Política

“Número de homens eleitos chega, hoje, a ser 36 vezes maior que o de mulheres”

Diário da Manhã

Publicado em 18 de agosto de 2018 às 00:30 | Atualizado há 5 meses

  •  Mulheres constituem 52,13% dos eleitores no Brasil. Com apenas 11% dos cargos públicos ocupados. Com 9,94% das 513 cadeiras na Câmara Federal
  •  Cinco Estados brasileiros não possuem, hoje, deputadas: Alagoas, Espírito Santo, Paraíba, Mato Grosso e Sergipe, denuncia a feminista, insubmissa, gauche
  •  Brasil ocupa, em 2018, o 154º lugar no ranking da proporção de mulheres nos Parlamentos do mundo, lamenta a historiadora de Goiás

 

Sexista, misógino, racista, ho­mofóbico, com desigualdade de gênero, sociais e culturais abissais. Que País é esse? É o Bra­sil! Sob os olhares da historiadora, mestre em Ciências da Religião, presidente do Conselho Estadual da Mulher, Ana Rita Marcelo de Castro. Apenas com Getúlio Vargas, ‘Pai dos Pobres’, um reduzido percentual de mulheres obteve o direito ao voto.

As analfabetas o conquistaram somente em 1985, com o advento da ‘Nova República’. As analfabetas, porém, não poderiam ser candida­tas, por determinação da ‘classifi­cada Carta Magna Cidadã de 1988’. Os números, em 2018, assustam. Pasmem! Dos 5.568 municípios brasileiros, 1.291 não possuem ve­readoras e 1963 têm apenas uma, revela a pesquisadora.

 



 Na Assembleia Legislativa, as deputadas correspondem a 10%

Ana Rita, presidente do Conem

 

No Senado, as mulheres ocupam 13 vagas. Das 81 existentes

Ana Rita, presidente do Conem

 

 NÚMEROS

No Senado da Repú­blica, as mulheres ocupam 13 vagas, diz. Das 81 existentes, desabafa a ativista. Na Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, as deputadas estaduais correspondem a 10%–quatro -, atira a feminista, uma mulher insubmissa. Além do seu tempo. O Brasil ocupa, em 2018, o 154º lugar no ranking da propor­ção de mulheres nos Parlamentos.

– Do mundo.

 

 Dos 5.568 municípios brasileiros, 1.291 não possuem vereadoras e 1.963 têm apenas uma

Ana Rita, presidente do Conem

 

 

 LEIA A ÍNTEGRA DA ENTREVISTA

 

Qual o número de mulheres eleitoras e o seu percentual de representação, hoje, na Câmara dos Deputados, em Brasília?

Ana Rita Marcelo de Castro– As mulheres representam 52,13% dos 142.822.046 eleitores, 5,8% a mais do que em 2010. Do total, 6.245 fo­ram consideradas aptas a concor­rer aos cargos eletivos, represen­tando um aumento de 71% em relação às eleições de 2010. Ape­nas 11% dos cargos em disputa em todo o país ficaram com as mu­lheres. No Congresso, a bancada feminina tem 51 deputadas, o re­presenta 9,94% das 513 cadeiras. Em Goiás das 17 cadeiras para de­putado federal, duas foram ocu­padas por mulheres: Flávia Mo­raes e Magda Moffato. O Estado conta, portanto, com uma repre­sentação feminina de aproxima­damente 12% do total de eleitos para a Câmara dos Deputados. Cinco Estados brasileiros não pos­suem deputadas: Alagoas, Espírito Santo, Paraíba, Mato Grosso e Ser­gipe. O Brasil ocupa o 154º lugar no ranking da proporção de mu­lheres nos Parlamentos do mun­do, ficando atrás de países como Paquistão e Sudão.

Como é a representação feminina no Senado?

Ana Rita Marcelo de Castro– No Senado, as mulheres ocupam 13 vagas. Das 81 existentes. Isso sig­nifica que as mulheres são ape­nas 16% do total de Senadoras. Ne­nhum Estado brasileiro tem mais que uma senadora e 14 não têm re­presentação feminina no Senado.

Quais são os números e percentuais na Assembleia Legislativa de Goiás?

Ana Rita Marcelo de Castro– Na Assembleia Legislativa, as depu­tadas correspondem a 10% do to­tal de candidatos eleitos, ou seja, apenas quatro dos 41 cargos são ocupados por mulheres.

Dados da câmara Municipal de Goiânia?

Ana Rita Marcelo de Castro– Dos 5.568 municípios brasileiros, 1.291 não possuem vereadoras e 1963 tem apenas uma. No Esta­do de Goiás dos 246 municípios, 71 não elegeram nenhuma mu­lher para a Câmara Munici­pal. Em 80 municípios elegeramsomente 1 mulher entre os vereadores. Mas, contudo, de acordo com o TSE, no pleito de 2016 foram eleitas 13,51% de mulheres para as câ­maras municipais, porcentagem pouco superior ao processo elei­toral de 2012, quando elas eram 13,33%. O aumento foi de 6,41% em 2016. Já para as prefeituras, houve diminuição do número de cargos, tendo sido eleitas 641 mu­lheres, 11,57%. Em 2012 eram 659, ou 11,84%. As estatísticas das uni­dades da federação mostram que o número de homens eleitos che­ga a ser 36 vezes maior que o de mulheres eleitas e outras são le­gislaturas exclusivamente mascu­linas. Mesmo em Goiânia, maior colégio eleitoral de Goiás, a repre­sentatividade feminina é peque­na. Dentre os 35 vereadores elei­tos na capital, apenas cinco são mulheres, ou seja, 14%.

Na História da República apenas uma mulher chegou, no Brasil à Presidência?

Ana Rita Marcelo de Castro– 2010 a primeira mulher chega À Presidência da República no Brasil. Desde o processo eleitoral, o tratamento dado a ela era mi­sógino, sexista e machista. A ca­pacidade administrativa e políti­ca dela era questionada. Isso não ocorre geralmente com os homens. Com impeachment, sem crime de responsabilidade, ficou muito es­cancarado, por exemplo, o irôni­co “tchau, querida”. O adesivo de carro que representa Dilma Rou­sseff com as pernas aber­tas e as críticas à ima­gem da presidente, que é“contrastada com as tam­bém sexistas representações da ‘tí­pica’ mulher brasileira voluptuo­sa e sexual”. Não há duvidas de que o processo de impeachment vem de um histórico mais longo de tratamento misógino contra Dilma. Se analisarmos os fatos, os dois antecessores de Dilma na Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Car­doso, receberam acusações simi­lares às que motivam o processo de impeachment, porém nunca tiveram um processo de impea­chment aceito pelo Congresso. O golpe não teve uma motivação ex­clusivamente misógina, sexista e machista. Mas não é possível com­preender toda a dinâmica e o des­fecho do processo sem considerar essa categoria de análise. Inclusi­ve existem artigos científicos que analisam o processo eleitoral de 2014 e o pós eleição e a forte pre­sença da mídia escrita, televisiva e do ciberespaço na tentativa de desconstrução da imagem públi­ca da então eleita Dilma Rousseff.

As sufragistas foram as responsáveis, no mundo, pelo direito da mulher ao voto?

AnaRitaMarcelodeCastro– Não é possível contar a história do voto feminino no mundo sem conside­rar o papel decisivo do movimen­to sufragista empreendido pelas mulheres. Desde as antigas civi­lizações da Grécia e de Roma às democracias surgidas na Europa após a Revolução Francesa (1789), o voto feminino nunca havia sido permitido. O movimento su­fragista tem suas origens naurbanizaçãoena industrializa­ção do século XIX. Apesarde omovimento tersidomais forte na In­glaterra e nos Esta­dos Unidos, o primeiro país a ad­mitir o voto feminino foi a Nova Ze­lândia, em 1883. Somente em 1918 as mulheres britânicas com mais de 30 anos de idade conquistaram o direito do voto. Isso foi possível de­pois de um amplo processo de mo­bilizaçãodomovimentosociallide­radopelassufragistas. Elasusavam o seguinte lema “ações e não pala­vras”, a reivindicação dessas mu­lheres pela reforma eleitoral aba­lou o país e influenciou o mundo.

Quando o Brasil incluiu o direito do voto feminino?

Ana Rita Marcelo de Castro– No Brasil o movimento Sufragista foi mais intenso a partir de 1920. Da atuação de sufragistas organiza­das no início do século XX no Bra­sil destacaram-se três lideranças: Leolinda Daltro, Bertha Lutz e Na­tércia da Silveira. Cada uma de­las teve seu estilo próprio de atua­ção. E fruto dessa mobilização em 1931 Getúlio Vargas, concedeu voto limitado às mulheres, ou seja, so­mente solteiras, viúvas com renda própria ou casadas com a autori­zação do marido poderiam votar. Grupos feministas continuaram manifestando-se, reivindicando igualdade de voto entre homens e mulheres. Então, Getúlio Vargas assinou o decreto n.º 21.076, de 24 de fevereiro de 1932, o qual deter­minava que era eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo, alistado na forma do código.

As mulheres analfabetas, percentual alto, não obtiveram o mesmo direito?

Ana Rita Marcelo de Castro– Durante boa parte da história do Brasil o critério para ter acesso ao voto estava muito relacionado à renda. A partir de 1881, os analfa­betos perderam o direito ao voto, depois que a Câmara e o Senado aprovaram a Lei Saraiva, com a exigência do letramento. Os analfabetos só tornariam a vo­tar graças a uma emenda à Cons­tituição em maio de 1985.

O direito ao voto da analfabeta é uma conquista de 1985, sob a Nova República?

Ana Rita Marcelo de Castro– Sim. Após 104 anos após a Lei Sa­raiva, instituída nos fins do Im­pério, e após 96 anos de regime republicano os analfabetos con­quistaram o direito de votar. Con­tudo, eles não podiam ser votados. A Constituição Cidadã de 1988 manteve inelegíveis os inalistá­veis e os analfabetos.

A que a senhora atribui os altos índices de violência contra a mulher divulgados no início de agosto? Feminicídios, estupros, ameaças, agressões, assédios?

Ana Rita Marcelo de Castro– O alto índice de violência contra as mulheres está relacionado ao fato do machismo e o sexismo serem norteadores das relações na socie­dade. Uma sociedade baseada no poder masculino. Sociedade Pa­triarcal. O Patriarcado é um siste­ma estruturante das desigualdades existentes entre homens e mulhe­res. Segundo o Mapa da Violência quase 5.000 mulheres são mortas por ano por um único motivo: ser mulher. Essa cifra coloca o Brasil em 5º lugar no ranking mundial dos países que mais matam mu­lheres de acordo com a Organiza­ção Mundial da Saúde, apresen­tando a taxa de 4,8 homicídios a cada 100 mil mulheres.

O Brasil é misógino, sexista, homofóbico, racista, com discriminação de classe?

Ana Rita Marcelo de Castro – Sim. A própria legislação foi utili­zada historicamente para excluir os pobres, as mulheres, os analfa­betos e a população negra dos es­paços de poder e decisão. Mecanis­mos eficientes que nos impedem de ter condições iguais de pleitear a nossa participação, seja na po­lítica ou nos espaços de produção de conhecimento e até mesmo no mundo do trabalho.

 

Qual candidatura à presidência da República constitui uma ameaça aos direitos das mulheres, LGBT, negros e trabalhadores?

Ana Rita Marcelo de Castro – Todo candidato/a que não valo­riza e não se pauta nas políticas públicas e na sua universalida­de, que não investe em conheci­mento, educação, cultura. Que não reconhece que todas as pes­soas independentes de seu gênero, credo, cor/etnia ou orientação se­xual são sujeitos de direitos. Esse candidato/a é uma ameaça à dig­nidade e à vida humana. Reco­nhecer a diversidade, as parti­cularidades e as necessidades da população é fundamental para termos uma Democracia Plena.

O Conselho Estadual da Mulher organizará dois encontros. Dias 21 e 28 de agosto. Quais as pautas?

Ana Rita Marcelo de Castro – O CONEM, realizará em dois mo­mentos, a entrega da Plataforma de Política para Mulheres 2018, aos entes participantes das elei­ções em Goiás em 2018. No dia 21 de agosto, próxima terça-fei­ra, será o evento para apresen­tar nossas propostas a todas as candidatas mulheres, de todos os partidos, que pleiteiam os cargos de deputadas estaduais, deputa­das federais, senadoras, governa­doras e vice-governadoras. No se­gundo evento, dia 28 de agosto a entrega será feita à todas as co­ligações majoritárias, candida­tos e candidatas ao governo, Se­nado, Legislativo e também aos dirigentes partidários. Reivindi­camos o compromisso na defesa e fortalecimento dos direitos das mulheres e equidade entre ho­mens e mulheres. Precisamos de maior orçamento e apoio para o desenvolvimento e incremen­to nas Políticas para Mulheres.

 PERFIL

Nome: Ana Rita Marcelo de Castro

Formação: Historiadora – Mestre em Ciências da Religião

Idade: 45 anos

Cargo: Presidenta do Conselho Estadual da Mulher de Goiás

O que anda lendo: ‘Mulheres Que Correm Com Os Lobos’, de Clarissa Pinkola Estés; ‘Rosas Vermelhas’, de Renato Dias.

 

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