Salvando as tartarugas
Diário da Manhã
Publicado em 8 de novembro de 2016 às 01:03 | Atualizado há 9 anosTive contato desde cedo com as tartarugas, tracajás e os jabotis. Filho da beira do Araguaia, a gente convive próximo desses animais. Os primeiros são encontrados nos rios de água doce, sobretudo na Amazônia e possuem carcaça maior. O tracajá, uma espécie de tartaruga pequena, vive apenas nos rios, enquanto a tartaruga ocorre em maior abundância no mar. É encontrada na orla marítima do Norte e Nordeste. Os jabotis têm seu habitat nas matas mais úmidas.
Desde menino, vi a população ribeirinha pegar o tracajá, através das redes, tarrafas, no ninho botando ovos nas praias, para comer. Iguaria de primeira, assim como os ovos. Nada de matança ou comercialização indiscriminada como ocorre na atualidade.
Vi pela televisão dias atrás o que pescadores da Bahia e do Espírito Santo fazem quando encontram tartarugas nas suas redes de pesca. As tartarugas enganchadas nas redes são decapitadas a facão. A desculpa é que essas espécies atrapalham a pesca de peixes e por isso merecem morrer. É um acinte, um comportamento desumano e desprezível.
Hoje, praticamente existe uma corrida em direção às tartarugas e aos seus ovos encontrados nas praias tanto dos rios da Amazônia quanto da orla marítima brasileira. Sem falar, na matança indiscriminada e criminosa.
Ainda bem, que há instituições como o Tamar, que zela pelos quelônios, como são chamadas as tartarugas do ponto de vista da ciência. O Programa Tamar é uma soma de esforços entre a Fundação Pró-Tamar e o Centro Tamar/ICMBio. Protege cerca de 1.100 quilômetros de praias e está presente em 25 localidades, em áreas de alimentação, desova, crescimento e descanso das tartarugas marinhas, no litoral e ilhas oceânicas dos estados da Bahia, Sergipe, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e Santa Catarina.
Conforme sua história, no final da década de 70 não havia registro de qualquer trabalho de conservação marinha no Brasil. Mas as tartarugas já integravam a lista das espécies em risco de extinção. Segundo relato da Tamar, esses animais estavam desaparecendo rapidamente por causa da captura incidental em atividades de pesca, da matança das fêmeas e da coleta dos ovos na praia.
No sul do Brasil, um grupo de estudantes cursava os últimos anos da Faculdade de Oceanografia da Universidade Federal de Rio Grande e organizava expedições a praias desertas e distantes, de preferência aonde ninguém houvesse chegado antes. O importante era desbravar, descobrir, pesquisar, conhecer o litoral do Brasil e as ilhas oceânicas. Ao mesmo tempo, o grupo fazia pesquisa dirigida, com o apoio do Museu Oceanográfico de Rio Grande.
Sua narrativa histórica é tocante. Nos dias e noites em que ficaram no Atol das Rocas, ao amanhecer, encontravam rastros e muita areia remexida na praia, mas não se davam conta de que a mudança no cenário era produzida pelas tartarugas que subiam à praia para desovar, durante a madrugada. Em uma dessas noites, os pescadores que acompanhavam os estudantes mataram onze tartarugas de uma só vez. A imagem foi chocante para os que viram a cena, devidamente fotografada.
As expedições acabaram servindo de alerta para a necessidade urgente de proteção do ecossistema marinho. Foi assim que a Faculdade de Oceanografia, onde ainda não se falava em conservação, acabou formando uma geração pioneira de ambientalistas no País, pois todos passaram a se dedicar profissionalmente à conservação marinha.
Graças ao Programa Tamar as tartarugas estão melhor protegidas.
(Wandell Seixas, jornalista voltado para o agro, bacharel em Direito e Economia pela PUC-Goiás, ex-bolsista em cooperativismo agropecuário pela Histradut, em Tel Aviv, Israel, e autor do livro O Agronegócio passa pelo Centro-Oeste)