Cultura

Yvan Avena em muitas palavras

Redação DM

Publicado em 12 de janeiro de 2017 às 01:41 | Atualizado há 7 meses

Yvan Avena nasceu em Marseille, na França, em 1930. Cidadão do mundo–porque sua grandiosidade não cabia pertencer a um só lugar–passou pela França, Argentina, Suécia, Guiné Bissau e Guatemala. Seu início de vida se deu entre Salon-de-Provence, em Maubourguet (Altos Pirineus) e Sant-Antoine em Marseille. Um artista multifacetado, Yvan Avena era artista plástico, poeta, crítico de artes, escritor e tradutor. Dez anos antes de sua morte, Yvan Avena e sua esposa Monique Avena, escolheram Goiás para viver. Era um apaixonado pela cultura, a música, a poesia, a culinária e a gente goiana. Foi também em Goiás que o casal francês conheceu Elizabeth Caldeira Brito, psicóloga, professora e escritora.

A longa amizade nasceu de maneira despretensiosa e, regada pelas boas risadas, rendeu grandes frutos, hoje colhidos carinhosamente por Elizabeth, um ano após a partida de seu “melhor amigo francês”, nas palavras da própria escritora. O projeto do livro teve o aval de Yvan Avena, porém sua conclusão só se deu após o falecimento do francês. Segundo relato de Elizabeth, em certo dia do ano de 2007, Yvan chegou ao local de trabalho da escritora, no Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, trazendo-lhe uma pasta repleta de “relíquias”, poemas cuidadosamente organizados, traduzidos por ele próprio para o francês e o espanhol. “Recebi-o como se recebe uma herança preciosa. Um legado que só se dá a quem se confia e se conhece. Disse-me, com seu sotaque característico, ‘Bety faça o que você quiser…’ Deixou-me nas mãos este legado…”

O livro contém poemas de vinte e dois escritores goianos, tais como Ada Curado, Aidenor Aires, Augusta Faro, Brasigóis Felicio, Coelho Vaz, Denise Godóy, Edmar Guimarães, Elizabeth Caldeira Brito, Gabriel Nascente, Gilberto Mendonça Teles, Heloisa Helena Campos Borges, Helvécio Goulart, Itamar Pires Ribeiro, José Fernandes, José Mendonça teles, Lêda Selma, Luiz de Aquino, Maria Luisa Ribeiro, Maria Helena Chein, Miguel Jorge, Regina Lúcia de Araújo e Sonia Ferreira.

 

Entrevista com Elizabeth Caldeira, sobre o livro Poesia em poucas palavras:

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DM Revista: O que a motivou a organizar o livro “Poesia em poucas palavras”, em homenagem à Yvan Avena?

Elizabeth: Certa manhã, (em 2007) em meu local de trabalho, no Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, recebi uma ligação do amigo de longa data, Yvan Avena, dizendo-me de uma visita que faria a mim no IHGG, onde ele era Sócio Correspondente, assíduo e presente. Chegou-me com uma pasta. Nela vários poemas de autores goianos, com sínteses biográficas de cada um, traduzidos para o francês e o espanhol. Os pequenos poemas, na versão em francês, se apresentavam transcritos, por ele, e ricamente ilustrados, com sua forma singular de interpretar as poesias, cujos autores foram selecionados por ele, dentre o universo poético goiano. Os originais com o título: “Poesia em poucas palavras – em quelques mots – en pocas palabras” eram precedidos do prefácio do escritor José Mendonça Teles, também em versão trilingue.

Recebi aquela incumbência como quem recebe uma herança preciosa. Um legado que só se dá a quem se confia e se conhece. Disse-me Avena, com seu sotaque francês, característico de quem dominava, muito bem, o português: “Bety faça o que você quiser…”. Yvan deixou-me nas mãos um bem inestimável que será disponibilizado em breve ao grande público brasileiro, da América latina e da Europa.

 

DM Revista: A publicação de sua obra veio se concretizar apenas após a morte de Yvan Avena. Quais foram as dificuldades que, de certa forma, atrasaram esta publicação? Você pensou em desistir, ou adiar um pouco mais?

Elizabeth: O material recebido ficou guardado no IHGG, durante todos estes anos, à espera de uma oportunidade para que a publicação fosse feita com a chancela do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás a qual pertencíamos (ele como Sócio Correspondente e Eu como Sócio Titular). Infelizmente não foi possível por questões financeiras. Tomei, então, a iniciativa da publicação do livro, como proponente de projeto cultural como ‘pessoa física’.

O Projeto, para reivindicar o patrocínio da Lei Municipal de Cultura da Secretaria Municipal de Cultura, teve início com o conhecimento, aquiescência e entusiasmo de Yvan. Ele soube de sua aprovação e compartilhou nossa satisfação. Infelizmente o processo de captação foi muito demorado (realizado no último dia, graças ao empenho da dinâmica produtora cultural, musicista Lidiane Carolina). A conclusão extrapolou, no tempo, sua existência física (ele faleceu há um ano). Graças à Lei pudemos agora realizar o intento de tornar público “Poesia em poucas palavras”, de autores goianos, selecionada, traduzida, ou seja, “repoetizada” e ilustrada por Yvan Avena.

 

DM Revista: Quem foi Yvan Avena para você? E para o povo goiano?

Elizabeth: Avena quando se referia a mim dizia: “minha melhor amiga brasileira”. Eu retribuía a gentileza, repetindo que ele era “o meu melhor amigo francês”, o que não era destaque, pois eu não conhecia nenhum outro francês. E riamos…

Eu o conheci por intermédio dos Professores José Mendonça Teles (então presidente do IHGG) e Ruy Rodrigues da Silva (que faleceu no final do ano passado em Goiânia). A amizade de Ruy com Avena teve início em 1978, quando Yvan atuava como engenheiro na Guiné-Bissau. Nesta ocasião conheceu o Professor Ruy Rodrigues, que sob exílio político, escolheu a África para abrigo e labuta. Amigo de Avena e sábio de seu interesse, pela poesia brasileira, Ruy forneceu a ele um grande acervo de autores brasileiros e especialmente goianos. A partir da década de 1990, já aposentado, Avena se dedica exclusivamente à poesia, às suas traduções e às ilustrações de poemas. Torna-se especialista na poética latino-americana, principalmente a da Guatemala e a do Brasil (em especial a produzida em Goiás).

Muitos anos depois o professor Ruy, anistiado, residindo em Goiânia e associado do IHGG, onde foi, inclusive, Vice-Presidente nos colocou a par do interesse de Yvan pelos autores da terra. No início dos anos 2000, o Instituto Histórico passou a enviar livros para Avena, com o propósito da realização de uma exposição, dos poemas ilustrados pelo artista francês, em nossa terra. Eu era a responsável pelo recrutamento e envio de livros dos autores, escolhidos por uma comissão presidida por José Mendonça Teles, para representar a poética brasileira feita em Goiás. Junto aos livros eu escrevia a Yvan, sobre detalhes da exposição e sobre a nossa cidade, pois ele viria à Goiânia para o vernissage. Yvan escolhia os poemas, ilustrava-os enviava-os ao Brasil (cujo destinatário era o IHGG). As obras de arte, juntamente com respostas às minhas correspondências, chegavam às nossas mãos. Em 2003 foi feita uma grande exposição na, então, Fundação Jaime Câmara, com as presenças de Yvan e sua esposa Monique Avena. À ocasião foi lançado o catálogo: “Poesia Brasileira por Yvan Avena”. Quando chegou em Goiânia, já nos conhecíamos à muito, devido as correspondências trocadas. A partir da mostra de suas obras em nossa capital e de conhecer nossa cidade, nosso povo, nossa cultura e nossa gastronomia, o casal retornou à França, vendeu o castelo onde residia, em Lecture e aportou, dois anos depois, em nossa acolhedora cidade, para viver “todos os últimos dias de suas vidas”. Goiânia seria, então, sua “última morada”, nas palavras de Yvan. Ele comentava que gostaria de ser mais jovem para poder usufruir, mais tempo, desta terra, de seu amável povo e da bela gastronomia. Durante os dez anos que residiu em Goiânia trabalhou incessantemente em prol do que o movia–a arte. De acordo com o filósofo alemão Shopenhauer: “poemas não podem ser traduzidos, apenas repoetizados”. E Yvan Avena repoetizou o lirismo brasileiro, especialmente os feitos em Goiás, para flamejá-los ao mundo se aquietando aqui.

Avena fez com que a literatura cerratense executasse voos nunca antes imaginados. De Goiânia “repoetizou” e ilustrou poemas de 33 escritores goianos e os distribuiu para os países da Europa: França, Suécia, Espanha e Itália. Publicou o lirismo goiano e ensaios sobre nossa produção literária nas revistas francesas: Inédit Nouveau (Bélgica) Florilége (França), Traces 153 (França) e Lês Amis de Thalie (França).

Além do encantamento literário com os poetas goianos, Avena se identificou com os traços, cores, tintas e expressões de dois artistas plásticos de nossa terra: Alessandra Teles e seu olhar indigenista e G. Fogaça com suas metrópoles delirantes. Com o apoio cultural de Yvan e Monique, puderam expor suas obras de artes em destacadas galerias da exigente e lendária França. O sucesso foi amplamente alcançado e as telas goianas adquiriram endereços franceses. Sob a batuta dos Avena, G. Fogaça expôs ainda na Espanha, em Palma de Mallorca, incrementando em 20 anos sua empenhada carreira, como depõe o próprio artista.

E Avena profetizou seu destino: sua última morada é, realmente, Goiânia. Seu corpo está enterrado entre os goianos e goianienses (como ele) que aqui jazem para sempre.

 

DM Revista: Qual o contato, a relação entre você e Yvan Avena com os poetas goianos selecionados por ele, cujos poemas foram traduzidos para o francês e o espanhol, pelo próprio Avena?

Elizabeth: Chefe de Gabinete da Presidência do IHGG, há mais de 20 anos, escritora, acadêmica e organizadora da página semanal, “Oficina Poética” do Diário da Manhã, há mais de quatro anos (já estamos na 254ª edição), tenho contatos próximos com a maioria dos escritores de nossa capital. O IHGG organizou algumas antologias com a participação dos autores daqui. Eu fui a responsável pelas comunicações com os escritores em busca de poemas para compor as publicações. Os convites para que os escritores participem da Oficina poética, também estreita nossos relacionamentos. Sinto-me privilegiada por conhecer todos os que compõem o “Poesia em poucas palavras”. Yvan Avena admirava e comentava por eu conhecer todos os escritores.

 

DM Revista: Em que ponto a Lei Municipal de Incentivo da Secretaria Municipal de Cultura de Goiânia, se tornou peça fundamental na concretização da obra?

Elizabeth: A Lei Municipal de Cultura da Secretaria Municipal de Cultura foi, realmente, a peça fundamental na realização deste antigo projeto. Sem ela, muito provavelmente, não seria realizado este intento, que vem a ser um divisor de águas para a literatura brasileira produzida em Goiás.

 

continua na pág. 6

 

 


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