Deus Negro
Diário da Manhã
Publicado em 21 de junho de 2018 às 23:46 | Atualizado há 4 meses
Tony Tornado foi front na construção de uma cultura black no País. Antônio Viana Gomes, nome de batismo de Tornado, nascido no interior paulista, na cidadezinha de Mirante do Paranapanema, teve que correr mais um trecho de mundo na busca por espaço para seu talento, voz poderosa e irreverência. Em Paranapanema, sua cidade natal, não coube sua alma de artista subversivo, no começo tachado de “veado”, por conta dos preconceitos interioranos, acabou virando até ameaça à segurança nacional de acordo com a Ditadura militar.
Tony peitou o regime militar somando nove passagens pela polícia em seu currículo de subversão. As prisões foram por conta de suas músicas e discursos. Chegou a cair na mão do temido Dops (Departamento de Ordem Política e Social). Afinal, nada mais contra a ordem do que confrontar a superioridade e exclusividade da cultura branca vigente. Tony ficou exilado de seu País por bastante tempo tendo que transitar entre cinco países diferentes: Uruguai, Angola, Egito, Tchecoslováquia e Cuba.
Sua inspiração veio das expressões culturais negras dos norte-americanos. Seu contato com esse universo veio de sua experiência como imigrante clandestino nos Estados Unidos da América. Trabalhando em subempregos, sofrendo preconceito racial como ainda não conhecia, junto a humilhação lá fora veio também a contestação.
VOLTOU TRAZENDO O BLACK
Quando voltou ao Brasil, chegou causando. Ser black por aqui não era um barato muito comum. As roupas coloridas e extravagantes de quem se orgulha de chamar a atenção para sua cor, o cabelo inegavelmente negro e subversivo. Era um estranhamento no Rio de Janeiro do final da década de 60. Tony rapidamente ocupou seu espaço na chamada cena Black Rio, assim eram denominados os bailes e movimentações negras que emergiam no Rio aquela época, regadas a música estrangeira.
E foi em um festival chamado FIC que, com toda alma preta, Tony conquistou de vez a cena. O júri escolheu para o primeiro lugar do festival a interpretação de Tony Tornado para BR-3. “Há um crime/ No longo asfalto dessa estrada/ E uma notícia fabricada/ Pro novo herói de cada mês na BR-3”. Essa música foi composta por Antônio Adolfo e Tibério Gaspar, que fazia referência à estrada anteriormente denominada BR-135, que ligava o Rio de Janeiro a Belo Horizonte. A música falava dos inúmeros acidentes que ocorriam nesse trecho em 1970. Tony abordava em seu trabalho as questões raciais como no caso da música Se Jesus Fosse Um Homem de Cor (Deus Negro).
Mas foi com essa fama que passou a ser visado pelo regime militar. Era visto como um cara negro que poderia organizar e incitar atos subversivos. Eles temiam que surgisse algo parecido com uma célula dos Panteras Negras por aqui. No ano de 2009 ele cedeu uma entrevista sobre o assunto em que dizia sobre o conturbado período político: “Eles (os militares) aproveitaram a oportunidade porque ‘pô, esse negão tá agitando, vamos mandar ele embora. Ele tá falando pra negrada não alisar mais o cabelo. Ele tá falando que a maneira de se vestir é outra’… entende? ‘Ele é pernicioso’”.
LETRA DA MÚSICA “SE JESUS FOSSE UM HOMEM DE COR (DEUS NEGRO)”, DE TONY TORNADO:
Glória, glória, aleluia
Glória, glória, paz e amor
Gloria, gloria, aleluia
O meu Cristo não tem cor
Talvez ninguém tenha pensando no que eu pensei
Durante a noite que passou
Ou se pensou, ficou calado pra não ver
Um mundo inteiro reagir
A minha fé não modifica e nem se abala
Mas eu não posso me calar
Minha pergunta necessita uma resposta
Será que alguém me pode dar?
Você teria por ele esse mesmo amor se Jesus fosse um homem de cor? (4x)
Glória, glória, aleluia
Glória, glória, paz e amor
Glória, glória, aleluia
O meu Cristo não tem cor
Talvez ninguém tenha passado que eu passei
E os meus problemas são de cor
Eu quis pintar meu céu de azul de amor e paz
E o mundo inteiro não deixou
A minha fé não modifica e nem se abala
Mas eu não posso me calar
Minha pergunta necessita uma resposta
Será que alguém me pode dar?
Você teria por ele esse mesmo amor se Jesus fosse um homem de cor?