A indústria da pobreza
Diário da Manhã
Publicado em 4 de janeiro de 2017 às 01:01 | Atualizado há 4 meses
Um documentário produzido em 2014 tem constrangido um grupo razoável de militantes e defensores dos pobres. Motivo: por mais que se faça alguma coisa para reduzir a pobreza, ela só aumenta. O vídeo mostra como isso acontece.
Uma das causas, que é a defendida pelo produtor Kris Mauren, do filme Pobreza S/A, é de que existe uma indústria de pobres e a burocracia seria, de fato, a culpada por esta enorme fabricação de miséria. O storyline do filme: se existe alguém que lucra com a pobreza, a tendência é que uma força social se anime para manter as coisas como estão. E assim, de fato, se procede.
A burocracia do Estado se alia a outras práticas, como corrupção, e deteriora o que era para se transformar em alimento e roupas. Exemplos: o escândalo da merenda escolar que é investigado em São Paulo e Goiânia, as campanhas de doações realizadas pelas emissoras de televisão (Teleton, Criança Esperança, etc) e inúmeras ONGs que estão na militância mais para se sustentar do que para fazer o bem. Os programas, claro, não nutrem a corrupção. Ao contrário: despertam a solidariedade. Mas se revelam ineficientes na maioria das vezes.
A maioria dos beneméritos não se pergunta, por exemplo, a origem da pobreza. A ideia de que a pobreza tem uma origem certa e determinada já é perturbadora, pois suscita diversas teorias e correntes ideológicas – a começar do marxismo, que enxerga com naturalidade na injustiça social um dos fatores para que pobres se categorizem como classes e unifiquem seus discursos.
Para o pensador, existe o proletariado e lumpemproletariado. Estes últimos – uma mistura de vagabundos, ex-presidiários, fugitivos da prisão, escroques, saltimbancos, delinquentes, batedores de carteira, pequenos ladrões, etc – deveriam ser evitados na revolução.
Para além do que disse Marx, que atacava o lumpem e tecia elogios ao proletariado (que deve necessariamente se unir na teoria marxista), surge a figura dos apartados do sistema produtivo, os invisíveis para a produção e mesmo aqueles que trabalham, mas não conseguem o mínimo para garantir a dignidade. Nesta lista, diz Kris, se incluem até mesmo os que não conseguem sequer regularizar suas pequenas empresas.
A ideia da indústria da pobreza, defendida por Kris Mauren, do Action Institute, que produziu o filme e que agora incomoda as elites, é o fato dele e sua equipe identificarem na sociedade quem ganha com a miséria dos outros. É fato: muitos ganham. A pobreza é a riqueza de diversos burocratas, gestores e empresários, que fazem questão, por exemplo, de superfaturar o preço de produtos. Ou pior: jogar fora restos de comida, impedir que peças de reposição cheguem nos mercados e criar sistemas de trabalho escravo.
Kris Mauren identifica no modelo americano um sistema para desperdiçar dinheiro da sociedade. Para ele, o melhor é fazer como no Brasil, com o sistema de Bolsa Família, e repassar os recursos para o público diretamente. A ideia, aliás, surgiu exatamente com o governador de Goiás, Marconi Perillo, que, em seu primeiro mandato, em 1999, inovou ao trocar a antiga política assistencialista de entrega de pão e leite ou cestas básicas por um cartão que dava ao cidadão o livre-arbítrio. O Renda Cidadã é hoje um modelo exatamente deste parâmetro proposto pelo Action Institute.
A ideia acertada – diz Kris Mauren – é repassar as ajudas, governamentais ou não, diretamente para quem precisa. Nada de colocar dinheiro na conta de organizações, de encaminhar recursos para burocratas, bancos, etc.
Os recursos devem ser endereçados para quem precisa. No vídeo Pobreza S/A, aqueles que mais sofrem com o aumento da penúria chegam a reclamar: não querem mais uma estrela de Hollywood engajada na luta pelos mais pobres.
Se a regra é explorar a miséria, existem aqueles que ajudam sem dramas e ações mirabolantes, como visitar terrenos minados ou cenários de catástrofes. É fato: as celebridades podem, sim, ajudar. Mas de forma pontual, como o apresentador Rafinha Bastos, por exemplo, que usa a internet para direcionar auxílios determinados. Foi o caso de uma comunidade de crianças de Aparecida de Goiânia (ver correlata).
O Action Institute diz que os pobres estão fartos de propagandas, campanhas que os usam instrumentalmente, projetos pilotos que acolhem apenas uma minoria.
O documentário do diretor Michael Matheson Miller, produzido por Kris Mauren, toca exatamente neste sistema que desvia o dinheiro que deveria chegar no hospital, nas periferias e nos mais variados nichos de miséria do mundo.
Como tudo carrega sua ideologia, a ideia do Action Institute – que é um think tank global – se nutre da concepção liberal conservadora: visa mostrar que o sistema atual faliu em garantir os principais direitos sociais.
ESTADO INAPTO
Por isso o vídeo é tão atual, já que revela um Estado inapto para combater a pobreza que se alastra em todo mundo.
Os dados revelam que 702 milhões de pessoas – 9,6% da população mundial – vivem em extrema pobreza. Outra situação: mais de 2 bilhões de pessoas vivem com menos de 2,5 dólares por dia. O valor não dá para uma refeição completa – o que dirá para três ao dia.
De acordo com a Unicef, órgão das Nações Unidas (ONU), 22 mil crianças morrem por condições de pobreza extrema a cada 24 horas.
Os que gerenciam a pobreza geralmente fazem parte de grandes sistemas e corporações. A ONG Oxfam, por exemplo, mostrou no ano passado que, em 2016, a fatia que compõe os 1% mais ricos do planeta têm mais dinheiro que os outros 99% juntos de todo mundo. Convenhamos, é uma matemática perversa, onde 1 vale mais do que 99.
O que pensa Kris Mauren
“O Acton Institute é um think tank educacional global interessado na conexão de economia e moralidade. Nosso lema é “conectando boas intenções com correção econômica”. Isso é importante, pois nós nos preocupamos com os mais pobres dentre nós, e julgamos que isso é um dever moral, mas é também uma realidade econômica. Nossa preocupação é que muita gente que fala em nome de bons princípios morais, na verdade, tem uma compreensão muito limitada de economia e como alcançar, na prática, as boas intenções que eles desejam”.
“Existe uma imensa e complexa indústria que inclui governos, que fornecem o dinheiro, grandes Organizações Não Governamentais, que ficam com uma boa parte do dinheiro, empresas de toda sorte e, por fim, os próprios pobres, que ficam com uma pequena parte do dinheiro. Lamentavelmente, é fato que a maior parte do dinheiro de ajuda aos mais pobres acaba se perdendo em transações envolvendo essas grandes ONG’s internacionais e agentes governamentais destacados para cumprir funções em programas especiais de algum tipo de ajuda humanitária. O filme que fizemos busca mostrar essa realidade e os mecanismos que a sustentam, e que, em última instância, contribuíram para a nossa atual situação: quanto mais se gasta em ajuda humanitária, mais pessoas estão dependentes dela – o que não é um bom sinal de eficácia desses programas, eu diria”.
“É preciso reconhecer que a imensa maioria dessas pessoas e celebridades realmente quer fazer o bem e deseja ser útil aos mais necessitados. Não creio que, entre as celebridades envolvidas em ações humanitárias globais, haja um número minimamente significativo de pessoas fazendo isso por publicidade. Eles apenas querem ajudar pessoas em condições de extrema pobreza e dificuldade, e mobilizam sua condição de celebridades em prol dessa causa. Suas boas intenções, creio, são genuínas. Contudo, essas celebridades acabam sendo usadas, sem que o percebam, pela “indústria da pobreza”, que acaba perpetuando a situação daqueles que essas celebridades gostariam de ajudar. Esse é, aliás, um bom exemplo de boas intenções não conectadas com correção economia: na prática, o que eles defendem não está ajudando de modo algum os mais pobres”. (Trechos de entrevista concedida ao Estadão)
É possível fazer o bem (mesmo)
Aparecida Andrade,Da editoria de Cidades
O segundo dia do ano começou com polêmica na internet, mas os motivos do impasse para muitos não se justificam. Após publicar em seu Facebook que os brasileiros são “anormais do terceiro mundo”, a rapper norte-americana Azealia Banks causou a fúria dos internautas brasileiros, que lhe fizeram muitas críticas, inclusive enviando mensagens racistas para a cantora.
Surpreso com a dimensão e importância dada ao assunto, que se tornou o mais comentado na manhã de segunda-feira no Twitter do Brasil, o humorista e apresentador Rafinha Bastos, em vídeo divulgado no YouTube, criticou o comportamento dos brasileiros, sugerindo que estes fizessem uso das redes sociais para causas que realmente valem a pena.
No vídeo, o apresentador cita o exemplo da enfermeira Carmen Bernardeli, 30 anos, que lançou na internet um projeto, do qual ela faz parte, em Goiânia, para ajudar crianças carentes que moram nas proximidades do lixão em Aparecida de Goiânia. A plataforma onde o projeto foi lançado possibilita às pessoas conhecer a ação social e colaborar financeiramente.
Em entrevista à reportagem do Diário da Manhã, Carmen contou que a meta era arrecadar R$ 4 mil, a qual já foi atingida. Ela esclareceu que o Projeto Amigos da Boneca Maria Clara (ABMC) é idealização de duas amigas (Rosane e Sônia) que moram em Goiânia e desejavam ajudar as pessoas que necessitam de alguma forma. “Elas criaram esse projeto com muito carinho, faço parte do grupo e tive a ideia de colocar no Catarse” descreveu.
Carmen conta que o projeto começou em 2013. “No início éramos apenas cinco amigos com o intuito de ajudar alguém. Então tudo foi tomando uma proporção enorme. E resolvemos, então, ir ao lixão em Aparecida de Goiânia para ajudar algumas famílias necessitadas, após ter visto no jornal local a necessidade delas. Então começamos a manter contato com a líder do bairro, desde então, ela nos traz lista de crianças matriculadas na escola e a partir dessa lista montamos kits escolares contendo 1 pasta com abas, 3 cadernos de capa dura brochura, 1 borracha, 1 apontador, 1 caixa de lápis de cor, 1 régua e um lápis de escrever”, descreve.
Ela acrescentou que com o passar dos anos viram a necessidade de doar roupas, sapatos, brinquedos e alimento. E, para conseguir arrecadar o dinheiro todos os anos, o grupo confecciona bonecas e papais-noéis. “Vendemos e revertemos o dinheiro em material escolar e alimento, sendo que contamos muito com doações. Esse ano temos 280 crianças cadastradas, então sentimos necessidade de uma ajuda a mais”, observou.
Tecnologia
Carmen Bernardeli contou que a ideia de divulgar na internet a ação social do grupo foi assertiva e relatou com surpresa que até o momento que o DM entrou em contato ela não sabia da ajuda do apresentador Rafinha Bastos, que informou ter doado R$ 1.000.
“Nunca arrecadamos nada pela internet, essa foi a primeira vez. Tive a ideia de colocar o projeto naquele site que abraça ideias legais, de pessoas que ajudam, conheci o site através do meu irmão, então resolvi contar com a sorte e deu muito certo. Eu ainda não havia visto o vídeo, foi muita coincidência porque no momento que você entrou em contato comigo o Rafinha Bastos também me chamou aqui para conversar comigo sobre o projeto. Estou muito feliz com esse apoio de vocês”.
Para Carmen, a conversa “boca a boca” ajuda, mas a internet é de extrema importância na divulgação dos trabalhos realizados para arrecadar ajuda. “Vendo a proporção que tomou após o vídeo do Rafinha, acredito que conseguiremos muita ajuda para apoiar e fazer esse sonho acontecer. Ele foi de extrema importância na divulgação porque nós não havíamos arrecadado nada ainda e ele mesmo me contou após o vídeo as pessoas começaram a ajudar”.
As doações serão feitas no último sábado de janeiro e quem desejar doar ainda há tempo. A doações podem ser entregues na Rua C-236, quadra 540, lote 18, número 113, Jardim América, Goiânia.