Opinião

Sobre os agiotas e caloteiros

Redação DM

Publicado em 8 de agosto de 2018 às 23:04 | Atualizado há 7 anos

Ho­je deu-me na te­lha (cu­ca, co­co, ca­cho­la) em des­cre­ver so­bre ca­lo­tes e ca­lo­tei­ros. E não foi ca­su­a­li­da­de! To­dos te­mos os cha­ma­dos pa­ren­tes, con­tra­pa­ren­tes, ade­ren­tes e sí­mi­les das ser­pen­tes (no des­cui­do vem o bo­te). E mui­tos são ví­ti­mas des­ses tais e qua­is. Há cer­tos con­tra­pa­ren­tes e ade­ren­tes, que se eu pu­des­se ar­ru­mar-lhes-ia  uma pas­sa­gem pa­ra o mé­dio ori­en­te. Só de ida, ób­vio. Foi de lem­brar de um des­ses tais ca­lo­tei­ros que dei-me de fa­zer uma jus­ta ho­me­na­gem ao di­tos-cu­jos com es­se te­ma. Se bus­car na li­te­ra­tu­ra, tem-se lá uma vas­ta si­no­ní­mia. Por exem­plo em­bus­tei­ro, frau­du­len­to, tram­bi­quei­ro, tra­pa­cei­ro, im­pos­tor.

A pa­la­vra, pa­re­ce ter ori­gem fran­ce­sa, cu­lo­te, úl­ti­ma pe­ça do jo­go do­mi­nó que so­bra na mão do jo­ga­dor, mos­tran­do que ele per­deu a par­ti­da. Su­ge­re in­con­gru­en­te a re­la­ção, mas é is­to que se acha con­sig­na­do nos glos­sá­rios.

Du­as são as clas­ses de ca­lo­tei­ros, con­for­me se jul­ga pe­las su­as in­ten­ções. As­sim te­mos o ca­lo­tei­ro que por ab­so­lu­ta con­di­ção fa­li­men­tar, não cum­pre os seus com­pro­mis­sos (“de­ve­do­res”), ele se tor­na  por fal­ta de con­di­ções mo­ne­tá­rias e pa­tri­mo­ni­ais pa­ra qui­ta­ção das dí­vi­das.

No ou­tro  po­lo te­mos o ca­lo­tei­ro in­ten­ci­o­nal ou do­lo­so. Por­que to­da for­ma de em­prés­ti­mo por ele to­ma­do traz em­bu­ti­do uma in­ten­ção, um ex­pe­di­en­te vo­lun­tá­rio e ar­di­lo­so de frau­dar o cre­dor, aque­le ou aque­la que de boa e ho­nes­ta in­ten­ção lhe em­pres­tou al­gum di­nhei­ro ou qual­quer bem que o quei­ra.

Se­gun­do te­o­ria psi­qui­á­tri­ca e cri­mi­no­ló­gi­ca to­do ca­lo­tei­ro traz na ín­do­le um ger­me tra­pa­cei­ro à se­me­lhan­ça de ou­tra con­di­ção in­ti­tu­la­da clep­to­ma­nia. Um tra­pa­cei­ro age co­mo um agio­ta, na se­mân­ti­ca pri­mi­ti­va do ter­mo. Ser agio­ta ou não ser agio­ta. Eis o le­ma ou di­le­ma de um ca­lo­tei­ro, pri­mo-ir­mão do agio­ta. Ser agio­ta ara­nha (tra­í­ra), ou ma­ru­jo dos ma­res da ma­lan­dra­gem são idei­as co­muns aos dois, agio­ta e ca­lo­tei­ro. Sou sua se­nho­ria S.A (sou agio­ta, sim) e daí? Se pen­sa que sou um sil­fo que vá cor­rom­per o seu erá­rio, acer­tou. Sou co­mo es­se gê­nio do ar a dar gol­pes em quem bo­be­ar.

“Sil­fos  cor­rem nas cam­pi­nas/brin­cam no ar as on­di­nas/ dan­çam fa­das pe­re­gri­nas/no to­po das ser­ra­ni­as”. Fa­gun­des Va­re­la. As­sim de­cla­ma­va o gran­de po­e­ta.

De con­cre­to, de ci­en­tí­fi­co e em­pí­ri­co  é que exis­tem li­a­mes es­trei­tos en­tre o com­por­ta­men­to fi­nan­cei­ro do ca­lo­tei­ro e do clep­to­ma­ní­a­co. Ape­nas a tí­tu­lo de re­me­mo­ra­ção (me­men­to), a clep­to­ma­nia é um tran­stor­no psi­qui­á­tri­co que con­duz a pes­soa a pra­ti­car fur­tos im­pul­si­va­men­te. Bem evi­den­te fi­ca que nun­ca rou­bo ou as­sal­to. Po­dem ser ob­je­tos os mais ba­nais e de va­lor des­pre­zí­vel, uma de su­as ca­rac­te­rís­ti­cas. Po­dem ser ob­je­tos sim­ples co­mo uma ca­ne­ta, um len­ço, um pren­de­dor de ca­be­lo, um ob­je­to sem ser­ven­tia, co­mo um re­ló­gio ve­lho, um sa­bo­ne­te ou cli­pe. O tran­stor­no é ca­ta­lo­ga­do no DSM-VI, um ma­nu­al es­ta­tís­ti­co das do­en­ças psi­qui­á­tri­cas (ame­ri­ca­no).

Dois ca­sos re­cen­tes ti­ve­ram até des­ta­que na im­pren­sa, o do ra­bi­no bra­si­lei­ro Henry So­bel e da atriz ame­ri­ca­na Wi­no­na Ri­der. Eles fo­ram fla­gra­dos fur­tan­do ob­je­tos em lo­jas, em ple­na luz do dia, sem se im­por­tar com fla­gran­te de fun­cio­ná­rios ou câ­me­ras des­sas lo­jas. Tal des­vio pa­to­ló­gi­co do com­por­ta­men­to tam­bém já foi re­tra­ta­do em no­ve­las e no ci­ne­ma.

A mes­ma li­nha te­ó­ri­ca se apli­ca ao ca­lo­tei­ro. Ele se com­por­ta co­mo um mo­ne­tá­rio ma­ní­a­co (mo­ne­ma­ní­a­co) por­que seu prin­ci­pal ob­je­to de des­con­tro­le pes­so­al é o di­nhei­ro to­ma­do de em­prés­ti­mo. Ad­mi­te-se que ha­ja nes­se ex­pe­di­en­te um con­jun­to de fa­to­res que agem co­mo ga­ti­lhos nes­sa ini­ci­a­ti­va. São me­ca­nis­mos bi­o­ló­gi­cos, psí­qui­cos e so­ci­ais.

Os es­pe­cia­lis­tas e psi­có­lo­gos do com­por­ta­men­to hu­ma­no dão mui­ta ên­fa­se aos fa­to­res psi­cos­so­ci­ais e edu­ca­ti­vos. Um in­di­ví­duo cu­jo pai ou cui­da­do­res ti­nham um com­por­ta­men­to ca­lo­tei­ro ten­de a mi­me­ti­zar ou co­pi­ar to­do aque­le es­ti­lo nas ra­la­ções de ne­gó­ci­os com ou­tras pes­so­as. É o pro­ló­quio po­pu­lar, fi­lho de pei­xe, pei­xi­nho se tor­na.

O ca­lo­tei­ro in­ten­ci­o­nal ou do­lo­so, aque­le que con­trai um em­prés­ti­mo em di­nhei­ro ou bem de ou­trem já o faz pre­me­di­ta­da­men­te em frau­dar a boa fé do cre­dor. Em ge­ral as prin­ci­pa­is ví­ti­mas nes­sa re­la­ção são os “ami­gos” mui­to pró­xi­mos ou pa­ren­tes da ín­ti­ma con­fi­an­ça; pai, ir­mão, tio, ir­mã, etc. Ago­ra, o ami­go pró­xi­mo po­de se tor­nar o pi­or ini­mi­go, da­do a di­men­são do ca­lo­te. Já ima­gi­nou !

O cer­to é que re­fe­ri­dos in­di­ví­duos ro­dei­am a to­dos nós, em nos­so co­ti­dia­no. Eles agem co­mo pul­gas ou car­ra­pa­tos. Por mais que os ex­pur­gue­mos es­tão sem­pre nos as­se­di­an­do, pron­tos a su­gar nos­sos re­cur­sos, nos­sas eco­no­mi­as, nos­so di­nhei­ro, nos­sos min­gua­dos ou acu­mu­la­dos ca­ra­min­gu­ás, ga­nha­dos ho­nes­ta­men­te.

To­dos os ca­lo­tei­ros nos ro­dei­am, eles nos ve­em co­mo um ser frá­gil. Eles sem­pre vol­tam co­mo ara­nhas, co­mo ca­ra­mu­jos gos­men­tos. E po­dem nos di­zer su­bli­mi­nar­men­te: eu sou a sua si­na, da­qui não saio, da­qui não fu­jo. Por is­so que ca­da qual, de per si, de­ve acau­te­lar-se, por­quan­to de for­ma sub-rep­tí­cia os tra­pa­cei­ros nas pes­so­as dos ca­lo­tei­ros to­da sor­te de sa­fa­de­za e ar­di­lo­sa ma­lí­cia tra­zem nas men­tes e in­ten­ções pa­ra nos ata­car. Agos­to/2018.

 

(Jo­ão Jo­a­quim, mé­di­co, cro­nis­ta do DM – con­sul­to­rio­jo­ao­jo­a­[email protected] – fa­ce jo­ao jo­a­quim de oli­vei­ra)


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