Origem das vergonhas
Redação DM
Publicado em 7 de agosto de 2018 às 22:51 | Atualizado há 7 anos
Quem é que sabe a origem das vergonhas, também chamadas “partes pudendas” ou genitais do homem e da mulher? Aparentemente proibido e perigoso, é complexo e polêmico. Chega a ser curioso, pelo fato de que seria fácil descobri-las. Na verdade, muitos são os disfarces éticos, teológicos e mesmo “científicos”, tentando esconder as vergonhas.
É bem capaz que toda essa complicação esteja no fato de que existem pelo menos três fontes das quais se derivariam as vergonhas. Uma de cunho científico, que a admito também ecológica; outra fundada em interesse religiosos (teológica); e a mais singular e genuína, “luso-brasileira” inventada pelos portugueses. A primeira surge no contexto da história da vida, onde a espécie humana, privilegiada entre os animais, teria aparecido há aproximadamente 500 mil anos. Tese predominantemente científica e ecológica, uma vez que, segundo os cientistas, “a vida só começou quando as condições ambientais favoreceram o seu início”. Isso deve ser verdade, uma vez que nenhum “ser vivo” poderia existir, biologicamente, sem a constante presença de oxigênio, por exemplo. Ninguém, aliás, poderia negar que a “matéria viva” é formada apenas por alguns tipos de átomos: carbono (C), hidrogênio (H), enxofre (S) e fósforo (P).
Por um processo chamado “seleção natural” é que teríamos surgido, depois de passarmos por alguns “momentos”, inclusive a estranha “sopa orgânica” onde, certamente, já se engenhava e inventava as vergonhas, do jeito que todo mundo sabe e nos lugares especiais que a “mãe natureza” escolheu e vem zelando até hoje. É por isso, ao certo, que existem alguns filósofos, defensores da “corrente” ecológica egocêntrica, dizendo que os humanos seríamos a própria natureza tomando consciência de si mesma, inclusive, das suas vergonhas. Assim, a origem das vergonhas poderia ser explicada, também, pelo que chama “filosofia da totalidade”, que é o Holismo, aí desafiando a gregos e baianos.
A segunda fonte explicativa de origem das vergonhas, que é a mais aceita, tem tudo a ver com o mistério da vida surgida por vontade e determinação divinas. Seus defensores e explicadores afirmam que Deus criou o mundo e todas as coisas, consoante se vê do livro do Pentateuco (obra em cinco volumes). De Moisés, chamado Gênesis, maravilha na qual se descrevem a criação e os tempos primitivos do mundo. Livro fascinante, onde se narra as origens do universo e do gênero humano, até a formação do povo de Israel na sua estada egípcia. Com o Gênese também surge a origem da cultura, de raças e povos, das línguas, do “povo de Deus” e do pecado, essa miséria que, para existir, teria dependido da presença humana de Adão e Eva no Paraíso (Éden delicioso de Adão).
Ordenados a comer de todos os frutos das árvores do paraíso, comeram, entretanto, o que estava proibido; “o da árvore da ciência do bem e do mal”. John Milton, aliás, em o Paraíso Perdido, também conta essa história, onde pela primeira vez no mundo, surgiria a morte e o pecado, de onde emerge a ideia inaugural e maliciosa das vergonhas, até então vistas sem o mínimo sentido pecaminosos. Acontece que nesse contexto também apareceu o Demônio, os anjos, os belos Serafins, da primeira hierarquia, que “encheram o céu com as harmonias dos seus cânticos”, no sábio dizer do velho bruxo Machado de Assis. Era um tempo, portanto, no qual os humanos andavam nus e ninguém se importava com as vergonhas.
A última fonte (invenção portuguesa e forte assimilação brasileira das vergonhas), está registrada no primeiro documento histórico-literário do Brasil, a Carta que Pero Vaz de Caminha (1º de maio de 1500) enviou a El- Rei D. Manoel:
[…] e tanto que ele começou para lá a ir, acudiram pela praia homens, quando dois, quando três, de maneira que, quando o batel chegou à boca do rio, eram ali dezoito a vinte homens pardos, todos nus, sem nenhuma cousa que lhes cobrisse suas vergonhas.
Assim, as nossas partes pudendas viraram História. Foram socializadas e alcançaram o status de palavrão, “coisa feia” e outras invenções “civilizadas”. Vergonha na cara mesmo, o tal brio, continua nos faltando. Ainda bem que a saia, na altura das vergonhas, continua na moda… ora sendo substituída por bermudas ou shorts.
(Martiniano J. Silva, advogado, escritor, membro do Movimento Negro Unificado –MNU, da Academia Goiana de Letras e Mineirense de Letras e Artes, IHGGO, Ubego, AGI, mestre em História Social pela UFG, professor universitário, articulista do DM – martinianojsilva@yahoo.com.br. Obs: O texto acima está sendo republicado a pedido de leitores)