Aldair da Silveira Aires: além do peixe na telha
Redação DM
Publicado em 15 de janeiro de 2017 às 00:40 | Atualizado há 8 anos
Conheci Aldair na época que ele era proprietário do Restaurante Forno de Barro, localizado no Setor Sul, Goiânia, no final dos anos 70. Sua casa gastronômica era o ponto de encontro natural dos artistas goianos e de outros estados. Se havia apresentação de uma peça teatral, show musical de outras bandas do país em Goiânia, era para que os seus protagonistas se dirigiam, após as apresentações, para jantar, tomar umas e outras, sobretudo, confraternizar com os artistas locais.
As paredes do restaurante ornadas com poemas, pinturas, era possível avistar também assinaturas de famosos vilaboenses como Cora Coralina, Octo Marques, goianos de coração como João Bênnio, a de famosos nacionais como Eva Todor e Paulo Autran. O prato principal da casa, além desse farto free couvert artístico, era o Peixe na Telha, inventado pelo Aldair em parceria com o amigo e escritor Bariani Ortencio, hoje, um prato degustado mundialmente.
Aldair, o Chef, poeta e excelente intérprete, além de comandar a cozinha, exercer de mesa em mesa, um excelente trabalho de relações públicas, acumulava a função de superintendente de Cultura, no governo de Irapuan Costa Júnior, quando foi empreendida a mais significativa reforma do Teatro Goiânia, inaugurado artisticamente em 1942, com uma peça teatral interpretada por Eva Todor.
Filho da cidade de Catalão, Aldair nasceu no dia 19 de janeiro de 1942, na terrinha do poeta Ricardo Paranhos, foi amigo de infância e adolescência do escritor Geraldo Coelho Vaz, juntos tomaram gosto pela literatura, promovendo com outros amigos, estudos literários e recitais poéticos. Mais tarde residindo em Goiânia, Aldair foi ungido, em 1963, primeiro presidente do GEN – Grupo de Escritores Novos, que revelou importantes talentos como Yêda Schmaltz (maior voz da poesia feminina goiana de todos os tempos), e o próprio Geraldo Coelho Vaz.
Aldair, temperamental ao extremo e dócil na mesma proporção, um dia chutou o balde, vendeu o restaurante, foi para o litoral Sul da Bahia, residindo na cidade de Nova Viçosa, onde abriu um restaurante na orla marítima. Coagido pela solidão (conforme ele me revelou), da vida e de fregueses, no período de baixa temporada, retornou à Goiânia, junto com a segunda esposa Cléia e os dois filhos do casal: Leandro e Fabiana.
Curta foi a sua parada na cidade erguida por Pedro Ludovico, foi ancorar seu barco familiar às margens do Rio Araguaia, na cidade de Aragarças, para ministrar aulas na Universidade Federal de Mato Grosso, na vizinha Barra do Garças. Até então, essas cidades nunca tinham visto tamanha agitação cultural, provocada pela presença de Aldair. Em uma das suas agitações, ajudei o Aldair a realizar um concurso de poesia falada em Aragarças, no ano de 1988. Nesse concurso vi o bigode peculiar do Aldair literalmente se entornar, sua face se enrubescer feito um saudável pimentão e enrugar como um maracujá, quando no momento da revelação dos vencedores do concurso, o poeta Pio Vargas – uma das melhores revelações poéticas de Goiás – abortado da vida em pleno voo – insatisfeito com a sua terceira colocação obtida, ao pegar o cheque relativo à sua premiação, rasgou-o em pedacinhos, jogando seus restos mortais sobre a mesa da comissão julgadora. Eu que compunha a comissão julgadora vi boiar sobre a cerveja no meu copo pelo menos uns dois pedacinhos do cheque. No entanto, passados uns meses, Pio e Aldair já se haviam reconciliado.
De volta à Goiânia, na Universidade Federal de Goiás, onde havia se formado em Letras Modernas, Aldair fez mestrado em Literatura Brasileira e Linguística. Aposentado por motivo de doença da Universidade Federal do Mato Grosso, mais uma vez Aldair chutou o balde e foi se abrigar na centenária cidade de Bonfim, atual Silvânia. Lá, voltou com tudo o seu ativismo cultural, motivado, sobremaneira, pelo então secretário de cultura do município, Cleverlan do Vale. Foram sete anos de intensa vida bonfinense. Até que vencido pelo câncer, faleceu às seis horas da manhã do dia 15 de maio de 2007.
Além do peixe na telha, Aldair deixou também um saboroso cardápio de livros de sua autoria, entre versos e prosa. O que ele deve estar aprontado do lado de lá, só mesmo Deus para saber.