O Aedes aegypti pode ser derrotado?
Redação DM
Publicado em 28 de janeiro de 2017 às 01:13 | Atualizado há 8 anos
Meu pai, seu Dionísio, era um pequeno agricultor entre as décadas de 1940 e 1960. Nossa família tinha um pedaço de terra em Buriti Alegre, do qual tirava seu sustento. Anos depois, adquiriu uma propriedade próxima ao povoado de Queroba, no município de Jussara. Em uma safra de arroz, houve perda total da plantação na região. Tudo o que havia sido plantado foi destruído do dia para a noite. Para o meu pai, a culpa pelo prejuízo foi um “eclipse” que se abateu sobre a lavoura.
Eu era apenas um garoto naquele tempo. Mas, com o passar dos anos, viria a entender o que havia acontecido. O tal “eclipse” que meu pai mencionara havia sido uma grande infestação de cigarrinhas. As consequências da interferência humana no meio ambiente já se faziam notar na hoje distante década de 1960. O desmatamento indiscriminado provocou um desequilíbrio ecológico severo, reduzindo a população de animais e principalmente aves. A consequência foi a proliferação de pragas.
A ampliação das áreas de lavoura se deu sem estudos técnicos de impacto ambiental, causando danos ecológicos severos. A mecanização das lavouras induziu uma crescente urbanização, estimulando a migração das famílias do campo para a cidade. Como consequência da ocupação desorganizada das cidades, houve uma drástica redução de áreas verdes, limitando a variedade e quantidade de espécies animais, particularmente de aves.
Entendo que está em curso situação semelhante ao “eclipse” que meu pai dizia. Algumas políticas de combate ao mosquito transmissor de doenças como dengue, zika e chikungunya não foram muito bem sucedidas. A prática do “fumacê” para eliminar o Aedes aegypti reduziu a população de pequenos pássaros, predadores naturais do inseto. Mais drástico: o combate químico pode ter provocado maior resistência biológica do vetor, que possivelmente está melhor adaptado. O pardal e outras aves foram praticamente dizimados por produtos químicos.
Pardais, pássaros pretos, canários, sabiás, rolinhas e outras aves canoras poderiam atenuar o impacto do Aedes aegypti nos períodos de proliferação. A redução do habitat natural das aves tem se provado um fato nefasto. Não tenho embasamento científico para amparar minha análise. Como um cidadão de origem rural, aprendi com meus pais a observar a natureza desde muito jovem. Com certeza, é possível que parte da explicação para a epidemia de doenças causadas pelo mosquito esteja neste desequilíbrio.
O conhecimento popular, empírico, baseia-se na observação e intepretação dos fenômenos naturais. Conseguimos aprender muito com a sabedoria das pessoas. O combate ao Aedes aegypti permite aplicar estratégias naturais, como o uso de aves predadoras do mosquito e de peixes consumidores das larvas. Para tanto, é preciso que essas espécies tenham condições de sobrevivência em ambiente urbano.
Tenho certeza de que eventuais desconfortos com táticas da natureza ainda são melhores que contrair dengue, zika ou chikungunya. Essas doenças incapacitantes podem ser graves e letais. Recentemente, foi comprovada a relação entre o vírus causador da zika e a microcefalia em fetos. Não se deve baixar a guarda. O combate ao mosquito ainda é a melhor maneira de enfrentar uma das mais graves epidemias que o Brasil enfrenta.
A sabedoria popular merece e deve ser respeitada. Se a ciência nem sempre consegue provar fatos naturais com absoluta segurança, a prática indica que há relações inequívocas de causa e consequência. O “eclipse” que meu pai falava não pode nos impedir de enxergar o óbvio: sem o aproveitamento da natureza como aliada, não conseguiremos combater o Aedes aegypti.
(Helio de Sousa, médico, presidente da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás)