Jesus e a parábola do avarento
Diário da Manhã
Publicado em 13 de novembro de 2016 às 01:06 | Atualizado há 9 anosDisse-lhe alguém da multidão: “Mestre, dize a meu irmão que reparta comigo a herança”.
Jesus lhe respondeu: “Homem, quem me constituiu juiz ou mediador para fazer as vossas partilhas?”
Depois lhes disse: “Olhai e acautelai-vos contra toda avareza, porque a vida do homem não depende da abundância dos bens que possui”.
E contou-lhes uma parábola:
“A terra de um homem rico produziu muito. E ele refletia: ‘Que hei de fazer? Porque não tenho onde recolher os meus frutos’. E disse: ‘Eis o que vou fazer: vou demolir os meus celeiros e construirei outros maiores, onde guardarei toda a colheita e os meus bens. E direi à minha alma: Minha alma, tens muitos bens em depósito para muitos anos; repousa, come, bebe, regala-te’.
Mas Deus lhe disse: ‘Insensato, nesta mesma noite ser-te-á reclamada a alma. E as coisas que acumulaste para quem serão?’
Assim é o que entesoura para si mesmo e não é rico para com Deus”. (Evangelho de Lucas, cap. 12, vv. 13 a 21).
Por meio desta parábola, Jesus nos adverte a respeito do verdadeiro objetivo de estarmos no orbe terrestre: a evolução espiritual.
O Mestre proferia as suas alocuções, mas também ouvia as indagações daqueles que tinham dúvidas ou que lhe faziam pedidos. O divino Amigo era fraterno e interessado em ouvir e esclarecer os seus interlocutores.
Depois de sua preleção, Jesus escutou uma reclamação de um herdeiro: “Mestre, dize a meu irmão que reparta comigo a herança”. Deveria ser a reclamação de um irmão mais novo porquanto o primogênito herdava dois terços da herança, conforme relata Deuteronômio (21:17):
“Mas ao filho da desprezada reconhecerá por primogênito, dando-lhe dobrada porção de tudo quanto tiver; porquanto aquele é o princípio da sua força, o direito da primogenitura é dele”.
Verifica-se que o terço restante da herança era dividido entre os outros herdeiros. Todavia, essa reivindicação demonstra que a divisão hereditária não estava a contento. Por isso o herdeiro contrariado recorreu a Jesus, alguém de credibilidade para solucionar o conflito.
O Mestre, no entanto, não aceitou interferir no caso, respondendo ao herdeiro que ele não tinha autorização legal para decidir a respeito de uma questão jurídica. Por isso, respondeu ao herdeiro: “Homem, quem me constituiu juiz ou mediador para fazer as vossas partilhas?” Com essa resposta, o Mestre também recomenda respeito ao ordenamento jurídico e demonstra não aceitar a intervenção direta da religião nos assuntos do Estado. Direito e religião devem ter uma convivência pacífica em respeito à realidade social até que a justiça e o amor sejam os fundamentos de todas as leis e de todos os sistemas doutrinários religiosos.
Jesus também aproveitou o momento para censurar os avarentos que causam prejuízos à vida pessoal, à família e ao bem comum. A vida e a felicidade de alguém não dependem “da abundância dos bens que possui”. Desse modo, o sublime Amigo confirma o que falara em seu Sermão da Montanha (Mateus, 6:19-21):
“Não acumuleis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem consomem, onde os ladrões minam e roubam; mas ajuntai tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem consomem, e onde os ladrões não penetram nem roubam. Porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração”.
Jesus ilustra os seus ensinos por meio de exemplos envolvidos em parábolas. Ele narra a respeito de um homem rico que construiu celeiros maiores para armazenar a sua grande produção com a intenção de não mais trabalhar. Por meio dessa parábola, Jesus censura a inatividade, ou seja, uma vida improdutiva. É evidente que o Mestre não censura os que se aposentam, diminuem o ritmo do trabalho devido às limitações físicas, mas os que desejam viver sem alguma utilidade ao meio onde vivem. O Mestre reprova aqueles que, movidos por sentimentos egoístas, não mais se preocupam com o seu próximo, querem apenas repousar, comer, beber e alegrar-se nessa ociosidade.
É possível classificar a avareza. Nesse caso existem a avareza material e a avareza espiritual. Os avarentos do mundo material são os que tudo retêm sem qualquer sentimento de generosidade. Os avaros espirituais são os que não compartilham de seus talentos com aqueles que carecem desses talentos para o adiantamento espiritual. No exemplo dessa parábola de Jesus, tratava de um homem avarento nesses dois aspectos. No entanto, o avarento desconhecia que toda a previdência não o livraria da morte. Afinal, “de que vale ao homem ganhar o mundo inteiro e vier a perder a sua alma? Ou, o que o homem poderia dar em troca de sua alma?” (Marcos, 8:36-37).
A avareza decorre de um medo excessivo da perda, da escassez, associado a um demasiado apego ao que se valoriza. É também um dos sintomas da incredulidade e da insensatez. No episódio do Moço Rico, verifica-se que se tratava de um jovem virtuoso que desejava seguir Jesus, mas ainda estava apegado aos bens materiais (Mateus, 19:16-22).
Jesus ainda nos convida ao talento de uma gestão eficaz ao dizer: “Dá conta de tua administração” (Lucas, 16:2). No entanto, o Mestre também censura quem trabalha em prol de si mesmo, olvidando que toda riqueza pertence a Deus e que o Pai deseja que nos auxiliemos uns aos outros na senda da fraternidade.
Ao responder a reivindicação do herdeiro indignado, Jesus combateu o materialismo, sedimentando o que já havia dito: “Buscai primeiramente o Reino de Deus e a Sua Justiça e as demais coisas vos serão acrescentadas” (Mateus, 6:33).
Vivamos, pois, cada dia, com sensatez e generosidade, porquanto não sabemos se o dia de hoje não será o último dia de nossas existências. O avarento sempre necessitará refletir a respeito dessa indagação de Jesus: “E as coisas que acumulaste para quem serão?” Por isso, sejamos ainda hoje ricos para com Deus.
(Emídio Silva Falcão Brasileiro, escritor, orador, educador, jurista e pesquisador espírita, autor da obra Um dia em Jerusalém, da AB Editora, membro da Academia Aparecidense de Letras)