Tributo a Hélio Jaguaribe
Diário da Manhã
Publicado em 15 de outubro de 2018 às 23:29 | Atualizado há 7 anos
Faleceu recentemente o último grande intérprete do Brasil: o cientista político Hélio Jaguaribe. Falemos um pouco dele e de sua trajetória em vida.
Hélio Jaguaribe nasceu no Rio de Janeiro, no dia 23 de abril de 1923. Graduou-se em direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Exerceu a advocacia por pouco tempo. Sua verdadeira paixão intelectual voltava-se para o estudo das ciências sociais, especificamente, a área que o notabilizou como grande pensador do Brasil reconhecido internacionalmente: a ciência política.
O autor de “Desenvolvimento político” foi um cientista social de grande erudição e de imenso fôlego intelectual. Seus 40 livros são o retrato de uma vida produtiva repleta de inteligência, originalidade e amor pelo seu país. Muitos desses livros são leituras obrigatórias para aqueles que intencionam entender o Brasil e a América Latina.
Hélio Jaguaribe pertenceu a uma classe de intelectuais cujo olhar voltou-se para o entendimento do país, os mestres do pensamento. Enquadram-se nessa categoria gigantes da intelectualidade brasileira. Todos, infelizmente, já falecidos. Esse é o caso do economista Celso Furtado, do sociólogo Gilberto Freire, do historiador Sérgio Buarque de Holanda (pai do cantor Chico Buarque) e do jurista Raymundo Faoro.
Sob a liderança de Hélio Jaguaribe, foi instituído, nos anos de 1950, o mais importante centro pensante de análise e crítica da realidade brasileira: o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB). O ISEB propunha-se a elaborar instrumentos teóricos voltados para o incentivo e a promoção do desenvolvimento nacional.
A ideologia isebiana influenciou diretamente o governo de um dos mais criativos presidentes da República do Brasil ? Juscelino Kubistchek. Os “50 anos em 5” desse governo pregavam que o desenvolvimento brasileiro aceleraria 50 anos durante o mandato de Juscelino. Mais que um lema, os intelectuais do ISEB foram decisivos na concepção da ideologia do nacional desenvolvimentismo cooptada e implementada nos anos dourados do governo J.K.
Vieram, então, os duros tempos da Revolução (ou seria golpe?) e com eles uma nova ideologia não condizente com aquela propagada pelos intelectuais do ISEB. Aquele ambiente repressor calou a voz de inúmeros pensadores, mas não a do corajoso Hélio Jaguaribe, que fez duras críticas públicas ao regime. Depois disso, partiu com a família para os Estados Unidos e lá tornou-se professor de três das mais importantes universidades do mundo: Harvard, Stanford e do respeitado Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).
Após cinco anos de intensa atividade acadêmica na América do norte, Hélio Jaguaribe voltou a viver no Brasil. Nessas alturas dos acontecimentos, o autor de “Um Estudo Crítico da História”, já era um intelectual de prestígio internacional. Todo o mundo acadêmico ambicionava tê-lo no seu corpo docente. Ante tantas opções de trabalho, a Universidade Cândido Mendes acabou tirando a grande sorte: o autor de “Reforma ou caos” aceitou pertencer ao seu corpo docente.
Hélio Jaguaribe foi, antes de tudo, um talentoso autodidata. Não tinha mestrado nem doutorado. Sua imensa cultura era o resultado de um estilo de vida voltado para leitura de grandes autores clássicos. Clássicos que ele não só lia, mas também produzia. Esse é o caso de
“Dependência Político-econômica da América Latina” e “Um Estudo Crítico da História”, que são dois seminais clássicos de um intelectual que ousou voltar seu olhar reflexivo não somente para seu país, mas também para a o mundo.
Três universidades concederam, pelo conjunto das obras, títulos de doutor honoris causa a esse ex-professor de Harvard. São elas: as universidades de Mainz, na Alemanha; a de Buenos Aires, na Argentina e da Paraíba, no Brasil.
As obras de Hélio Jaguaribe receberiam ainda mais uma honraria. Essa ocorreu no dia 3 de março de 2005. A partir dessa data, esse intelectual isebiano tornar-se-ia imortal da Academia Brasileira de Letras. Ocupou a cadeira número 11, que pertencera a outro grande intérprete do Brasil: o economista Celso Furtado.
Hélio Jaguaribe foi um dos mentores intelectuais do PSDB. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, amigo próximo desse imortal, enfatiza a generosidade e a inteligência como traços marcantes de sua personalidade. E pude, pessoalmente, comprovar essa qualidade dele numa viagem que fiz à capital de Cuba ? Havana. Hélio Jaguaribe ia, no mesmo voo, para um congresso internacional de sociologia que se realizava na capital cubana. Sentou-se ele bem ao meu lado. No momento que o reconheci, um misto de admiração e respeito tomou conta de mim. Era como se o apóstolo São Paulo aparecesse para um pároco de aldeia.
Sua simpatia mostrava-se viva no seu largo sorriso e na cordialidade do trato. Lembro-me de que lhe comentei que estava à procura de um modelo de desenvolvimento político que me ajudasse a entender os últimos 50 anos da política goiana. “Leia meu livro Desenvolvimento Político, lá você encontrará as variáveis que você necessita para alimentar o modelo.” Dito e feito. Um ano depois, concluí o livro e enviei-lhe sem esperar que ele me respondesse. Dias depois, fui surpreendido com um e-mail dele com elogios e algumas sugestões que muito me foram úteis para aprimorar a segunda edição de meus escritos. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso estava certo. A generosidade aliada à aguda inteligência expressam a grandeza do último grande intérprete do Brasil, o imortal Hélio Jaguaribe Gomes de Mattos.
(Salatiel Soares Correia, engenheiro, bacharel em Administração de Empresas, mestre em Planejamento Energético pela Unicamp. É autor, entre outras obras, de A Construção de Goiás)