Entretenimento

A sofrência musicada

Diário da Manhã

Publicado em 19 de julho de 2018 às 23:50 | Atualizado há 7 anos

“Iê, iê, iê/ eu quero ver você mo­rar no motel/ Daqui um tempo você vai se acostumar/ E aí vai ser a ela quem vai enganar/ Você não vai mudar”. Passavam das 22h de do­mingo no Setor Crimeia Leste, em Goiânia, quando começou a tocar no alto-falante o clássico da cantora Marília Mendonça. Tinha de traba­lhar no dia seguinte, mas não esta­va preocupado com meus afazeres diários. A canção veio aos meus tím­panos num crescendo ritmado até explodir o refrão. Ainda estava sen­tindo a iminente dor de cotovelo por uma paixão que não fora bem-suce­dida. Se ao término da música Marí­lia Mendonça gerou em mim lem­branças irracionais de ex-parceiras, suas letras de fato fazem jus à alcu­nha de rainha da sofrência.

No instante em que estava com­pletamente anestesiado pelos ver­sos flamejantes da cantora, eis que o rádio começa a ressoar Alô portei­ro. “Moss, agora cê foi longe”, disse o jornalista Thompson Silva, fã de Ma­rília e de música sertaneja. O estra­go sentimental, no entanto, já ha­via sido feito. Não havia mais volta. Minutos antes de colocar a canção para tocar, já tinha compreensão do que poderia acontecer. Sim, o álcool corria pelas minhas veias e fazia de mim uma espécie de Paul Kemp – personagem do livro Diário de um Jornalista Bêbado, do escritor Hun­ter Thompson –, porém sem o gosto excessivo pelo folk intelectualizado de Bob Dylan. Poderíamos tranqui­lamente ser definidos como dois jo­vens alternativos, mas inebriados pela dor de cotovelo.

Com apenas 22 anos, e menos de três de carreira, Marília Mendonça não é apenas a rainha da sofrência. Suas músicas são acessadas por 4,7 bilhões de pessoas no youtube, ela é considerada a cantora mais ou­vida no momento. Para atender à demanda de apresentações pelo País, a produção do show de Marí­lia conta um jatinho particular, uma equipe com cerca de 30 pessoas, um ônibus e uma carreta. Esse sucesso e essa super-produção, na visão da artista, nada mais são do que fruto daquilo que suas letras trazem. Diz ainda que a realidade – nome do seu segundo disco cuja coletiva de lan­çamento contou com a presença de jornalistas do DMRevista – presen­te nas letras tem enorme respon­sabilidade.

Marília garante que o tom rea­lista e pessoal da sofrência presente em sua obra não é determinante na vida amorosa. Ainda que não tenha necessariamente de narrar histórias que aconteceram no cotidiano, a artista afirmou que todo seu traba­lho como observadora e conhece­dora dos mistérios continua. “No novo disco (Realidade Ao Vivo) não tem tantas histórias que acontece­ram comigo”, explica. Questionada sobre a musicalidade das canções, falou que seu ecletismo a conduz por vários influências, o que pode ser constatado tanto pelo pagode, influência do pai, e rock brasileiro, gosto da mãe. Fã da “marvada”, a musa da música sertaneja nunca fez questão de esconder seu lado etíli­co. “Meu tempo livre ou é toman­do uma ou assistindo série e filme”, conta Marília, cujo apreço por uma gelada e pelo estado de tranquilida­de em frente ao netflix faz com que a sertaneja seja parecida com nós.

ORIGENS

Natural de Cristianópolis, cida­de a 90 quilômetros da capital goia­na, onde somente nasceu, a canto­ra Marília Mendonça seguiu com poucos dias para Goiânia, que é tida como o polo de música sertaneja no País. “Cristianópolis foi a cidade onde nasci, mas na verdade fui lá só pra nascer. Tinha um médico que era da confiança do meu pai e ele não podia fazer o parto em Goiânia no dia que eu nasci”, relata. Na pré­-adolescência, Marília não gostava do gênero, preferindo canções de pop rock. Quando começou a tocar na igreja, rabiscou algumas letras que ainda não evocavam o estilo musical que a tornariam famosa. O responsável por colocá-la no cami­nho da dor de cotovelo foi o amigo Eduardo Marques, com quem che­gou a formar a dupla Eduardo e Ma­rília, que durou menos de um ano.

Assim como outros sertanejos famosos que moram em Goiâ­nia, dentre eles Leonardo, Eduar­do Costa e expoentes do feminejo, como Simone & Simaria e Maia­ra & Maraiza, Marília no momen­to mora em um dos vários condo­mínios de luxo que há na capital goianiense. Os imóveis, que cos­tumam ter piscina, vários quar­tos e andares, superam facilmen­te a casa dos milhões de reais e são os mais procurados da cidade. A cantora ainda comprou recente­mente uma chácara em Apare­cida de Goiânia, que custou R$ 2 milhões. Apesar de os locais onde reside sejam diferentes do Parque Amazônia, ela enfrenta os mes­mos problemas do início da car­reira: a reclamação dos vizinhos em função do som alto.

Detentora do título de “rainha da sofrência”, Marília disse que não está habituada à fama e ao contínuo “pi­sar em ovos”. “Muita coisa me as­susta. Ainda não consegui enten­der nada do que aconteceu porque ainda não tive tempo para isso. Se faço um posto no instagram como fazia antes, expressando minha opinião, quando vejo o negócio já está em todos os blogs de fofoca”, explica. Embora demonstre preo­cupação com a opinião pública, a cantora afirma que procura man­ter a normalidade e a autenticida­de em sua vida particular. “Não consigo entender como alguns ar­tistas conseguem viver o tempo in­teiro dentro de uma caixa. Ainda não me adaptei com isso e nem quero me adaptar”, diz.

MERCADO

Faz quase 40 anos que a música sertaneja ganhou força no Brasil. Sempre com letras sofridas, que re­tratam fracassos amorosos, o gêne­ro atingiu maior alcance na década de 1990, quando as duplas Lean­dro e Leonardo, Chrystian e Ralf, Zezé di Camargo e Luciano estou­raram nas rádios pelo Brasil. Nes­te período, Nalva Aguiar e Roberta Miranda despontaram no cenário, abrindo as portas para que o viria acontecer 20 anos depois, com su­cessos de Simone e Simaria e Ma­rília Mendonça. Em entrevista ao Diário da Manhã no ano passado, a cantora disse que já se deparou com mulher chorando em seu ca­marim. “Relacionamento abusivo pra mim não é só aquele em que a mulher apanha e há agressão, mas aquele em que não há res­peito aos sentimentos. E não é só sobre sentimento, algumas vezes, pela minha postura e pela minha autoestima, as pessoas se sentem ajudadas”, afirma.



 

“Relacionamento abusivo pra mim não é só aquele em que a mulher apanha e há agressão, mas aquele em que não há respeito aos sentimentos.” Marília Mendonça


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