Opinião

O ministro Gilmar Mendes tem razão ao questionar Moro sobre o foro privilegiado?

Redação DM

Publicado em 15 de novembro de 2016 às 00:30 | Atualizado há 9 anos

Sempre se diz que o juiz deve falar apenas nos autos e nunca emitir opinião. Aliás, a própria Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) prescreve, num dos incisos do artigo 36, que é vedado ao magistrado manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério.

Isto não se aplica a assuntos em tese, não vinculados a processos em andamento, tanto que alguns juízes emitem opinião sobre temas que estão a merecer esclarecimentos.

Recentemente, o juiz Sérgio Moro, em entrevista à revista “Veja”, defendeu uma discussão sobre a abrangência do foro privilegiado, que, em sua avaliação, poderia ficar restrito aos presidentes de cada um dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Atualmente, estima-se que dezenas de milhares de cargos deem ao seu ocupante o foro privilegiado em julgamentos. A lista vai do presidente da República aos ministros, passando por senadores e deputados, integrantes do Poder Judiciário, do Tribunal de Contas da União e do Ministério Público, prefeitos e até vereadores (só vereadores são quase 61 mil), e Magna Carta contempla nada menos que dezenove situações em que se recorre ao foro privilegiado.

E em entrevista ao jornal “Estadão” do dia 6 de novembro em curso, Moro questionou: “Tem o Supremo condições de enfrentar toda essa gama de casos? (…) O Supremo não tem só esse trabalho à frente, tem todos os casos constitucionais relevantes e não pode se transformar simplesmente em uma corte criminal”.

Moro disse que o Supremo tem cumprido papel importante na Lava Jato, mas avaliou haver “alguns problemas estruturais”. Ele citou que a Corte tem um número limitado de juízes para apreciar casos criminais e disse que a melhor solução é retirar esse “privilégio” de um “bom número de autoridades”.

O ministro Gilmar Mendes, do STF, classificou como simplista a sugestão feita pelo juiz Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava Jato, de se reduzir o foro privilegiado para apenas os presidentes dos três Poderes, dizendo: “Para todo problema complexo, uma solução simples é geralmente errada”,  questionou também a ideia de que somente a primeira instância é célere e o Supremo é lento, lembrando que no julgamento do mensalão o caso andou mais rapidamente na Corte do que no juízo de primeiro grau. Mas não disse que a Corte Suprema consumiu um ano e meio e nada menos que sessenta e seis sessões para chegar a um veredicto.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse que a posição do juiz da Lava Jato sobre foro privilegiado é “uma opinião” entre muitas que tratam do tema. Sem se manifestar pessoalmente se é a favor da mudança, Maia afirmou que há propostas sobre o assunto em discussão na Câmara.

De fato, existe uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) em tramitação, desde 1998, de autoria do senador Álvaro Dias (PV-PR), que tem como relator o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que já protocolou, no último dia 4 de novembro, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, relatório no qual recomenda a aprovação da PEC que põe fim ao foro especial por prerrogativa de função de autoridades, o chamado foro privilegiado. Pelo relatório apresentado pelo senador amapaense, o foro privilegiado deixará de existir, exceto nos casos em que o presidente da República for acusado de crime de responsabilidade.

“Hoje, o foro especial é visto pela população como verdadeiro privilégio odioso, utilizado apenas para proteção da classe política – que já não goza de boa reputação –, devido aos sucessivos escândalos de corrupção”, diz Randolfe no parecer,

recomendando, porém, que, o presidente da República seja julgado por um tribunal comum, cabendo à Câmara dos Deputados autorizar o procedimento. Com o protocolo do parecer nesta sexta, a PEC, de autoria do senador Álvaro Dias (PV-PR), já pode ser incluída na pauta de votações da CCJ.

A assessoria de Randolfe Rodrigues informou que já existe um acordo entre os senadores para que o relatório seja analisado proximamente. No relatório apresentado à CCJ, Randolfe Rodrigues apresentou um levantamento da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), segundo o qual de 1988 até 2006 nenhuma autoridade havia sido condenada pelo STF, em 130 ações penais ajuizadas. No mesmo período, no STJ, houve cinco condenações, de um total de 333 processos. Mas o primeiro grau supera, em escala geométrica a produção das Cortes.

Ao defender a aprovação da PEC, o relator afirma que os tribunais superiores estão “congestionados” com muitas ações penais, o que favorece a prescrição crimes

Autor da proposta, o senador Álvaro Dias, no entanto, lamenta. “Eu apresento propostas como essa [a do fim do foro] desde 1998 e nunca vão para frente. Infelizmente, há um corporativismo, nas duas Casas, que impede que projetos desse tipo andem”.

Ninguém, pelo visto, quer perder a mamata. Mas, no campo da dialética, Moro venceu Gilmar de goleada.

 

(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras, membro da Associação Goiana de Imprensa (AGI), escritor, jurista, historiador e advogado, [email protected])

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