Opinião

A morte das borboletas-azuis

Diário da Manhã

Publicado em 29 de novembro de 2016 às 01:04 | Atualizado há 8 anos

Encontrei no livro da competente economista Monica Baungarten de Bolle – Leia-se: Como matar a borboleta-azul – a metáfora adequada que retrata a ilusão de desenvolvimento que ora vive o estado de Goiás. Vamos, pois, à exposição da metáfora para, em seguida, voltarmos a esse assunto.

Conta-nos a autora, em seus escritos, um fato interessante ocorrido no sul da Inglaterra, no final dos anos de 1970. Naquela época, o governo local se defrontou com um problema que exigia uma solução imediata. Tratava-se de uma infestação de coelhos que ameaçava as plantações das fazendas da região. Como é do conhecimento de todos, os coelhos são um dos animais que se reproduzem com maior velocidade. Para resolver o problema, as autoridades propuseram uma solução aparentemente brilhante: inocular o vírus que atacava os coelhos deixando estes em estado letárgico. Resultado: os coelhos se reproduziram muito mais lentamente. Com isso, menos coelhos comiam a vegetação. A solução do problema fez nascer outro de maior intensidade: a grama cresceu rapidamente, assim, aniquilando um tipo de formiga que só sobrevivia com a grama baixa. “Infelizmente, essa formiga tinha laços estreitos com a borboleta-azul. Sem a proteção das formigas  os ovos da borboleta-azul  ficaram expostos aos predadores”, conclui a autora.

Situações como a supradescrita ilustram a falta de visão sistêmica de governos que agem desarticuladamente, sem um planejamento estratégico que conduza ao objetivo maior do verdadeiro desenvolvimento. É como um cobertor pequeno que, ao cobrir os pés, descobre a cabeça de alguém numa noite de frio intenso.

Posto isso, voltemos ao governo e seu marketing, que procura nos vender uma espécie de “Alice no país das maravilhas”. Vivemos, na “terra do Anhanguera”, um paradoxo bem-definido por Monica de Bolle como sendo “a presença que cria uma situação que foge da lógica”. De um lado, o governo alardeia a condição necessária, mas jamais o suficiente controle das contas públicas; de outro, o mesmo governo não demonstrou vontade política no sentido de resolver o grave problema de desiquilíbrio de dois dos mais importantes instrumentos do desenvolvimento goiano: a Celg, em estado terminal, e a Saneago, numa situação não muito diferente da de sua coirmã. Como se isso não bastasse, o estado caminha às cegas no desenvolvimento regional que mantém quatro “goiases” dentro de um só: o que cresce por incorporação tecnologia (sudoeste), o do crescimento por incorporação de terras e tecnologia (entorno de Brasília), o que cresce por incorporação de terras (norte) e o que simplesmente não cresce (nordeste). Irmãos que convivem em diferentes regiões de Goiás, com distintas perspectivas de futuro, com desiguais qualidades de vida, eis aí a ilusão de desenvolvimento ou o subdesenvolvimento do desenvolvimento, como bem colocou o saudoso Celso Furtado em seus escritos. Tal como na metáfora, vive-se, na terra de Pedro Ludovico, a aparente solução de dizimação da população de coelhos que acabou extinguindo as borboletas-azuis.

 

(Salatiel Soares Correia, engenheiro, bacharel em Administração de Empresas, mestre em Planejamento Energético. Autor, entre outras obras, de A Construção de Goiás)

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