O STF podia trancar a investigação do Senado?
Diário da Manhã
Publicado em 13 de novembro de 2016 às 01:07 | Atualizado há 8 anosA imprensa noticiou à exaustão o episódio em que a Polícia Federal entrou no Congresso e prendeu quatro agentes da Polícia Legislativa, por estarem fazendo varreduras eletrônicas com recursos do Senado, para identificar “grampos” em pelo menos seis imóveis de dois senadores (Gleise Hoffmann e Fernando Collor) e dois ex-senadores (José Sarney e Lobão Filho), todos encalacrados na Lava Jato.
Para começar, esta tal Polícia Legislativa é uma coisa que só existe no Brasil: uma espécie de milícia regiamente remunerada para dar cobro às pretensas atividades dos senadores, como se fosse uma verdadeira guarda pretoriana, que obedece apenas ao presidente do Senado, estando à margem de qualquer órgão institucional, a ponto de o presidente do Senado, Renan Calheiros, ter-se rebelado contra o Judiciário, tachando desrespeitosamente de “juizeco” o juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara da Justiça Federal em Brasília, que ordenara a “Operação Métis”, redundando na prisão de integrantes da citada milícia criada pelo Senado, sem previsão constitucional.
A alegação foi a de que o magistrado extrapolara sua competência e invadira o sagrado relicário do Legislativo, onde se guardam joias como Renan, Barbalho, Jucá, Lobão e outros. Em resumo: ele acabava de conferir foro privilegiado aos agentes da Polícias Legislativa. E, através do policial Antônio Tavares dos Santos Neto, preso na operação, bateu às portas do Supremo com a Reclamação. (Rcl) 25.537, por invasão de competência, e o ministro Teori Zavaswcki, a quem foi distribuída a reclamação, determinou, por liminar, a suspensão do inquérito que resultou na chamada “Operação Métis”, bem como o seu envio ao STF. Na medida deferida, Zavascki determinou, ainda, “a imediata soltura de quaisquer detidos em decorrência do referido inquérito, se por outro motivo não estiverem presos”.
Na verdade, a Polícia do Senado tem atribuição apenas para fatos ocorridos dentro das dependências do Senado, e, assim, as varreduras nos imóveis de senadores deveriam ser solicitadas à Polícia Federal, e não à milícia de Renan, ainda mais que se sabe que foram feitas varreduras até na casa de quem nem é mais senador, como o ex-presidente Sarney.
Fato é que caso um senador quisesse solicitar uma varredura em sua casa para identificar escutas ilegais, deveria ter solicitado oficialmente a ação à Polícia Federal, e não à Polícia do Senado, pois, que se saiba, a polícia de Renan nunca foi sucursal da Polícia Federal. Estão agora terceirizando atribuição constitucional.
E esses agentes da Polícia Legislativa, sob o pretexto de proteger senadores, agiram fora das dependências do Senado Federal, atribuição que está restrita àqueles locais, utilizando-se de recursos públicos e destruíram provas autorizadas pela Justiça, motivos suficientes para decretação da prisão pelo cometimento de sucessivos atos ilícitos. Utilizaram de recursos públicos para ações de contrainteligência fora do Congresso Nacional, em endereços de parlamentares lava-jatistas atualmente investigados pelo STF.
O ministro Teori Zavascki, do STF, deferiu liminar na Reclamação (Rcl) 25.537, ajuizada pela defesa do policial legislativo Antônio Tavares dos Santos Neto, e determinou a suspensão do inquérito que resultou na chamada “Operação Métis”, bem como o seu envio ao STF determinando também “a imediata soltura de quaisquer detidos em decorrência do referido inquérito, se por outro motivo não estiverem presos”. Na reclamação, a defesa do agente preso alegou que o juiz da 10ª Vara Federal da Seção Judiciária de Brasília usurpou a competência do Supremo ao determinar a prisão de policiais legislativos e a busca e apreensão nas dependências do Senado Federal.
A defesa do agente quer que seja anulado tudo e reconhecida a competência do Supremo em relação ao processo. Seria, na contramão da lógica e da lei, conferir à Polícia Legislativa um foro privilegiado que não se enquadra em nenhuma das dezenove hipóteses previstas na Constituição, tal qual a senadora Gleisi “Narizinho” Hoffmann protestou contra a busca e apreensão de provas de seu marido, Paulo Bernardo, no seu apartamento, como se a imunidade da senadora se estendesse ao seu cônjuge corrupto. Assim também, os agentes da Polícia Legislativa querem que o foro privilegiado também os contemple. O artigo !44 da Carta de 88, que trata da segurança pública, prevê os seguintes órgãos: polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal; polícias civis, polícias militares e corpos de bombeiros militares. Como se vê, aquela polícia do Senado está à margem de qualquer previsão legal, pois não existe Polícia Legislativa Federal.
Mas se o artigo 102, inciso I, alínea “b” da Magna Carta estabelece a competência originária do STF para processar e julgar, originariamente, os membros do Congresso Nacional, o ministro Zavascki agiu corretamente ou usou daquele fato para proteger os implicados, estender o foro e, por linhas travessas, barrar a Justiça de primeiro grau?
Para uns, ele agiu com parcialidade, mas, embora seja eu ferrenho combatente do foro privilegiado, entendo que o ministro avocou ao Supremo a investigação da “Operação Métis” porque no curso dela certamente vão surgir fatos ilícitos ligados a senadores, cujo foro é ali. E embora Renan Calheiros tenha cantado vitória e chamado um magistrado de “juizeco” e o ministro da Justiça de “chefete de polícia” e provocado a reação da presidente do Supremo, o “senadoreco” acabou dando um “tiro no pé”: por certo vai ter que explicar o emprego de uma milícia clandestina, remunerada com dinheiro nosso, para realizar serviços, não só de segurança para senadores e até ex-senadores, mas de verdadeiros atos de contrainformação, obstruindo a Justiça, ao desfazer “grampos” certamente instalados com autorização judicial.
(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO)