Indústria brasileira parou
Diário da Manhã
Publicado em 4 de janeiro de 2017 às 01:00 | Atualizado há 8 anos
Com a falta de demanda, mais de um terço das máquinas e equipamentos do setor industrial brasileiro está parada. Isso compromete a situação financeira das empresas. É o que afirma a Confederação Nacional da Indústria em nota divulgada esta semana. Em última edição do ano passado, a revista Indústria Brasileira, editada pela CNI, trouxe uma suculenta reportagem sobre o tema. A matéria foi composta com os dados de outubro, faltando ainda dois meses para fechar o ano. Mesmo assim, o tom era pessimista. A forte tendência de queda da atividade industrial nem de longe sinalizava para uma reação ainda este ano.
A nota publicada no site da CNI, em 38 de dezembro, é ilustrada com um gráfico sobre a Utilização da Capacidade instalada. A ociosidade na indústria brasileira deve bater novo recorde neste ano. “Em 2016, a utilização da capacidade instalada permanece baixa, inferior à observada em 2015”, diz a Nota Econômica, pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). No ano passado, a utilização da capacidade instalada (UCI) foi de 66%, a mais baixa média anual registrada desde 2001, quando a CNI começou a pesquisar a UCI. Isso significa que 34%, ou mais de um terço, das máquinas, equipamentos e instalações da indústria ficaram parados.
“A alta ociosidade traz prejuízos para todos. Além dos custos altos, máquinas e equipamentos parados desestimulam os investimentos e dificultam a retomada do crescimento da economia e a criação de empregos”, afirma o presidente da CNI, Robson Braga de Andrade. Por isso, ele destaca que é preciso fazer os ajustes necessários à recuperação da confiança dos empresários e dos consumidores, como o controle dos gastos públicos, a reforma da Previdência e a modernização da infraestrutura.
O discurso de Robson Braga parece esquizoide. É como se a crise tivesse causas meramente psicológicas, ou seja, falta confiança dos empresários e dos consumidores. Talvez um bom psicólogo pudesse trazer de volta esta confiança. Mas, não. Basta fazer os ajustes necessários, tais como controlar gastos públicos, reformar a Previdência e modernizar a infraestrutura. Crotolar gastos e reformar a previdência estão sendo feitos. Já modernizar a infraestrutura é complicado, pois demanda gastos. Como gastar e, concomitantemente, não gastar?
A situação da indústria está ainda pior neste ano. Em junho, a utilização média da capacidade instalada ficou em 64%, um ponto percentual abaixo do registrado no mesmo mês de 2015. Nos meses de janeiro e fevereiro, atingiu 62%, o nível mais baixo dos últimos 15 anos, indicando que 38% do parque industrial ficou parado nos dois primeiros meses de 2016.
“A elevada ociosidade foi determinada pela queda da demanda, que teve início ainda no fim de 2013”, avalia a CNI. O ajuste da produção à demanda começou nas indústrias que produzem bens de maior valor e bens de capital, como automóveis e caminhões. No setor de veículos automotores, a utilização da capacidade instalada no ano passado foi 15 pontos percentuais inferior à média registrada entre 2011 e 2014.
Logo depois da Copa do Mundo de 2014, a crise se espalhou por setores que fornecem insumos para a indústria de transformação, como metalurgia e borracha. Por exemplo, em 2015, a utilização da capacidade instalada no setor de metalurgia e produtos de metal ficou 10 pontos percentuais abaixo da média de 2011-2014.
Aí está o problema: numa economia em depressão, a reversão do processo implica estimular a demanda. Mas, como ensinava Keynes, a iniciativa privada não pode fazr isto sozinha. Ela não tem força para quebrar a descida ladeira abaixo. Só o governo pode fazê-lo, por meio de investimentos. Poderia fazer gastos, por exemplo, em “modernização da infraestrutura”.Mas a politica economia do govertno Temer é justamente o contrário, e conta om o apoio entusiástico dos dirigentes da CNI.
Em 2015 e 2016, a ociosidade aumentou em setores de produtos de consumo não duráveis, como alimentos, vestuário e material de limpeza. Em setores como vestuários e couros e artefatos, a utilização média da capacidade instalada caiu 7 pontos percentuais em 2015 na comparação com ma média de 2011-2014, diz o estudo da CNI.
A alta ociosidade do parque industrial prejudica as condições financeiras das empresas, porque a manutenção de máquinas e equipamentos, mesmo parados, tem custos fixos, que independem do número de bens produzidos. “Quando se produz pouco – muito abaixo da capacidade, como em 2015, o custo fixo de produção é dividido por um menor número de unidades produzidas. Quando o custo por unidade produzida aumenta muito, sua produção pode se tornar inviável e forçar a empresa a fechar”, alerta a CNI.
O estudo informa ainda que, inicialmente, a baixa demanda provocou o acúmulo de estoques indesejados. “Os estoques ficaram acima do planejado na maior parte de 2015 e foram ajustados ao nível planejado apenas no fim do ano, depois de sucessivas reduções da produção”, diz a Nota Econômica, com base nos dados da Sondagem Industrial.
A manutenção de estoques acima do planejado, observa a CNI, também compromete a saúde financeira das empresas e aumenta a necessidade de capital de giro. “Isso porque as empresas gastam com trabalho, insumos e matérias-primas no momento da produção e demoram mais tempo para obter o retorno financeiro com a venda dos produtos”, explica o estudo.
O que o estudo da CNI omite é que muitas empresas estão compensando seus prejuízos financeiros com aplicações no mercado financeiro. Com os juros na estratosfera, o retorno das aplicações financeiras podem ser ais atrativos do que os lucros obtidos nos negócio de fabricar e vender coisas.
Com produção e faturamento em queda, a indústria tem encolhido e perdendo competitividade e participação na economia brasileira. No ano passado, foi o setor que mais demitiu no país e, em 2016, atingiu uma ociosidade recorde, segundo mostram os indicadores de uso do parque fabril.
Máquinas paradas
Na sondagem mensal feita pela FGV, a utilização da capacidade instalada na industria atingiu, em fevereiro, o menor nível da série iniciada em 2001. De lá pra cá, só tem feito cair. No levantamento da Confederação Nacional da Indústria, o uso da capacidade na indústria da transformação, aquela que produz bens de consumo e máquinas, chegou ao piso histórico nos meses de janeiro e fevereiro, quando o percentual médio ficou em 62%. Em março e abril, o índice ficou estacionado em 64%, mais ainda muito longe do usual e da máxima de 75%, registrada em outubro de 2013.
Em segmentos como de máquinas e equipamentos, nas montadoras e siderúrgicas, o uso médio da capacidade instalada segue abaixo de 60%. “Isso significa que praticamente um terço do que se poderia produzir não está sendo produzido, o que tem um custo e impõe ainda mais dificuldades financeiras”, afirma o economista da CNI Marcelo Azevedo.
Nas empresas de médio e pequeno porte, a ociosidade é ainda maior. O empresário César Prata, da Asvac Bombas, que fabrica equipamentos para plataformas de petróleo, navios, saneamento e outras indústrias, afirma que a sua fábrica na capital paulista está operando atualmente com apenas 40% da capacidade. “O ideal de qualquer máquina é estar operando o tempo todo. Toda máquina tem um custo de amortização, então imagina usar só por um terço do tempo”, diz o dono da empresa, que da usual rotina de 3 turnos passou a operar com apenas um, e com um quadro reduzido. A fábrica, que no auge chegou a ter 50 operários, hoje emprega apenas 14.
A indústria eliminou 58% dos empregos perdidos no país. No acumulado do primeiro trimestre de 2016, a indústria da transformação eliminou 69 mil vagas. Nos últimos doze meses, o setor perdeu 700 mil trabalhadores com carteira assinada. Desde 2014, a indústria já fechou 845 mil postos de trabalho. Foi o setor que mais demitiu no período, respondendo por 58% das vagas eliminadas no país. Em março, o total de trabalhadores no setor somou 7,55 milhões de pessoas, retornando a níveis de 2010, segundo números do Ministério do Trabalho.
A verdade é que a indústria brasileira atravessa seu pior momento em pelo menos 16 anos. De janeiro a outubro, a ocupação média das fábricas está em 73,9%, o menor índice desde 2001, quando a Fundação Getúlio Vargas (FGV) começou a fazer o levantamento. Nesses 16 anos, a média histórica de ocupação de capacidade da indústria é de 80,9%.
Torcendo pelo errado dar certo
A grande ociosidade na indústria mostra a profundidade da crise econômica. Dos 19 segmentos pesquisados, 80% estão com a ocupação baixa ou extremamente baixa. O segmento que está em pior situação é o de automóveis. Em outubro, as montadoras usavam 55,9% da capacidade das fábricas, menor nível mensal de ocupação também em 16 anos.
A japonesa Honda, que investiu R$ 1 bilhão numa nova fábrica em Itirapina (SP), por exemplo, continua com a planta fechada e sem perspectivas de utilizá-la no curto prazo. O presidente da Honda do Brasil, Issao Mizoguchi, afirma que nem o início da produção de um novo veículo da marca no País, o utilitário-esportivo compacto WR-V, será suficiente para ativar a fábrica. A unidade está pronta desde o fim de 2015, deveria ter sido inaugurada no início deste ano, mas segue fechada, com todos os equipamentos da linha de montagem aguardando a melhora do mercado. “Pode ser que a fábrica fique ainda um ano ou mais parada, não sabemos”, afirma o executivo.
Um dos efeitos dessa grande ociosidade na indústria, segundo especialistas, é adiamento, pelo menos para 2018, de uma retomada do investimento na produção, com abertura de novas fábricas e contratações. Mas como pensar em investimentos se as empresas não estão gerando caixa para pagar as despesas financeiras?. O primeiro passo é ocupar a capacidade ociosa, acertar as pendências financeiras e com o Fisco, para depois decidir investir, se houver um aumento da procura, concordam os industriais. Mas a questão é: como a demanda vai aumentar se o próprio governo, sob aplausos da burguesia industrial, submete o país a uma política de superausteridade fiscal que inibe o crescimento econômico. Mesmos as autoridades governamentais projetam, para esta ano, um PIB pouco maior de 12%.
Mas há quem acredite que, com as reformas propostas pelo governo, como a PEC do Teto de Gastos e a da Previdência sendo aprovadas, os empresários recolocarão os investimentos no orçamento das companhias para 2018. Esses orçamentos começam a ser elaborados no segundo semestre do ano que vem. Isto é, se até lá ocorrer o milagre de uma política de aprofundamento da recessão operar o milagre do aquescimeto da demanda.