Promessa
Redação DM
Publicado em 13 de agosto de 2018 às 22:10 | Atualizado há 7 anos
A campanha eleitoral vai pegando embalo e chegamos à fase das promessas. Dá gosto ver o candidato lavrar como pode o discurso e vir a público plantar sua semente. Sendo nosso país a terra do jeitinho em que se plantando tudo dá, por que não?
Elas -e eles – pululam inesperados no brejo da mesmice. Tem quem promete Hospital das Almas, como se bastasse mudar o nome para resolver o problema da população goiana. Tem quem promete retomar de chofre as mais de 200 obras paradas no Estado (DM, 13/08). E tem lá na Esplanada quem promete gasolina a 50%.
A fase das promessas é a mais visível das etapas de uma campanha, que tem como precedência a ardilosa fase jurídica, algumas fases ocultas e outras que bem sabemos que não são fases, mas permanências: quando chegamos a elas já é tarde. Geralmente ao avesso das promessas, as permanências se transformam em poderosos determinantes que passam a moldar nossas vidas, geralmente para pior.
É a mesma e velha história do nada é o que parece. Por isso precisamos nos esforçar para uma mínima reflexão sobre a frugalidade das promessas e o recorrente paradoxo de que, sem elas, não conseguimos viver. Já dizia o iluminista Voltaire (1778) que “os céus nos deram duas coisas para compensar as inúmeras misérias da vida: a esperança e o sono”. A julgar como nos tem sido o processo político de avanços muitas vezes ilusórios e recuos insistentes, nosso caso é de esperança até cada eleição e depois um sono de 4 anos.
A esperança (a meu ver mais que o sono) tem lá sua importância, mesmo sendo ela o único requisito de um território fértil para as promessas mais vãs. Toleramos saber que neste momento das campanhas importa o convencimento plantado a esmo no território alheio, mais conhecido como curral eleitoral, mesmo que às avessas do adubo que lhe possa dar algum futuro.
Tais quais Anhangueras em busca de gentios para colonizar na urna do tempo de quatro anos, os políticos trazem agora sua bateia de sementes para, em troca das promessas contidas nelas, obter o garimpo do voto. Importante em nossa defesa é saber que só devemos aceitar promessas factíveis, por exemplo, de quem tem opinião precisa ao menos sobre o que vai prometer. Tarefa difícil, pois o sorriso é treinado, o modo teatral e o resultado, ainda que ilusório, sedutor.
Felizmente podemos lançar mão de alguma ciência. “Ninguém sustenta fervorosamente que 7×8 são 56, pois se pode mostrar que isto é o caso”, observa o espirituoso Bertrand Russell (1970). Ele nos dá uma boa pista. As artimanhas do convencimento do interlocutor (leia-se, eleitor) tanto mais se apresentam quanto mais se quer incutir opiniões que são duvidosas ou vergonhosamente falsas.
Já outras ocasiões nos exigem mais cuidado e o aprimoramento da nossa ciência tão curta para tamanha dissimulação. A primeira coisa é saber separar das promessas as que são apenas promessas e nada mais. Pois promessa que vale a pena é aquela que nasce para logo-logo deixar de sê-la.
Reza a sabedoria popular que promessas de campanha são em geral os túmulos dos políticos, pena que estes sejam cavados muito depois. Cova bem funda e larga já têm alguns que, quais zumbis, ainda seguem de pé e prometendo por aí. Sem parecer em desvantagem, mesmo agora que vão às feiras, igrejas lotadas e terminais de ônibus, os prometeus desacorrentados pedintes do nosso voto estão longe de perder a esportiva.
Todo cuidado na lida com eles historicamente tem se revelado pouco, o povo sabe. Bem sabe e não aprende. Bastaria prestar mais atenção. O simples fato de os políticos estarem fazendo agora suas promessas já indica a existência de dúvida quanto à sua concretização. Só prometemos aquilo que exige um esforço extra de trabalho, que está fora da curva, do contrário faríamos sem precisar prometer. E já está comprovado que quanto mais solene e enfática é a promessa, juro que agora é para valer!, mais duvidosa ela é.
Como são mesmo imprevisíveis -e incorrigíveis, pode-se deduzir que o político gosta de lidar com promessas mais do que com realizações, porque estas são limitadas pelo orçamento e quando não, pelo tempo de poder, enquanto as promessas são inesgotáveis quais nossos desejos. É aí que entra o problema: o segredo do político ardiloso é pressentir que temos muitos desejos, formando com eles o acervo de nossas fraquezas para seus constantes ataques.
A provocação pode ser uma boa maneira de buscar soluções. Faço a minha. Já se tendo como uma verdade aceita que, em política, o que importa é a versão, não o fato, chegará o dia em que importará a promessa mais do que sua realização?
O ser humano que somos não nos permite duvidar de nada. É imensa nossa incapacidade de cuidar de nós mesmos. Mas esse é assunto para uma outra abordagem, que seria sobre o sonho. Pois mais importante que tudo é o sonho. O sonho será sempre nosso tesouro. Não se dá a meio termo. Não é promessa, é arrebatamento. Devemos falar dele ainda antes de 7 de outubro vindouro.
(Px Silveira Instituto ArteCidadania, presidente)