As crianças de Janusz Korczak
Diário da Manhã
Publicado em 16 de outubro de 2018 às 01:27 | Atualizado há 4 meses
Em 1942, 192 crianças judias eram mantidas em um orfanato na Polônia por Janusz Korczak. Médico pediatra, alterou a ideia que o mundo tinha a respeito das crianças, tendo sido precursor das iniciativas em prol dos direitos da criança e do reconhecimento da total igualdade que hoje encontramos nas Escolas Democráticas. Morreu ao lado das crianças de seu orfanato em um campo de concentração.
Janusz Korczak, pseudônimo de Henryk Goldszmit, também conhecido como o Velho Doutor ou o Senhor Doutor, nasceu em Varsóvia, capital da Polônia, no dia 22 de julho de 1878, e foi assassinado em Treblinka, um campo de concentração, dia 6 de agosto de 1942.
Foi médico, pediatra, pedagogista, escritor, autor infantil, publicista, activista social, oficial do Exército Polaco.
Um pedagogo inovador e autor de obras no campo da teoria e prática educacional. Foi precursor nas iniciativas em prol dos direitos da criança e do reconhecimento da total igualdade das crianças que hoje encontramos nas Escolas Democráticas.
ORFANATO
Na qualidade de diretor de um orfanato, instituiu, entre outros, um tribunal de arbitragem de crianças, no âmbito do qual as próprias crianças avaliavam as causas apresentadas por elas mesmas, podendo também levar a tribunal os seus educadores.
O famoso psicólogo suíço, Jean Piaget, que visitou o orfanato Dom Sierot (A Casa dos Órfãos), fundado e dirigido por Korczak, disse dele o seguinte: “Este homem maravilhoso teve a coragem de confiar nas crianças e nos jovens, com os quais trabalhava, ao ponto de transferir para as suas mãos as ocorrências disciplinares e de confiar a certos indivíduos as tarefas mais difíceis e de grande responsabilidade”.
Korczak criou a primeira revista redigida a partir de textos enviados por crianças, que se destinava sobretudo a jovens leitores, A Pequena Revista. Foi igualmente um dos pioneiros dos estudos sobre o desenvolvimento e a psicologia da criança, bem como do diagnóstico da educação.
Era judeu-polaco e que toda a sua vida afirmou pertencer às duas nações, a hebraica e a polaca.
Em 1939 a Alemanha invade a Polônia dando início à 2.ª Guerra Mundial.
A Polônia lutou ao lado do exército russo, portanto das forças aliadas.
DIREITOS DAS CRIANÇAS
Korczak dedicou sua vida ao bem estar das crianças. Era defensor da emancipação da criança, da sua autodeterminação e do respeito pelos seus direitos. Os princípios da democracia, que Korczak aplicava de igual modo tanto às crianças como aos adultos, eram implementados no quotidiano nos seus orfanatos sob a forma de autogestão dos educandos.
“Uma criança compreende e raciocina como um adulto, só que não possui a sua bagagem de experiência”. Também é dele a frase: “As crianças têm o direito de serem tratadas pelos adultos com carinho e respeito, como iguais”.
Korczak afirmava que o lugar da criança era na companhia dos seus pares e não isolada em casa.
Esforçou-se para que as crianças aperfeiçoassem as suas primeiras convicções e ideias principiantes, se sujeitassem ao processo de socialização e, assim, se preparassem para a vida adulta.
Esforçou-se por assegurar às crianças uma infância despreocupada, o que não quer dizer isenta de obrigações. Considerava que as crianças deveriam compreender e experimentar emocionalmente determinadas situações, tirar conclusões por elas próprias e eventualmente prevenir prováveis consequências. “Não existem crianças, existem sim pessoas”, escreveu Korczak.
Korczak considerava todas as crianças, que tratara ou educara como suas. Esta sua postura viria a ser confirmada pela sua atividade posterior. As suas convicções altruístas também não lhe permitiam favorecer ou distinguir o pequeno grupo dos seus educandos preferidos. Não considerava a família tradicional como o vínculo mais importante e fundamental dos laços sociais. Não aceitava o papel que ela desempenhava nos meios conservadores cristãos e tradicionais judaicos da sociedade.
GUETO DE VARSÓVIA
Quando os nazistas criaram o gueto de Varsóvia, seu orfanato foi transferido para lá. Imediatamente após a ocupação alemã da Polónia em 1939, os alemães começaram a planejar o isolamento da população judaica de Varsóvia num gueto.
O Gueto de Varsóvia foi o maior gueto em referência aos judeus estabelecido pela Alemanha Nazista na Polônia durante o Holocausto, ao tempo da Segunda Guerra Mundial. Nos três anos da sua existência, a fome, as doenças e as deportações para campos de trânsito e concentração reduziram a população estimada de 380 000 para 90 000 habitantes.
Janusz Korczak não foi forçado a se mudar com eles para o Gueto de Varsóvia, ele se recusou a deixar as crianças para trás.
Apesar da falta de comida e da pobreza generalizada no gueto, Janusz lutou por recursos financeiros para sustentar as crianças.
Entretanto, acima de tudo, Janusz lutou para que, a despeito das condições adversas, as crianças pudessem manter uma vida parecida com a que levavam antes.
Vários grupos de resistência ofereceram ajuda para que Janusz deixasse o gueto. Ele recusou todas as ofertas e se manteve firme ao lado das 192 crianças de seu orfanato.
MARCHA PARA MORTE
Em 22 de julho de 1942 teve início a expulsão em massa dos habitantes do Gueto de Varsóvia para os campos de trânsito e de concentração. Nos 52 dias seguintes, cerca de 300.000 pessoas foram levadas para o campo de trânsito de Treblinka e reassentadas em minsk ou mandados para Majdaneck ou Auschwitz.
Em julho de 1942 teve início o extermínio de judeus do gueto e, em 5 de agosto, soldados alemães chegaram para recolher os 192 órfãos e levá-los para o campo de extermínio em Treblinka.
Na manhã de 5 ou 6 de agosto de 1942, o terreno do chamado Pequeno Gueto foi cercado pelas tropas da SS (organização paramilitar ligada ao partido nazista de Adolf Hittler) e por polícias das forças ucranianas e letãs. Durante a chamada ‘Grande Ação’, ou seja, a principal etapa de exterminação da população do gueto de Varsóvia por parte dos Alemães, Korczak recusou, pela segunda vez, a proposta para se salvar por não querer abandonar as crianças e os funcionários de Dom Sierot.
DEPORTAÇÃO
No dia da deportação do gueto, Korczak acompanhou o cortejo dos seus educandos rumo ao Umschlagplatz, de onde partiam os comboios para os campos de extermínio. Nesta marcha seguiam cerca de 200 crianças e algumas dezenas de educadores, entre eles, Stefania Wilczyńska. A sua última marcha transformou-se numa lenda. Tornou-se um dos mitos da guerra e um dos temas mais recordados, ainda que nem sempre consistente e confiável nos pormenores.
“Não pretendo ser iconoclasta, nem desmistificador de mitos, mas tenho de contar o que então vi. Pairava no ar uma enorme inércia, um automatismo e uma apatia. Não era visível comoção pelo facto de Korczak seguir no cortejo, não houve saudações (tal como alguns descrevem), também não houve de certeza a intervenção dos enviados do Judenrat (Conselho Judaico), nem ninguém se aproximou de Korczak. Não houve gestos, não houve cantos, não havia cabeças orgulhosamente erguidas; não me lembro se alguém empunhava o estandarte de Dom Sierot – há quem diga que sim. Havia um silêncio tremendo e exausto. (…) Uma das crianças segurava Korczak pela roupa ou talvez pela mão; seguiam como que em transe. Acompanhei-os até ao portão do Umschlag” …
De acordo com outras versões, as crianças marchavam em linha de quatro e transportavam a bandeira do Rei Mateusinho I, o herói de uma das histórias escritas pelo seu educador. Todas as crianças levavam consigo o seu brinquedo ou o seu livro preferido. Um dos rapazes à cabeça do cortejo, tocava violino. Os Ucranianos e os SS batiam com os chicotes e disparavam sobre a multidão de crianças, embora o cortejo fosse encabeçado por um destes homens que, pelo visto, nutria alguma simpatia pelas crianças.
SACRIFÍCIO
Janusz, determinado a acalmar o medo das crianças e dar conforto a elas, pediu que as mesmas fizessem as malas, e foi caminhando de mãos dadas com uma criança. As outras, todas vestidas com as melhores roupas, o seguiram.
Quando estavam chegando ao destino, um oficial da SS reconheceu Janusz e ofereceu a ele mais uma vez a oportunidade de escapar. Outra vez, ele se recusou a deixar as crianças.
Janusz sacrificou a própria vida para confortar e acalmar as crianças. Morreu juntamente com os seus educandos no campo de extermínio nazista de Treblinka.
Sua generosidade e humanidade são um facho de luz num momento de escuridão: “Não vim ao mundo para ser amado e admirado, mas sim para amar e agir. Quem me cerca não tem o dever de me amar. Ao contrário, é meu dever estar consciente do mundo e dos homens”. Janusz Korczak.