Movimentos cíclicos da humanidade
Diário da Manhã
Publicado em 25 de janeiro de 2017 às 01:33 | Atualizado há 8 anos
O que há de errado com o mundo? A pergunta, que parece cliché, é tão atual quanto necessária. A resposta, todavia, está na regressão da história da humanidade. A convulsão pela qual o mundo atravessa se ajusta perfeitamente ao título da obra “Era dos Extremos”, do historiador inglês Eric Hobsbawm. Sim, o mundo atual vivencia uma era dos extremos, na qual os radicalismos adquirem relevo. Porém, nada há de novo, apenas consequências de um movimento cíclico, como em uma lógica cósmica natural, na qual nos inserimos num eterno retorno ao ponto de partida de nossa condição humana. A cobiça insana do capitalismo selvagem, capitaneado pelos Estados Unidos, conseguiu desestabilizar os países do Oriente Médio e os do norte da África, historicamente, marcados por conflitos e agressões ocidentais. Mais recentemente, Iraque e Líbia, que apresentavam excelente qualidade de vida, hoje estão transformados em ruínas e imersos em sangrentas e babélicas guerras civis.
Os senhores das armas, sempre insaciáveis de lucros, com o aval da ONU (Organização das Nações Unidas), estão incansavelmente empenhados, direta ou indiretamente, em promoverem novos campos de batalhas, em assombrosa indiferença às agruras e aos martírios de civis inocentes. A cobiça humana tem se revelado muito mais implacável que as guerras de um passado mais longínquo. Se antes as incursões bélicas eram feitas em busca de territórios e riquezas locais, modernamente os conflitos são articulados com o propósito de atender aos interesses da indústria armamentista. Esse segmento é quem, tradicionalmente, detém o comando do poder real e político nos Estados Unidos. O grande senhor das armas, tendo a natureza belicosa instituída como política de estado, chega a estimular um conflito e vender armas para os dois lados, como na guerra Irã e Iraque, os “contras” da Nicarágua e a traição à causa de independência do Tibet, dentre outros. Ao que tudo indica, o alvo da desestabilização atual é o Irã, como foi feito com Egito, Tunísia, Líbia, Síria e Iraque.
O ocidente é adestrado a odiar o Irã porque os meios de propaganda midiática são controlados mundialmente por judeus. Isso compele-nos a termos uma visão deturpada sobre esse país extraordinário. Em verdade, o Irã é um dos países mais tolerantes religiosamente e apresenta uma excelente qualidade de vida à sua população e um sistema educacional invejável. Curiosamente, mesmo sendo satanizado pela propaganda judia como “uma ameaça à existência de Israel”, é onde os judeus mais gozam de liberdade política e religiosa. Historicamente, o Irã legou à humanidade importantes instrumentos literários e jurídicos. Ao contrário do que muitos imaginam, a Grécia não é o berço da democracia. O primeiro instrumento legal de democracia e proteção aos direitos humanos surgiu no Irã, antiga Pérsia, no século VI a. C, com o Cilindro de Ciro. Através desse instrumento escrito, o rei da Pérsia, Ciro, o Grande, dentre outras providências, determina a repatriação dos hebreus, após serem libertados do cativeiro em Babilônia. Hoje, como vemos, a gratidão que os judeus demonstram é a sua sanha obsessiva em destruir o Irã. Os Estados Unidos e a União Europeia sempre foram pressionados por Israel para que adotassem ou aprovassem um ataque ao Irã. Os embargos comercial e econômico, apesar de intensa afetação ao desenvolvimento iraniano, nunca foram capazes de aplacar o injustificado ódio que Israel nutre por aquele país. Possivelmente, o maior entrave a uma incursão direta contra o Irã, seja o apoio que ele recebe da Rússia, tanto por sua capacidade militar dissuasória, quanto por ser o principal fornecedor de gás à União Europeia. Entretanto, parece que Israel encontrou um meio de não depender exclusivamente dos Estados Unidos para lançar-se contra o Irã e passou a apoiar, através de logística, ataques a países aliados do Irã, como a Síria e, mais recentemente, contra o Iêmen.
Como em política o impossível é uma palavra que não existe, Israel agora se declara “o grande aliado da Liga Árabe, liderada pela Arábia Saudita, e lançam ataques contra a população civil do Iêmen, a pretexto de estar tentando atingir o grupo Huthis Ansar Allah. Na verdade, os bombardeios promovidos pela Liga Árabe visam objetivos distintos. Israel não tem coragem de lançar-se num conflito direto contra o Irã, principalmente sem o aval dos EUA. Desta forma, apoiar a Liga Árabe é uma maneira de deter a progressiva influência regional do Irã, que tem aumentado, principalmente com os vácuos de poder surgidos com o esfacelamento da Síria e a eliminação de Saddam Hussein, no Iraque, e Muamar Kadafi, na Líbia. As negociações do Irã com o Grupo 5+1 sobre o programa nuclear tem incomodado Israel, principalmente depois que Barack Obama afirmou que o país persa poderia se tornar “uma potência regional muito próspera” se conseguisse entrar em um acordo. Por outro lado, a Arábia Saudita, não obstante também incomodar-se com o aumento da influência regional do Irã, tem como motivação para os ataques sentimentos mais sectários. O grupo rebelde Huthis Ansar Allah é xiita, tal qual o Irã, enquanto a Arábia Saudita é Sunita. É uma hipocrisia da ONU se dizer preocupada com a fome no mundo e, por outro lado, legitimar a deflagração de conflitos que têm a finalidade apenas de impulsionar o comércio de armas e a propagação de ódios sectários, com consequências desastrosas para, principalmente, a população civil. A região da África do Norte, sempre foi palco de sangrentas batalhas. Cartago, onde hoje é a Tunísia, durante a Segunda Guerra Púnica (218-201 a.C.), é a terra do lendário rei Aníbal. Em 216 a. C, em Canas, no Sul da Itália, sob o comando de Aníbal, foram aniquilados mais de cinquenta mil soldados romanos em um único dia. Esta batalha entrou para a história como sendo a mais violenta em número de mortos, até ser superada pela Batalha de Somme, na França, na Primeira Guerra Mundial, na qual em um único dia, foram mortas mais de sessenta mil pessoas, a maioria ingleses.
Sem dúvida alguma a humanidade obedece a movimentos cíclicos. Os acontecimentos sociais, políticos, comportamentais, seguem a mesma lógica dos movimentos planetários: tudo gira e, por mais que tardem, sempre haverá o retorno ao ponto de partida. O ser humano é, por sua natureza, fadado a repetir a história. É difícil acreditar que as civilizações tenham, realmente, alcançado algum grau de evolução que não seja a meramente tecnológica. A mentalidade irascível, própria do estado de natureza predatório do homus lupus hominis continua tão presente nas sociedades atuais da mesma maneira como havia nas civilizações mais primitivas. À guisa de exemplo, as arenas dos coliseus de antes deram lugar aos ginásios onde se travam duelos sangrentos dos UFC’s (sigla em inglês para Ultimate Fighting Championship), transmitidos ao vivo para milhões de pessoas que vibram euforicamente com a violência dos contendores, através dos quais se projetam, numa espécie de alter ego; Os instintos de cobiça, subjugação do próximo, a pilhagem, tudo isso, é tão imanente e presente atualmente quanto foi no passado mais remoto, como a Guerra de Tróia, ou até mesmo como nos conflitos dos tempos dos Jônios e Dórios, da antiga Grécia. A perversidade, a ganância, o desprezo ao semelhante, tudo isso, permanece determinando a ação do homem, sem nenhuma diferença em relação aos primitivos e medievais, salvo os métodos de executá-lo. As religiões, que poderiam ser uma força primordial na construção de uma civilização onde houvesse mais amor e compreensão entre as pessoas, são, ao contrário, o fato de maior desagregação, preconceito e ódio.
Os conflitos mais sangrentos foram e continuam sendo amalgamados por sentimentos de intolerância sectária, como os que ocorrem atualmente no Oriente Médio, em basicamente todos os países da África subsaariana e os deflagrados pelo Estado Islâmico. Os pretextos variam de tempos em tempos. A natureza, porém, permanece a mesma das mais remotas civilizações, ainda que camuflada em diferentes engodos como convenções sociais, normas éticas, religiosas, e tantos outros embustes. A história da humanidade não muda, ela é apenas reescrita com a inserção de novos personagens.
(Manoel L. Bezerra Rocha, advogado criminalista – [email protected])