Como seria um provável embate final entre Bolsonaro, Ciro e Marina?
Redação DM
Publicado em 13 de agosto de 2018 às 22:35 | Atualizado há 7 anos
Tal embate refletiria o ZeitGeist, o “espírito dos tempos” atuais : Hillary versus Trump, homem X mulher, esquerda X direita, coitadismo X falocracia ( poder da força ) , colegiado X autoridade, permissividade X moralismo, laico X religião, homoafetivo X heteronormativo, igualdade X individualidade, “doçura X dureza”, “aceitação X normatividade”, equilíbrio X esforço, civil X militar, etc.
Marina teria a seu lado o pessoal “pobre”, os intelectuais ( estes só aceitam o “falo intelectual/igualitarista”, não o “falo econômico,militar,político”, inclusive porque em geral são seres frustros do ponto de vista do falo empreendedorista/operativo ), a parcela das mulheres que se incomodam com o falo masculino ( sexualmente ou fantasmaticamente) , funcionários públicos estatizantes-coletivistas, “proletários”, “revoltados contra a plutocracia,empresários,grandes empresas”, minorias,”excluídos” raciais, étnicas, sexuais, sociais, econômicas, geográficos (p.ex., Norte/Nordeste ). Homens mais fracos ( temperamentalmente, fisicamente ) , mais passivos, mais complacentes, afetivos, continentes, amorosos, cuidadores, coletivos, sociais, geralmente votam com ela. São contra a “truculência do macho”, pois já sofreram bullying com isso, já foram vítimas de intimidação fálica, são oprimidos pelo falo. São mais pelo “coletivo” do que pela “família” ( o homem que é mais pela família, tende a ser Bolsonaro, pois como “patriarca”, quer protege-la , educá-la, discipliná-la, e não costuma abrir mão destas prerrogativas férreas ). Paradoxalmente, as mulheres mais aguerridas também votam nela, pois são contra o patriarcalismo,machismo,maior poder financeiro,político,intelectual,militar,físico dos homens. Do mesmo modo, as hipersensíveis também tenderão a ter um medo fóbico do falo: “ai meu Deus, ele é mauzão,truculentão demais, ne’? Tenho medo…”.
O contrário de tudo isso acima tende a votar no Bolsonaro. A turma da Marina me parece mais numerosa no Brasil, mas a luta não vai ser fácil pois os Bolsonaristas são mais aguerridos, formam opinião, são mais “chefes de família”, “chefes de opinião”, impõem, comparecem mais. Foi o que aconteceu nos EUA, os “fálicos/Trump” compareceram em massa, apesar de ideologicamente em menor número. Por outro lado, além dos homens fálicos, Bolsonaro tem outro grande aliado : as mulheres “super-aguerridas”, ou seja, aquelas que ultrapassaram as “mulheres aguerridas” de Marina. As super-aguerridas são aquelas que projetam sua autoridade,força,energia,desejo normativo sobre Bolsonaro, e não têm problema fálico com ele, pois são heterossexuais. Se uma mulher, mesmo superaguerrida, for homossexual, tenderá inverter o voto, ou seja, evitar o Bolsonaro, pois elas teriam, neste caso, um problema com o falo intrusivo dele. Já as superaguerridas heterossexuais não têm muito problema com o “falo masculino”, pois utilizam-se dele para o prazer, e aceitam bem o jogo sexual / fantasmático da submissão. Ou seja, projetam seu lado fálico em Bolsonaro, com o qual se identificam, e não têm problemas em aceitar o falo dele, já que aceitam o falo dos maridos,namorados,homens. Nesse caso Bolsonaro também tem grandes aliadas.
Poderia intitular esta segunda parte do artigo como : “Por que alguns gostam da “masculinidade/autoritarismo” do Bolsonaro e muitos a odeiam em Ciro Gomes ? – Uma análise psiquiátrica”. Da fato, a análise é interessante porque, assim como Bolsonaro, o Ciro passa uma idéia de alguém “moralista”, com uma masculinidade/autoridade que muitos eleitores buscam hoje em dia, sobretudo para “combater a insegurança e a corrupção”. Por que, então, ele não emplaca como o Bolsonaro , que está muito à frente nas pesquisas ?
Um dos motivos , no meu humilde entendimento, é que o Ciro quase sempre passa um “sentimento de raiva”, “profundo desprezo”, “desqualificação visceral”, de seus “inimigos”. Mesmo sendo de “esquerda” ( teoricamente a favor da tolerância, das causas LGBT, do “humanismo”, dos “direitos de todos”), mostrou-se profundamente agressivo, por exemplo, quando chamou o prefeito Dória pejorativamente de homossexual, dizendo que este era um invertido que tinha o “c… cheio de areia”. O “humanismo/tolerância/politicamente correto” das causas esquerdistas não “bate” com este tipo de violência/agressividade, as pessoas , então, sentem uma certa dissonância desagradável na figura de Ciro. Sentem que a agressividade dela, orgulho, prepotência, rigidez, não coadunam com um discurso “leve” de esquerda, daí sentirem que ele não é autêntico. E isso é uma das coisas que as pessoas, hoje em dia, estão em busca, “autenticidade”.
Já a postura psicológica de Bolsonaro costuma ser coerente com sua rigidez moralista/moralizante, gerando uma sensação de “autenticidade”, de “coesão”. Por outro lado, os “ataques” de Bolsonaro, de modo geral ( é claro, há exceções ), são gerais, não atingem tão agressivamente o núcleo da pessoa atacada. São ataques violentos, agressivos, claro, contra os homossexuais, p.ex., dizendo ser “contra o uso sexual de um órgão excretor”, mas tal violência não atinge uma pessoa em particular, que Ciro chamaria de um “homossexual depravado que anda por aí com o c…. aberto cheio de areia”. Aqui o ataque é pessoalmente direto, envolvendo um nível altíssimo de escatologia, uma escatologia que atinge em cheio a dignidade humana do próprio indivíduo. O nível de violência é bem maior. E a “impostação psicológica” que Ciro dá a seus ataques passam para a platéia uma noção de violência muito maior do que aquela de Bolsonaro, que geralmente o faz com figuras de ironia, chistes, “curtição”, “respostas na bucha”, ar de deboche não-comprometido, deboche não-raivoso, desprezo superficial, “respostas a ataques prévios”. Há algo nos dizeres de Ciro que passam a ideia de um “desprezo profundo”, pelo próprio âmago da alma daquele de quem ele tem ódio; o desprezo de Bolsonaro ( na maioria das vezes, pois há exceções ) já não passa a idéia de algo tão visceralmente dirigido ao âmago da alma do interlocutor opositivo. As pessoas sentem esse “mal-estar” com o ódio de Ciro, ao mesmo tempo que muitos “acham graça” dos achincalhes de Bolsonaro. Este último passa uma idéia mais “lúdica” , menos “carregada”, dos ataques, em comparação a Ciro. Não estou dizendo, de modo algum, que os ataques de Bolsonaro são leves, em termos absolutos; estou mostrando uma psicologia diferencial, relativa, em comparação com os ataques de Ciro. A “visceralidade profunda” dos ataques de Ciro passam ao telespectador uma “impressão ruim”, uma falta de “humor”, falta de “jogo de cintura humana”, que tornam desagradáveis seus ataques “moralistas”.
Ao mesmo tempo, geram uma grande dissonância cognitivo-afetiva : “como alguém de “esquerda”, alguém pelo “coletivo”, pela “tolerância democrática”, tem posturas tão despóticas , “militares” ? As falas de Ciro, muitas vezes lembram aquelas que a gente estava acostumado a ouvir no regime militar , tipo “eu prendo e arrebento”, do general João Baptista Figueredo. Ou seja, Ciro mostra-se visceralmente contra a “direita militar”, mas age exatamente como ela, passando assim a idéia de incongruência, inautenticidade.
Seria um tipo de “militar de esquerda” ? Sim, mas aí ele não “convence”, pois “pessoas de esquerda”, “pessoas anti-Bolsonaro”, teriam de ter um candidato pela tolerância, pelo diálogo, pela “discussão da relação”, não alguém tão “truculento” quanto seu opositor de direita. Sendo um “truculento de esquerda”, Ciro suscita todos os “medos escondidos” da classe média e conservadora brasileira : o medo de “serem obrigados a serem livres”, “serem iguais”, serem “caridosos e repartirem tudo”, serem “renunciadores e abrirem mão de tudo em benefício das camadas populares”. A coisa que a “classe média” mais teme é “ser obrigada a ser boazinha”, vem logo a imagem dos “ditadores da liberdade”, do tipo Stalin, Fidel, Mao, Jong-Um, etc. Um “ditador esquerdista” , um “ditador que nos obrigue à liberdade/igualdade/fraternidade” é tudo que a classe média não quer, é tudo de incongruente, é tudo de “enganação”. Se fosse um cara “bonzinho”, afável, “amigo”, com cara de contador confiável, que pregasse a “igualdade/liberdade/fraternidade“ , ganhasse o poder e depois virasse um déspota, tudo bem, daria certo, assim como deu na Rússia ( “Lênin e depois Stalin” ). Mas, um Stalin ( Ciro ) “pregando liberdade/igualdade/fraternidade”, nisso ninguém acredita….
A classe média brasileira saiu de uma situação exatamente assim : “estava sendo obrigada por uma ditadora/déspota ( por Dilma ) a se tornar “amiga/libertária/tolerante/distribuidora/” e isso gerou um enorme mal-estar, justamente porque a classe média captou a incongruência. Um governo que usava de todo tipo de truculência, de corrupção, de imposições, pregando a “tolerância e fraternidade”; isso não cola… E está todo mundo mais ou menos “traumatizado” com este tipo de “esquerda esquizofrênica”; exatamente o tipo de “esquerda dissociada” que a figura de Ciro Gomes passa.
(Marcelo Caixeta, médico psiquiatra (hospitalasmi[email protected]))