreira da Silva (meu saudoso Pai), representante do DNEF, coube fiscalizar e acompanhar a obra, com rigor e competência.

Concluído, o edifício apresentava algumas características que o distinguiam. Dada a fragilidade do terreno, a altura da torre central representara um desafio; em conversas informais, apostava-se na inviabilidade de seus vitrais resistirem aos ventos de agosto. Objetivando prevenir eventuais problemas, foi feita a análise do solo pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) de São Paulo; seguidas as indicações técnicas, nem os vidros foram abalados, nem houve trincas ou rachaduras nas paredes. A marquise que protege o desembarque de passageiros é o maior vão livre construído em todo o centro-oeste, até o advento de Brasília. No que diz respeito a materiais de revestimento, pela primeira vez em Goiânia empregaram-se pedras de Pirenópolis em paredes externas.

O mais expressivo dos elementos integrados à Estação Ferroviária encontra-se no seu grande hall: dois afrescos, de autoria do Frei Nazareno Confaloni, dominicano que viera como missionário para Goiás e que, na antiga capital, pintara os afrescos da Igreja do Rosário, conjunto que assinala a introdução da pintura moderna no Estado.

Por essa época, artistas plásticos e professores empenhavam-se na criação da Escola de Belas Artes de Goiás. Mudando-se para Goiânia, Frei Confaloni passou a integrar o grupo e entusiasmou-se com a ideia, que veio a tornar-se realidade em 1953.

O pintor e muralista que, com seu talento e criatividade, revolucionava as artes, foi apresentado ao meu Pai pelo professor Luiz do Carmo Curado. Em conversas informais, surgiu a ideia da feitura de afrescos que, representando a construção de uma estrada antiga e outra, moderna, valorizassem as enormes paredes vazias do hall da Estação.

Durante a execução dos painéis, visitei algumas vezes o local.  Surpreendeu-me a rapidez com que o mestre os pintava, a partir de esboços em papel pardo, feitos no atelier de apoio que instalara na EGBA. Era impressionante a energia física despendida pelo pintor, que se equilibrava sobre andaimes e, com largas pinceladas, fazia surgir cores e vida.  Funcionários, operários e populares acompanhavam o trabalho com admiração e espírito crítico, encontrando traços “italianados” nas feições e roupas dos retratados.

Meu Pai orgulhava-se dos afrescos da Estação Ferroviária, tendo-os como parte de sua vida profissional, já que os viabilizara. Pelo seu trabalho, Confaloni recebeu a importância de 100 mil cruzeiros, pagos com verba do Departamento Nacional de Estradas de Ferro na rubrica “serviços”, dentre os quais a pintura de paredes. PX-Silveira transcreve anotações do mestre florentino: “Com os 100 mil cruzeiros que ganhei pela realização dos dois afrescos da Estação Ferroviária, um dinheirão naquela época, pude comprar um carrinho, um fusca de dois cilindros e lançar as bases da Igreja São Judas Tadeu”.

De Frei Nazareno Confaloni, retenho a lembrança de sua energia e entusiasmo, expressos no sorriso e no olhar, como que divisando além do visível e imediato. Revejo-o com sua batina branca, sentado à sombra da varanda em nossa casa, discorrendo sobre os painéis: gesticulando com as mãos, esfuziante de vida, tocado pela centelha divina da criação.

Outros fatos eu poderia lembrar – como os dois quadros italianos que datam de meados do século XIX e foram adquiridos no Vaticano por um tio-bisavô, o padre Simpliciano Barbosa Ferreira. São cópias feitas a óleo de obras famosas: “Madona da Cadeira” (de Rafael), e “Visitação de Santa Isabel” (de da Vinci). Trouxe-os da fazenda de meus avós e o mestre florentino os restaurou, assim como às molduras douradas. E devolvi-os à capela de origem, onde continuam a encantar quem os contempla.

Com esse depoimento, associo-me às comemorações dos 100 anos de Frei Nazareno Confaloni, em boa hora iniciadas por autoridades, artistas e amantes das artes. Faço votos de que os painéis da Estação Ferroviária sejam restaurados, assim como o prédio que os abriga, exemplar tardio de art-deco em nossa jovem capital.

 

(Lena Castello Branco ,[email protected])

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