Nossa Justiça é a mais cara do mundo
Redação DM
Publicado em 8 de novembro de 2016 às 01:01 | Atualizado há 9 anosSegundo matéria no “Consultor Jurídico” do jornalista Pedro Canário, um especialista em Poder Judiciário, a proposta de orçamento do STF para 2017 beira os 690 milhões de reais, aprovada no dia 10 de outubro passado, por unanimidade, em sessão administrativa da Corte., indicando um aumento de mais de 23,3% em relação ao orçamento deste ano, que foi de R$ 554,7 milhões.
O Supremo também aprovou a inclusão, na mensagem que será enviada ao Planalto, que o Executivo não poderá cortar a proposta por iniciativa própria. Apenas o Congresso Nacional é que poderá contingenciar o orçamento do Supremo. Essa ressalva foi ideia do ministro Celso de Mello, o decano da Corte.
A cada ano, o custo do Poder Judiciário vem aumentando para a população do país. Em 2015, cada brasileiro desembolsou R$ 387 para manter o Judiciário, 31% a mais que em 2009 (quando custava R$ 295 por habitante, com valores corrigidos pela inflação). O dado faz parte do relatório “Justiça em Números 2016”, divulgado no dia 17 de outubro pelo CNJ.
No ano de 2015, as despesas totais do Poder Judiciário somaram R$ 79,2 bilhões, o que representou um crescimento de 4,7% e, considerando o quinquênio 2011-2015, um crescimento médio na ordem de 3,8% ao ano. Essa despesa equivale a 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, ou a 2,6% dos gastos totais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, aponta o estudo.
O grande consumidor do dinheiro do Judiciário é o pagamento de salários, auxílios e encargos. Os gastos com recursos humanos são responsáveis por 89% da despesa total. Em 2015, cada um dos 17.338 juízes custou, em média, R$ 46 mil aos cofres públicos por mês. Já cada servidor, no geral, custou, em média, R$ 12 mil. Além dos juízes de primeiro grau, temos um Brasil com 90 Cortes de Justiça: quatro tribunais superiores (STJ, TST, TSE e STM), 27 tribunais de Justiça estaduais, cinco Tribunais Regionais Federais, 24 Tribunais Regionais do Trabalho, 27 Tribunais Regionais Eleitorais e três Tribunais de Justiça Militar estaduais.
Além disso, há um grande índice de juízes afastados, que recebem salários, mas não prestam serviços à sociedade, embora grande parte esteja afastada por perseguição do CNJ. E há de se convir que o Judiciário, à exceção de poucos da primeira instância, vive em viagens, nacionais e internacionais, participando de eventos e troca de experiências, à custa do contribuinte, em escancarada mordomia, com a desfaçatez de “levar experiência” a outros Judiciários, como se nossa claudicante Justiça pudesse servir de exemplo para algum país.
De acordo com os pesquisadores Luciano Da Ros, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e Matthew M. Taylor, da American University, que mapeiam as mudanças no sistema judicial a partir da redemocratização do país, o Brasil mantém a Justiça mais cara do planeta.
O orçamento do Judiciário brasileiro é o mais alto por habitante no Ocidente. Essas instituições do Brasil custam onze vezes mais que as da Espanha; dez vezes mais que na Argentina; nove vezes mais que nos EUA e Inglaterra; seis vezes mais que na Itália, na Colômbia e no Chile; quatro vezes mais que em Portugal, Alemanha e Venezuela.
O custo brasileiro aumenta quando somado o orçamento do Ministério Público, que não dá transparência às suas despesas. Vai a 1,8% do PIB, o equivalente a R$ 87 bilhões de reais. Supera o orçamento de metade dos Estados. É o dobro das obras contratadas pelo governo federal, até abril, nas áreas de Transportes, Saneamento, Habitação e Urbanização.
Ao lado dessa verdadeira parafernália de gastos, que não se limitam aos magistrados, um só exemplo vem mostrar que no próprio seio do corpo de servidores, é de arrepiar. E só vou citar um exemplo: no último dia 31 de outubro, a presidente do Tribunal de Justiça da Bahia, desembargadora Maria do Socorro Barreto Santiago, concedeu à Atendente de Recepção daquele tribunal Aira Mota Alves, cujos vencimentos eram de 5.029,95 reais, a aposentadoria integral de nada menos que R$ 27.891,43. É só conferir o Processo TJ-ADM 2016/35743.
O relatório “Justiça em Números 2016”, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça, e divulgado em 17 de outubro último, mostra um descompasso assustador entre o Brasil e o resto do mundo quanto ao investimento no Judiciário. Registra-se no Brasil uma tendência de aumento dos gastos como proporção do PIB. Como comprova o relatório, a alocação de cada vez mais recursos não basta, por si só, para conferir maior efetividade à Justiça. O total de processos que tramitaram no Judiciário no ano passado, excluindo aqueles que estavam no Supremo Tribunal Federal, chegou a 102 milhões, segundo o mesmo relatório.
Aqueles dois pesquisadores continuam tentando entender por que os brasileiros pagam tão caro por um serviço judiciário cuja característica é a lentidão, onde dois em cada três processos remancham nos tribunais e alguns demoram mais que uma vida para julgamento. Proporcionalmente, o Brasil tem cinco vezes mais funcionários no Judiciário do que a Inglaterra, e quatro vezes acima do que têm Itália, Colômbia e Chile.
A pesquisa prossegue, com foco no histórico dessa burocracia, cujo custo para a sociedade se multiplica pela ineficiência, mostra que em torno dela gravita uma indústria com 880 mil advogados registrados (300% mais que na década de 90) e 1.100 faculdades produzindo anualmente 95 mil novos bacharéis. Esse número de escolas é cinco vezes maior do que nos EUA, onde se formam 45 mil por ano.
Com esse grande descalabro, que traz a reboque a inevitável insegurança jurídica, face à nefasta intromissão dos políticos (no mais das vezes “fichas sujas”, que precisam se precaver) na indicação de membros das Cortes, é que vivemos, pois o Judiciário, com decisões divergentes sobre o mesmo assunto e que ainda guardava boa confiabilidade no avaliar do povo, hoje está é disputando, “pari passu”, com os outros Poderes o pódio da desconfiança.
E uma reforma radical e profunda, que teria de partir do próprio Judiciário, mostra-se inviável, como a do Legislativo, que também não quer perder suas mamatas. E a prova disso é a reforma da Previdência, que quer mexer apenas com os barnabés miseravelmente remunerados e até já aposentados, deixando de lado, sem apreciar, as gordas aposentadorias de muitos vagabundos do Congresso, sustentados pelos impostos que pagamos. Pedi, e até implorei a senadores que, em nome da moralidade, instalassem uma CPI do Judiciário, mas estou pregando no deserto: parece que eles querem é que a coisa fique como está.
Mas algo tem que ser feito. E logo, pois o Judiciário, que era considerado “o bastião da Justiça e da democracia”, está sucumbindo no cipoal das conveniências políticas e no caldeirão do poder econômico.
(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras, membro da Associação Goiana de Imprensa (AGI), escritor, jurista, historiador e advogado, [email protected])