Opinião

Os magistrados e seus deveres

Redação DM

Publicado em 23 de dezembro de 2016 às 01:16 | Atualizado há 8 anos

Como não consegui um título mais original para este artigo, resolvi tomar um emprestado num dos capítulos do livro “Educação de um Príncipe Cristão”, do humanista holandês Erasmo de Roterdã, cuja publicação se deu em 1516, três anos após Maquiavel escrever “O Príncipe”. Meu propósito neste texto é repudiar o abuso de autoridade e com isso defender a necessidade de se punir os excessos do Ministério Público e do Judiciário, mas isso, óbvio, sem os algemar e assim impedi-los nas investigações de crimes de gente graúda dos bastidores políticos e os colocando na cadeia.

Ambas obras são constituídas de conselhos a governantes. Enquanto Maquiavel direcionou seus conselhos ao governante que tomou o poder de modo a instruí-lo em sua permanência no poder, Roterdã lança os seus às monarquias hereditárias, de modo “a assegurar que as pessoas nascidas para governar sejam educadas para governar com justiça e benevolência”.

Roterdã não é maquiavélico. Seus conselhos buscam apontar ao governante “a necessidade de uma conduta virtuosa em todas as situações”. Diz ele: “Há costumes ruins a serem compensados por leis boas, leis corrompidas a serem emendadas e leis ruins a serem revogadas, magistrados honestos a serem procurados e magistrados corruptos a serem punidos ou controlados”.

Roterdã diz que, num estado bem ordenado, um número pequeno de leis é o suficiente, mas destaca a necessidade de haver um bom príncipe e magistrados honestos. Sem estes dois, segundo ele, “nenhuma quantidade de leis será suficiente”.

Os magistrados que não honram a toga, que se valem dela para se enriquecer, não escapam das críticas de Roterdã: “Não há nada mais prejudicial do que magistrados começarem a extrair lucros da condenação dos cidadãos”. Ele, que deveria ter falado também dos que vendem a não-punição, destaca que o objetivo fundamental é “proteger a todos: ricos ou pobres, nobres ou humildes, servos ou livres, autoridades públicas ou cidadãos comuns”. Mas sugere que a proteção deve ser mais redobrada para com os pobres, “porque a posição dos homens humildes os expõe mais facilmente ao perigo”.

Metaforicamente o Judiciário é a mulher de César, a qual, segundo o imperador romano, deve estar acima de qualquer suspeita. O que em outras palavras quer dizer que o Judiciário deve usar a sua espada contra si mesmo. Isso é pôr a equidade em prática. Isso é senso de justiça. Roterdã destaca a importância dos magistrados como geradores de felicidade, mas se declara favorável à punição daqueles que pisam na bola: “Logo, a felicidade do estado depende particularmente de seus magistrados serem nomeados de formar imparcial e desempenharem suas funções de modo imparcial. (…) Finalmente, se forem condenados, contra eles devem ser decretadas as mais rigorosas punições”. Faz-se necessário evitar as passadas de mão na cabeça dos condenados, cuja punição tem sido a tal aposentadoria compulsória.

O juiz Sérgio Moro se mostra preocupado com o projeto que modifica a Lei nº 4.898, de 9 de dezembro de 1965, relacionado a abuso de autoridade. Ele, na visita que fez ao Senado no dia 30 de novembro, salientou que é “imprescindível evitar que seja criminalizada, na prática, a interpretação da lei e a avaliação dos fatos e provas”. E é justamente nessa interpretação da lei e avaliação dos fatos e provas que os excessos podem ganhar vida decorrente da subjetividade, a qual, ao contrário do que promove no mundo arte, é extremamente perniciosa no mundo jurídico.

Foram os excessos de abuso de autoridade que em 1938 prenderam e espancaram os irmãos Sebastião José Naves e Joaquim Rosa Naves a ponto de eles assinarem a confissão do assassinato de um primo–Benedito Pereira Caetano -, que em 1952 reaparece em Araguari. Os excessos mantiveram os irmãos Naves enjaulados por 8 anos e 3 meses. Joaquim levou tanta taca que foi internado num sanatório e por lá morreu, antes que sua inocência fosse verdadeiramente provada com a reaparecimento do primo “morto” que ele e o irmão não assassinaram.

As palavras do juiz Moro me levam à interpretação de que ele está com seus olhos voltados apenas aos interesses dos que punem. Os punidos injustamente por má interpretação da lei, a meu ver, não estão dentro de sua preocupação. Fato que leva ao descumprimento do objetivo fundamental citado por Roterdã: “a proteção a todos”. Encerro este artigo voltando ao humanista holandês: “Há costumes ruins a serem compensados por leis boas, leis corrompidas a serem emendadas e leis ruins a serem revogadas, magistrados honestos a serem procurados e magistrados corruptos a serem punidos ou controlados”.

(Sinésio Dioliveira, jornalista e professor de português)

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