A metamorfose delirante de Kátia Abreu começou a ser punida nas urnas
Redação DM
Publicado em 24 de novembro de 2016 às 00:55 | Atualizado há 9 anosA senadora Kátia Abreu vai descobrir que metamorfoses delirantes não escapam da punição nas urnas. Isto quem disse foi Augusto Nunes, o respeitado comentarista político de Veja, no dia 1º de outubro em curso, lembrando que ela, fisiologista e aproveitadora por excelência, “protagonizou desde 2011 uma metamorfose delirante que a transformou em substituta de Erenice Guerra no posto de melhor amiga de Dilma Rousseff”.
Recordou que ela, inclemente adversária do governo Lula no episódio da queda da CPMF, trocou a oposição pelo governo Dilma e entrou de corpo e alma na campanha de Raul Filho, pois ela queria ver na prefeitura de Palmas o candidato que a acusou de ser “a próxima Demóstenes Torres”, ou seja, que iria cair em desgraça pública, embora, pessoalmente, eu entenda que o bravo ex-senador foi, como eu, vítima de armação política, em razão do combate ao lamacento governo Lula contra o qual Demóstenes travava.
Mas voltemos à Kátia. Como sacerdotisa da direita do Democratas, sucessor do PFL, fez uma curta escala para desembarcar, sem qualquer constrangimento, no PSD de Kassab, e, em seguida, empurrada pelo fisiologismo que a caracteriza, fez seu ninho na chamada esquerda do PMDB.
Na época em que deu um “chega-pra-lá” no PSD, negociou com Kassab deixar seu filho, o deputado Irajá Abreu, na presidência do ex-partido, para evitar que fosse denunciada por infidelidade partidária.
Latifundiária do Centro-Oeste, desmatadora da Amazônia, líder da bancada ruralista no Congresso e presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), bastaram-lhe algumas semanas no gabinete de ministra da Agricultura de Dilma e até quase se indispor com o ministro Patrus Ananias, da Reforma Agrária, para contemplar com outros olhos antigos antagonistas.
Depois ela viu até com simpatia as barracas de lona preta do MST, que até recentemente sonhava varrer da face da Terra. Quem achava que, depois dessas guinadas de Kátia, não se surpreenderia com nenhuma outra alteração de rota, reagiu com espanto à aliança eleitoral que a fez uma aliada de Raul Filho, candidato do PR à Prefeitura de Palmas.
Quando perdeu o emprego de ministra, a amiga de Dilma foi impedida de reassumir a presidência da Confederação da Agricultura e Pecuária pela diretoria da entidade. Irritada com o comportamento político da senadora, o comando do PMDB se movimenta para expulsá-la do partido. Pior ainda: vai crescendo o número de eleitores que pretendem vê-la pelas costas. Kátia, nestas recentes eleições municipais, descobriu que metamorfoses delirantes foram inclementemente punidas pelas urnas.
Em 2014, começou a descer a escada política: depois de derrotar Eduardo Siqueira Campos para o Senado em 2008, sentiu-se fortalecida e anunciava aos quatro cantos que ganharia a reeleição em cima do ex-deputado federal Eduardo Gomes por margem superior a vinte pontos. Supondo que estava com a campanha perdida, Eduardo Gomes foi passear no exterior e descuidou-se. E no apurar dos votos, Kátia ganhou precariamente, “pelo beiço da pulga”, com uma diferençazinha de menos de um ponto
Estava evidenciado seu declínio político. Apesar de boa de palanque e de mídia, e – justiça seja feita – uma parlamentar batalhadora, suas atitudes arrivistas despertaram o eleitor, que se sentiu ludibriado, e com razão. Mas agora, como relatora da comissão dos supersalários, que parece preocupada só com o Judiciário, pode começar a restaurar seu nome, se conseguir reduzir também os salários do Legislativo, o que acredito, tanto quanto creio em Papai Noel, mula-sem-cabeça, pé-de-garrafa e canjuri.
Não custa repassar sua trajetória: sua entrada na política partidária deve-se ao governador Siqueira Campos (com quem mantivera rumoroso caso), sendo, segundo Eduardo Siqueira Campos, responsável pelo fim do casamento do velho cacique com D. Aureny, concorrendo em 1998 a deputada federal e ficou na primeira suplência. Assumiu o posto três vezes entre 2000 e 2002, somando dois anos de mandato. Além da atividade em plenário, percorria os ministérios em busca de recursos para os municípios do sul do Tocantins e benefícios para os fazendeiros da região. O trabalho rendeu. Em 2002, Kátia foi reeleita e tornou-se a terceira deputada mais votada do Brasil. Em resumo: embora sempre tivesse estado no PFL (depois transmudado para DEM), em uma campanha apoiava um lado, em outro o adversário daquele, de forma que queria manter o poderio, a ferro e fogo. Depois, aliou-se a Gilberto Kassab, filiando-se ao recém-criado PSD.
Depois, a esperta deputada optou por apoiar o PMDB juntando-se a Marcelo Miranda na campanha da reeleição, virando-se contra Siqueira (que a entronizara na política) e seu filho Eduardo, de quem passou a falar “cobras e lagartos”. Depois, com o fisiologismo que caracteriza sua personalidade, voltou aos braços do velho cacique, deixando de apoiar o PMDB, passando a atacar Marcelo. Mas parece que estava sem espaço no PSD que ajudou a criar.
Em fins de setembro de 2013, após escandaloso bate-boca com seu ex-correligionário João Oliveira, na residência deste, alegando ter sido traída, filiou-se ao PMDB em 3 de outubro, onde era de se prever demorar pouco, pois os caciques peemedebistas certamente não lhe dariam o espaço que desejava na cúpula. Mas como não é boba, negociou com Gilberto Kassab a presidência do PSD para seu filho Irajá, para resguardar-se de possível processo de infidelidade. A senadora posa sempre de “femme fatale”, tal qual a personagem Colombina da “Comedia dell’arte”: apaixonada por “Arlequim” e amada por “Pierrot” – sedutora, esperta e volúvel. Em 2010, infernizou o PT com a sua vitoriosa cruzada contra a CPMF, e em 2012 passou a paparicar publicamente a presidente Dilma, como é notório. E em razão disso, o PMDB se articula para expulsá-la de suas fileiras.
Em agosto deste ano, ao formalizar o apoio a Raul Filho ferrenho ex-inimigo, Kátia Abreu reafirmou que a ética e a moral são valores que não constam de seu currículo e estão em extinção no universo habitado por políticos brasileiros.
Segundo o Ibope, Raul Filho caiu de 27% em agosto para 21% em setembro, logo que anunciou o apoio da senadora. Nesse mesmo período, o atual prefeito reeleito Carlos Amastha (PSB), um ex-aliado de Kátia Abreu, logo que dela se desligou, saltou de 28% para 41%, numa prova de que a presença de Kátia envenena qualquer coligação.
Isto se espalhou pelo Tocantins inteiro: desde Taipas do Tocantins ao Bico do Papagaio, passando por Paranã, Araguaína, Palmas, Porto Nacional, Paraíso e muitas cidades onde compartilhou palanque, quem ela apoiou, nos municípios de maior expressão, em regra, perdeu feio. No recente episódio da “Operação Ápia”, desencadeada pela Polícia Federal em Palmas, Kátia cometeu um erro primário: atacou a imprensa, está cobrando da Justiça, pelo Twitter, punição para políticos e magistrados corruptos, e tentou justificar sua quase derrota em 2014, ganhando por menos de um ponto (dos mais de vinte que propalava) para Eduardo Gomes, alegando que ele ganhara com dinheiro “sujo” (esquecendo-se dos milhares de boletos enviados a produtores rurais, com que ela arrecadara recursos para sua própria campanha e a do filho) e enalteceu publicamente a ação da Polícia Federal, que, na hora do “vamos ver”, quem cai na rede é peixe, e a influência política nestas horas de “pente fino” pouca valia tem.
E a condução de Eduardo Gomes para depor na Polícia Federal em Brasília, no último dia 17 de outubro, por conta da “Operação Ápia”, exatamente depois de a senadora tê-lo qualificado na imprensa de “quadrilheiro” e de tê-la enfrentado na campanha com dinheiro “sujo”, deve tê-lo feito dar uma resposta bem adequada em seu depoimento, suficiente para incluí-la na clientela da Operação Ápia, ou talvez de futura operação. É esperar para ver.
A “lei do retorno” está em pleno vigor. “Macaco que muito pula de galho em galho quer é levar chumbo”, filosofa nosso sábio sertanejo.
(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras, membro da Associação Goiana de Imprensa (AGI), escritor, jurista, historiador e advogado, [email protected])