Opinião

Hegel e o papel do escravo

Diário da Manhã

Publicado em 9 de novembro de 2016 às 01:45 | Atualizado há 8 anos

Visando conhecer mais profundamente a temática da “Escravidão”, escrevi e publiquei texto nesse jornal intitulado “Escravos por natureza”, valendo-me, sobretudo, do filósofo Aristóteles e dissertação de mestrado do escritor Nedilso Lauro Brugnera, convertida no livro “A Escravidão em Aristóteles”, da Editora Grifos, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 1998. Agora, ainda no intuito de suprir as minhas insuficiências intelectuais a respeito, desejo saber como foi que outro filósofo, o proeminente Hegel, tratou do assunto, sobretudo na “Fenomenologia do Espírito”, denominada por Marx “o verdadeiro berço e o segredo da filosofia hegeliana”, valendo-me também da interessante dissertação de mestrado do escritor Eurico Jorge Nicuia, “O Papel Do Escravo Em Aristóteles e Hegel”, orientada pelo professor Dr. Thadeu Weber e defendida na Univeridade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, 2009.  Hegel escreveu sobre o papel do escravo? E do senhor?

Certamente o fez de modo diferente, a começar do tempo no qual cada filósofo tratou do assunto. Note-se que ambos viveram tempos, escravidões, religiões e lugares muito desiguais, de todo modo fazendo uso de fundamentos filosóficos, historiográficos e até religiosos, para não dizer teológicos, que justificaram a existência da escravidão, facilitando, decerto, a criação de suas modalidades, inclusive de hoje em dia. Creio ter sido assim que alguns segmentos sociais ou étnicos, nasceram e são livres e, outros, escravos; havendo até o tipo “por natureza”, do tempo de Aristóteles, realçado pelo tipo de escravo doméstico, no âmbito familiar.

Na página 35 da dissertação citada, vê-se a dialética hegeliana do senhor e do escravo: Hegel em busca da superação da escravidão, onde o filósofo, na Fenomenologia do Espírito (1807), já no capítulo IV, na temática da Autoconsciência ou da “Verdade da certeza de si mesmo”, preocupou-se com “dominação e escravidão”, mostrando uma relação social desigual entre senhor e escravo. Apesar disso, o senhor reconhece o escravo como outra consciência e se manifesta a ele como sujeito. O escravo por sua vez, através de sua consciência servil, trabalha com a natureza e ao obter o fruto do trabalho do qual o senhor depende, teria superado sua condição escrava e se reconhecido independente. “Quando as posições se invertem, quer do ponto de vista do reconhecimento das duas consciências como sujeito, quer do ponto de vista do trabalho, estamos diante da negação que implica o reconhecimento das duas consciências”.

No capítulo referenciado, além do estudo da dialética do senhor e do escravo, Hegel preocupou-se também com o conceito de escravo, analisando e definindo pelo menos dois deles. O primeiro, o escravo é visto como uma das figuras da autoconsciência, inicialmente dependente, dominado pela consciência do senhor, visando submeter à consciência escrava, ao apreendê-la como objeto, no entanto, o senhor precisa ser reconhecido como superior. Aí, deixa de ser apenas objeto e passa a ser tratado pelo senhor como outra consciência, onde pode ser sujeito, contudo, subordinado.

No segundo conceito, o escravo é definido como “consciência que atinge sua verdade pela mediação do trabalho – que forma e cria o objeto – após travar a luta de vida ou morte”. Aplica, portanto, o conceito de escravo àquele que transforma a natureza, e que, pelo seu trabalho se liberta de toda a opressão e de todo o estado de escravidão e atinge, por isso, a verdade da certeza de si, isto é, como “ser-para-si”, segundo se acha no livro “Fenomenologia do Espírito”.

Na obra Princípios da Filosofia do Direito (1821), ainda valendo-me da mesma dissertação, afirma que a condição escrava, porque não apresenta um fundamento ético-político, “se torna inconcebível”, acrescentando:

“O escravo não pode ter deveres; só o homem livre pode tê-los. Se todos os direitos estiverem por um lado e todos os deveres por outro, a totalidade se dissolveria, pois a identidade é o único fundamento que temos que manter firme”.

“O trabalho do escravo em Hegel representa o exemplo típico de superação e efetivação da dialética por parte das duas consciências: a do senhor e a do escravo”, finalizando: “Em relação ao senhor. Ele consegue alcançar seus objetivos graças ao serviço do outro (do escravo)”.

Percebo, portanto, que o senhor dependia do trabalho do escravo para satisfazer seu desejo, fato que mostra que somente o escravo trabalhava, para “gozo” do senhor. É triste frisar: continua assim, nas mais variadas modalidades de escravidões e escravos, existentes em todas as partes do mundo, ora defendidas e incentivadas pelo despautério de Donald Trump.

Que os seres mensageiros de Deus e os demiurgos criadores do Universo, nos salvem!

 

(Martiniano J. Silva, advogado, escritor, membro do Movimento Negro Unificado (MNU), da Academia Goiana de Letras e Mineirense de Letras e Artes, IHGGO, UBEGO, mestre em história social pela UFG, professor universitário, articulista do DM ([email protected]))

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