Manuel Vitória, o Bonsucesso, o Morro de Santo Antônio e Senador Canedo
Diário da Manhã
Publicado em 16 de outubro de 2018 às 22:29 | Atualizado há 4 meses
A região denominada Bonsucesso, hoje integrada à cidade de Senador Canedo, com seu belo morro de Santo Antonio, com os setores Parque Alvorada e Morada do Morro, foi, em dias do século XIX e primeiros quartéis do século XX, integrada à divisa entre as cidades de Suçuapara e Campininha das Flores de Goyaz, região de grande beleza natural, com córregos piscosos; dentre eles o Bonsucesso e o Buriti Sereno, além de belo panorama de matas nativas e campos cobertos de pequenas flores e a bela Serra da Canastra; os morros Pelado e Serrinha; era estrada de quem seguia da velha capital da Província, para Santa Cruz de Goyaz, caminho percorrido por muitos viajantes que descreveram esse local, com suas dificuldades próprias da época.
Ali, também, era a fazenda “Vargem Grande” do rico Coronel José de Araújo Mello, sogro do prestigiado Senador Antonio Amaro da Silva Canedo, que deu sequência à liderança social e política da localidade; seguindo de seu descendente, Antonio Canedo que, inclusive, segundo depoimento das Vicentinas em Goiás, foi o vendedor das terras para se fundar em nosso Estado, em 1940, a “Colônia Santa Marta”.
Sobre a Colônia Santa Marta, hoje Hospital de Dermatologia Sanitária (HDS) é importante frisar que, no então terreno doado por Antonio Canedo, o Interventor Pedro Ludovico Teixeira iniciou, em 1941, a construção dos primeiros pavilhões para os internos e as dependências onde funcionariam o dispensário e a internação dos vários hansenianos que chegavam de muitas regiões do Estado.
Deve ser lembrado o abnegado trabalho do Dr. Rodovalho Mendes, Mário Porto, Pe. Rodolfo Telmann e as irmãs de Caridade Irmã Luiza Ventura, Irmã Luzia Dornelles, Irmã Margarida Duarte, Irmã Maria José de Oliveira Guerra e Irmã Olinda Mourão, arregimentadas pela Irmã Marie Antoinette Blanchot. Para se ter uma ideia do avanço da Colônia Santa Marta, naquela época, chegou a ter 514 hansenianos em tratamento. A Colônia Santa Marta merece, aqui, o registro de sua importância para a região do Bonsucesso e para o triste destino daqueles que ficavam reclusos do convívio com a família.
A partir de 1909, com a penetração da Estrada de Ferro em Goiás, acontece um grande surto de desenvolvimento e progresso naquela região. Muitos anos foram necessários para que a estrada viesse por Cumari, Anhanguera, Ipameri, Pires do Rio, Silvânia, Leopoldo de Bulhões. Era o final dos anos de 1930, quando, próximo ao Bonsucesso, surge o lugarejo que tinha a denominação de Esplanada e depois São Sebastião. Ali, era a última estação antes de Goiânia que surgia em meio às campinas, cujo serviço de extensão foi realizado pelo notável engenheiro Cyridião Ferreira da Silva (1895-1983) pai da renomada escritora Dra. Lena Castelo Branco Ferreira de Freitas. Este profissional, a partir de 23 de maio de 1949, passou a fazer parte da comissão para estudos da construção da Estação Ferroviária de Goiânia. Somente em 20 de maio de 1950 chega a primeira locomotiva da Estrada de Ferro Goiás a Goiânia.
Fato interessante e desconhecido de um modo geral é que, na região do Bonsucesso, imperou também, desde os finais do século XIX a valentia do conhecido “Mané Vitória”, rico fazendeiro e mandatário que, ao seu tempo, dominou esposa e filhos, agregados e vizinhos pela sua maneira irreverente e agressiva no trato com os outros no seu feudo, a “Fazenda Bonsucesso” que compreendia grande extensão de terras que iam até as nascentes do córrego Bonsucesso, perto de Goianápolis e vizinho da fazenda de Antonio Canedo, onde se instala hoje as grandes indústrias da cidade de Senador Canedo, a Colônia Santa Marta, o Morro de Santo Antonio que tinha, inclusive, no alto, uma capelinha romanesca e evocativa, hoje ao que se sabe, desaparecida, tendo ao seu local um Cristo de braços abertos abençoando o povo.
Manuel Marques dos Santos, apelidado de Mané Vitória, nasceu em Bela Vista de Goiás em 1875, filho de Antonio Marques Saturnino e Maria dos Santos Gonçalves. Estabeleceu-se, desde cedo, como negociante de gado e comissário, comprando terras na região do Bonsucesso, até então, caminho de quem seguia com destino à velha capital do Estado, Cidade de Goiás. Casou-se em 1896 com Anna Emydia dos Santos (Sinhana), com quem teve 14 filhos, todos criados na região do Bonsucesso.
Com sua fazenda já de grande porte pela quantidade de gado, agregados, retiros e trabalho; ostentava título de homem respeitado e acatado, inclusive pela truculência com que tratava seus peões e a própria família. Eram os seus filhos, a maioria mulheres, para o seu desagrado: Honestina, Benedita, Maria, Bellarmina, Isabel, Geralda, Adelina, Idalina, Rita, Sebastião, Olímpio, Dimas, José e João, nove mulheres e cinco homens!
Dentre as pesquisas que realizamos, destaca-se que sua filha Honestina Marques dos Santos nasceu em 1897 (recebeu esse nome por causa de seu compadre Honestino Guimarães) e em 26 de junho de 1928 casou-se com João dos Reis e Silva, próspero fazendeiro em Barro Preto. Esse casamento ocorreu na Matriz de Campinas.
Adelina Marques dos Santos casou-se em 11 de outubro de 1930 em Campinas com Pedro Felicíssimo de Carvalho, natural de Suçuapara, filho de Miguel Carvalho e Maria Jacob Miguel. O padrinho do casamento foi Licardino de Oliveira Ney. Passou a residir em Bela Vista de Goiás.
Isabel Marques dos Santos casou-se em 29 de maio de 1933 na paróquia de Campinas com Manoel Antonio de Carvalho e passou a residir em Bela Vista de Goiás.
Idalina Marques dos Santos casou-se em Campinas em 15 de abril de 1934 com Galdino Dias da Silva, filho de Joaquim Dias da Silva e Maria Benedita Arriba, naturais do Bonsucesso. O casamento foi oficiado pelo padre Pelágio Sauter.
Bellarmina Marques dos Santos casou-se em Campinas em 13 de fevereiro de 1926 com Camillo Gonçalves de Almeida, natural de Bela Vista de Goiás, filho de José Gonçalves de Almeida e Tereza Ferreira de Araújo. Viúva, com dois filhos, casou-se em segundas núpcias com Benedito Pereira Gonçalves, também natural do Bonsucesso, filho de Francisco Pereira Gonçalves e Maria Luiza de Mello. Desse casamento, Bellarmina teve mais três filhos. Ambos faleceram ainda jovens, deixando todos os filhos na orfandade.
Sua esposa Anna Emydia dos Santos (Sinhana) faleceu em dia de festa e mutirão na Fazenda Bonsucesso em 1931, deixando os seus 14 filhos órfãos e sob o comando truculento do pai.
Prova da barbaridade das ações de Manoel Marques dos Santos ocorreu quando sua filha Benedita Marques dos Santos decidiu pelo casamento aos 16 anos de idade, em 1914, mesmo contra a vontade do pai. Audaciosa, ela fugiu com o noivo numa noite de chuva, buscando abrigo na Fazenda Criméia, em Campininha das Flores, de seu padrinho Francisco Alves de Araújo, que se encontrava doente, assistido pelos familiares Otávio Tavares de Moraes, Maria Alves de Mello, Urias Alves de Magalhães, Cândida Tavares de Moraes e Maria Alves de Magalhães. Ali o casal se refugiou uma noite.
Manuel Marques dos Santos contratou um pistoleiro que seguiu o rastro do casal fugitivo. Depois que eles deixaram a Fazenda Criméia, seguiu pela estrada antiga que dava caminho à Fazenda Caveira, de Joaquim Lúcio Tavares e iria desembocar no então distrito de Trindade; foram assassinados com vários tiros e seus corpos atirados num buritizal que havia, e hoje está o Terminal Rodoviário de Goiânia. No local onde o sangue inocente foi derramado plantou-se duas pequenas cruzes que, por anos, eram vistas pelos carreiros e tropeiros que cortavam esses sertões longínquos.
Quase 20 anos depois, em 1933, esse local já faria parte das terras em que seriam construídas as primeiras casas da nova capital de Goiás, vendidas por herdeiros de Francisco Alves de Araújo ao Governo de Goiás, através do Dr. Heiltor de Moraes Fleury, conforme constam no livro Como nasceu Goiânia, de Ofélia Sócrates do Nascimento Monteiro, publicado em 1938.
Com esse crime bárbaro que ficou impune, houve grande revolta dos filhos de Manuel Marques dos Santos. A grande maioria abandonou o lar, houve a divisão das terras da Fazenda Bonsucesso e o grande e implacável homem de teres e haveres, findou seus dias sozinho e abandonado, com mais de 90 anos, vivendo à custa da caridade pública, num pequeno barraco que ganhou para morar no município de Iporá.
Era o fim do temido Coronel Manuel Marques dos Santos, Manuel Vitória, do Bonsucesso, da antiga Suçuapara dos últimos anos do século XIX e primeiros anos do Século XX.
Hoje todo esse mundo é Senador Canedo… com novas histórias, infelizes ou felizes, do imenso fadário humano!
Título de Eleitoral de Geralda Alves de Magalhães, afilhada de Benedita Marques, do Bonsucesso, e que tinha um ano de idade quando sua madrinha pernoitou em sua casa na
(Bento Alves Araújo Jayme Fleury Curado, graduado em Letras e Linguística pela UFG, especialista em Literatura pela UFG, mestre em Literatura pela UFG, mestre em Geografia pela UFG. Doutor em Geografia pela UFG, pós-doutorando em Geografia pela USP, professor, poeta – bentofleury@hotmail.com)