Joaquim Roriz, um homem chamado solidariedade
Diário da Manhã
Publicado em 25 de outubro de 2018 às 02:56 | Atualizado há 7 anos
Conheci Joaquim Domingos Roriz em 1978, aos 12 anos de idade, quando residia na cidade de Silvânia.
Foi em época de eleição e a primeira após a abertura do Regime Democrático. Minha mãe, Rita Cordeiro do Vale, ao lado do meu avô Juca dos Santos, um dos fundadores do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) no município, que concorria tão somente com a Aliança Renovadora Nacional (Arena), abraçou sua campanha para deputado estadual.
Quem apresentou Joaquim Domingos Roriz, foram os irmãos coragem: Adhemar Santillo, que concorria para deputado federal e Dr. Henrique Santillo, ao Senado, ambos pelo MDB. Bons tempos aquele!
A minha meninice não atinha ao grande momento de transição democrática que atravessávamos, mas aproveitei muito as noites frias de Silvânia, quando com grude feito de polvilho, afixávamos cartazes aos postes, que no outro dia já estavam cobertos pelos candidatos de oposição. E lá íamos novamente para esta luta interminável. O bom dessa ação era a farofa de carne no final dos trabalhos. Por sorte e por lei, não mais existe este ato errôneo, que somente polui a cidade e que nada acrescenta aos votos.
Outra grande diversão eram os ranchões que se espalhavam na cidade, onde era permitido a distribuição de comida, bebida e muita música. Os arrasta-pés iam até as 22:00 horas durante os dias úteis, se estendendo até mais tarde nos finais de semana. Embora as animosidades partidárias eram aguçadas, não me lembro de brigas e desatinos nos ranchões, pois cada qual ia para os redutos de seus partidos, que era de um lado ou de outro. Os indecisos e desapaixonados iam nos dois.
Por termos na época somente um vereador apoiando – o saudoso Osmar Souza – Joaquim Domingos esperava no máximo 200 votos, mas conseguimos dar a ele 600, que por termos um candidato da cidade na oposição, José Denison de Souza, foi uma votação expressiva. Por este feito, ele sempre teve um carinho especial por meus pais e familiares.
Mas não quero falar do político – que possui seus méritos e deméritos como todos – pois muitos já o fez com maior competência e propriedade, mas quero me lembrar neste momento do ser humano religioso, humano, humilde, solidário, amigo e de uma gentileza ímpar.
Pai zeloso, esposo exemplar, amigo condescendente, ser humano de raras qualidades, a maior delas a generosidade.
Uma informação recebida do confrade Olívio Lemos, da querida cidade de Vianópolis, me trouxe a notícia do seu falecimento, me fez, mesmo com inúmeras atribuições e contratempos, a escrever este artigo.
Poucos sabem, que Roriz no final da década de 70, quando resolveu entrar na vida pública, chamou seu irmão Zequinha e lhe disse que entraria para a política e que não mais iria tocar os negócios de uma empresa mineradora que tinham e, que iria ficar somente com as fazendas.
Perguntou ao seu irmão se tinha interesse em continuar, mas este não quis. Foi quando Joaquim Roriz disse ao mesmo que se desfizesse dos caminhões, maquinários, oficinas, mas que os vendessem aos seus funcionários, na condição que pudessem pagá-los. A maioria deles teve suas dívidas estendidas por três ou quatro anos. Praticamente todos, hoje, são grandes empresários.
No dia 13 de dezembro, sempre ocorre o leilão de Santa Luzia, comandado a vários anos pelo também leiloeiro Olívio Lemos. Este me relatou que sempre Joaquim Roriz pegava o microfone e dizia que em um leilão beneficente, da mesma forma que temos que comprar bons animais, também devemos doá-los com a mesma qualidade para as causas sociais. Assim fazia em seu nome, de sua esposa Wesley e de suas filhas, cada um doando um bom animal.
Em 1988, quando foi interventor na prefeitura de Goiânia, tive o convite para ir trabalhar com ele na Comissão que apurava as irregularidades na gestão de Daniel Antônio (PMDB), ao lado dos eminentes e brilhantes advogados Dr. Fleury e Dr. Zuza, onde aprendi muito sobre direito e tomei gosto pela redação e pelo direito administrativo.
Neste mesmo ano, fui nomeado a pedido dele, para um cargo que não estava à altura de um jovem de 19 anos à época. Chamou em seu gabinete o então presidente da Companhia de Urbanização de Goiânia (COMURG), doutor Fause Musse, pedindo que nomeasse no melhor cargo disponível, mas que eu permanecesse à disposição de seu gabinete.
Neste dia, quando aguardava a vinda do presidente em seu gabinete, me sentindo a pessoa mais valorizada e importante da terra, presenciei uma cena inusitada. Uma liderança de bairro de Goiânia levou até ele uma demanda de uma cirurgia, com laudos em mãos, que a rede municipal e nem a estadual fazia. Ele, silenciosamente, pegou o seu talão de cheques e disse: a prefeitura não pode custear esta despesa, mas pagarei do meu bolso, mas peço sigilo nesta doação.
O gesto me emocionou muito, pois o valor não era pequeno. Vi lágrimas nos olhos do requerente e dele somente o silêncio e a condescendência de um ato que o tornaria mais respeitado e querido por mim e por quem recebia aquela doação que ele sequer conhecia.
Trabalhei, a pedido do deputado estadual Marconi Perillo, na Terracap em Brasília, onde fui nomeado em outro excelente cargo, pois a Constituição de 1988 fizera com que eu perdesse o meu na Comurg. Roriz que havia sido nomeado recentemente governador do Distrito Federal, nos recebeu às 07:00 horas da manhã, com um laudo café da manhã no Palácio das Águas Claras, sempre com uma gentileza e carinho que somente ele conseguia destinar. Saímos de lá e fomos direto ao seu gabinete, onde ele determinou minha nomeação na empresa. Mais uma que coloquei na conta de bondade dele e do deputado estadual à época Marconi Perillo.
Quem não sabe valorizar o amigo, é porque nunca o teve. O passado se não nos é interessante e marcante, parece que nunca existiu. Mas os bons amigos, são aqueles que estão ao nosso lado nos momentos de dificuldades, pois de facilidades, nunca nos faltarão.
Roriz destinou provas de apreço por minha família que são impagáveis. Nunca nos faltou o sorriso largo, o abraço apertado, o tom de voz alta e firme, sempre com muita alegria quando me encontrava, sempre perguntando por minha mãe e família. Aprendi muito com este ser humano de qualidades ímpares.
Nos damos conta de que estamos ficando velhos, quando as notícias de falecimento começam a nos chegar com mais frequência. No alto de seus 82 anos de idade, Joaquim Roriz há muito lutava contra o diabetes, era doente renal crônico e cardiopata. Roriz não resistiu a uma traquestomia, depois de sofrer uma isquemia. Ele estava internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), do Hospital de Brasília, no Lago Sul, desde 24 de agosto.
O governador de Brasília, Rodrigo Rollemberg, decretou luto oficial por três dias e disse: falar de Roriz é falar da história de Brasília, de sua consolidação como a capital da República.
Disse ainda o socialista: “Brasília perde um realizador, um homem com fortes laços com a população mais humilde e que souber ser visionário numa cidade idealizada por outros visionários, e construída por candangos pioneiros, que Roriz tanto se preocupou e abrigou”.
Se ocorreram tropeços em sua vida pública, garanto-lhes que em momento algum foi em benefício próprio, pois ele sempre foi muito bem resolvido economicamente. A bondade de Roriz, ouvi de um amigo parlamentar, tornou-se seu principal algoz.
Mas Roriz estará sempre no panteão dos grandes políticos brasileiros, onde a gerenorisade, amabilidade com os mais humildes, companheirismo, fidelidade com seus amigos e extrema generosidade com quem esteve ao seu lado, são seus maiores legados.
A morte ainda é um dos maiores mistérios da vida. É inevitável nos questionarmos o porquê de termos que nos despedir de alguém que temos apreço e amamos, ou mesmo temer o nosso próprio fim.
Há, no entanto, milhões de possibilidades de lidarmos e refletirmos a morte não apenas como um momento unicamente de dor, mas como parte incontornável da vida. Quem sabe, pensando e aprendendo sobre esse indubitável acontecimento, podemos encará-lo de forma mais corajosa.
Bertolt Brecht nos disse que devemos temer menos a morte e mais a vida insuficiente, que às vezes levamos. Já o maior médium brasileiro, Chico Xavier, que nos deixou um legado de exemplos, disse: Viva como quem sabe que vai morrer um dia, e que morra como quem soube viver direito.
Joaquim Domingos Roriz, soube o verdadeiro sentido de viver.
Ao seus familiares, amigos e companheiros de caminhada, deixo aqui o meu abraço fraterno.
(Cleverlan Antônio do Vale Administrador de Empresas, Gestor Público, Pós-graduado em Políticas Públicas e Docência Universitária, Membro da Cadeira no. 15 da Academia Silvaniense de Letras, Artes e História de Silvânia, Articulista do DM – cleverlanva[email protected])