Opinião

São piores do que quem?

Diário da Manhã

Publicado em 9 de dezembro de 2016 às 01:03 | Atualizado há 8 anos

Tive já oportunidade de relatar neste espaço histórico fato de que foi um dos principais protagonistas um célebre ministro do Supremo Tribunal Federal – Sebastião Lacerda, tio de Carlos Lacerda. Era respeitadíssimo membro do STF ao tempo do governo Artur Bernardes. Este, como se sabe, governou o país com mão de ferro, a tal ponto que todo o seu período transcorreu sob estado de sítio. Ele impôs essa medida a fim de manter a oposição sem a mínima garantia constitucional. Certa vez, tendo importantes presos políticos impetrado ordem de habeas corpus perante a Suprema Corte o ministro Sebastião Lacerda, mesmo doente, incapacitado de locomoção, fez questão de comparecer à sessão do STF em que iria ser julgado o pedido de habeas corpus. Compareceu, levado de ambulância e deu seu voto a favor das vítimas do presidente da República. Mas a maioria negou o habeas corpus. Voto vencido o velho ministro, indignado, desabafou: “este nosso Supremo é pior do que o Artur Bernardes”.

Anteontem ocorreu decisão da mais alta Corte de Justiça do país que certamente suscita reações indignadas. Um dos ministros, Marco Aurélio Mello, em decisão naturalmente monocrática (que é uma forma de competência adotada na justiça brasileira há não muito tempo) decidiu pelo afastamento da presidência do Senado do representante alagoano Renan Calheiros. Por que assim decidiu? Por uma razão absolutamente lógica e coerente com a posição do STF, de impedir que qualquer detentor da condição de constitucionalmente pertencente ao rol de titulares do direito de suceder o presidente da República – integrante pois da chamada linha sucessória – continue no cargo que constitucionalmente lhe atribui essa condição. Ora, o atual presidente do Senado é impedido pela Constituição Federal de exercer esse cargo pelo fato de se ter tornado réu em processo cujo julgamento é do próprio Supremo.

O crime de que é acusado Renan Calheiros já lhe valeu a humilhação de ter sido obrigado a renunciar à presidência do Senado em 2007. Os brasileiros assistimos, estarrecidos, a essa renúncia quando já naquela época longínqua resultou provado que ele usou dinheiro público a fim de pagar a pensão alimentícia de uma filha havida extraconjugalmente. Naquela ocasião resultou indubitável, inegável, indefensável que ele inclusive falsificara documentos na tentativa de se defender. Ameaçado inclusive de perder o mandato de senador, renunciou à presidência do Senado. Ficou-se inclusive a impressão nacional de que ele estava politicamente liquidado. Mas o eleitorado de Alagoas, Numa dessas entristecedoras demonstrações de que a maioria do eleitores brasileiros, é absolutamente inconsciente reelegeu aquele que por seu crime renunciara. Como todo brasileiro sabe, essa deplorável inconsciência não é apenas do alagoano: em São Paulo são dezenas os fatos de eleição e de reeleição de políticos confessadamente delinquentes. O caso do Sr. Paulo Salim Maluf, que esteve para ser preso pela Interpol em qualquer país do mundo para o qual viajasse, é uma das contas do imenso rosário paulista de reeleições absolutamente inadmissíveis sob os aspectos da ética e da moral, noutras palavras, da outorga reiterada de mandato a indivíduos absolutamente incompatíveis com o exercício da vida pública.

Na decisão de anteontem seis ministros feriram deploravelmente o dever de magistrado. É de se lhes perguntar se Renan Calheiros não pode ser presidente do Senado exatamente porque não pode permanecer na linha sucessória, como esses ministros que sentenciaram não poder ele continuar nessa linha sucessória, ao mesmo tempo o mantêm na presidência do Senado?

Relembrando o desabafo do ministro Sebastião Lacerda (“esse Tribunal é pior do que o Bernardes”) fica uma dolorosa indagação: os ministros que protegeram Renan Calheiros são piores do que quem?

 

(Eurico Barbosa, escritor, membro da AGL e da Associa o Nacional de Escritores, advogado, jornalista e escreve neste jornal as terças & sextas-feira)


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