Desmaiando de medo
Diário da Manhã
Publicado em 11 de outubro de 2018 às 04:56 | Atualizado há 7 anos
“O dicionário é estojo das palavras, O pensamento é o motor das ideias, O cérebro é a maquina de iluminar sonhos”
Extraído do texto “O Acendedor de Prantos” de Gabriel Nascente – Poeta Brasileiro – Prêmio ABL de Poesia
Estou, de novo, aboletado num desses confortáveis ônibus que o governo — todos, das vinte e sete unidades federadas do Brasil e do resto do mundo — chama de transporte público, fazendo-nos crer que tudo que vem de governos é só porcaria e não tem nada de público, vez que são empresas privadas que exploram o serviço e, como todos sabem, empresários vivem de lucros. Quem dizia isto era um sujeito bem apessoado e alegremente contava que quem começou com uma ximbica agora tem milhares de ônibus caindo aos pedaços, com ramificações na pecuária leiteira, de corte, reprodutores de onde se coletam sêmen para duzentos mil filhotes vendidos à bagatela de um milhão de reais cada, além de forte atuação na construção civil, naval, aviação espacial, indústrias química e automotiva, tecelagem, exploração de rodovias e neca de ferrovias que pudessem tirar uma carga enorme de asfalto, pneus, peças, e mais uma gama enorme envolvendo esse setor sem falar na poluição ambiental pelos gases tóxicos emitidos pelos veículos.
Estava me dirigindo — continuava ele — de onde estivera bestando para me deleitar com os chorinhos de Waldir Azevedo, Pixiguinha e Paulinho da Viola, lá no antigo Grande Hotel da rua 3 esquina com Av. Goiás, quando um buraco enorme no asfalto provocou uma estrondosa bacada e quem estava em pé (a maioria), se elevou com muitos batendo a cabeça no teto e incontinenti foram puxados (força da gravidade, sabe como é!) batendo os pés com tanta força que quase furam o assoalhado com gente xingando o prefeito de tudo quanto é nome e, quem estava sentado, alçou um vôo desengonçado e, da mesma forma, voltou numa força triplicada pelo peso do corpo que o fez quebrar o assento, machucando as partes pudendas no ferro que divide os duros bancos exclamando aiaiai!!! rebaixando o prefeito para um grandessíssimo filho da p… e quintuplicaram os elogios à senhora sua mãe e outros que perderam a voz, emitiam um grunhido de leitão espremido na cerca e da nave terrestre faltou um tantinho assim para esboroar-se de todo. Não apeamos e o furioso motorista seguiu a rota com uma cara enfezada demonstrando que estava prontinho pra briga, bastando um qualquer ‘cê num viu o buraco não?… Hein? … Tá cego?… Pra ele cobrir o cabra ou a cabrita no tapa.
Percorremos mais umas duzentas léguas pra chegar ao destino e lá chegando fui informado, por um outro vidrado em chorinhos, que não ia ter espetáculo por causa das eleições que ensejaria candidatos a criar prosélitos que beiram ao fanatismo na tentativa de angariar votos para poderem continuar vivendo no céu por mais quatro ou oito anos. — Aqui procêis, ó!!! — Retorquiu o outro fã, mostrando um muque desse tamanho, já entrando numa crise apoplética só de imaginar algum candidato interrompendo uma maviosidade do Paulinho da Viola ou um solo magistral do Waldir no seu cavaquinho, lamentando que no nosso Brasil não tenha um tsunami para levar de cambulhada esses urubus, (sem querer ofender nossos amados urubus que prestam um grande serviço à humanidade) pra Tonga da mironga e, num olhar fuzilante e a mão direita sob a camisa num claro gesto de sacar um treis oitão, me perguntou se por acaso eu era candidato a qualquer cargo, já que qualquer zé ruela pode ser candidato e ainda tem verba eleitoral (do povo) para comer e beber do bom e do melhor, e se não fosse candidato, que fizesse o favor de lhe dizer em quem eu vou votar pra presidente — continuou ele — e rápido como um Bily The Kid, enfiou as duas mãos sob a camisa ameaçando sacar duas pistolas Smith & Wesson ou duas peixeiras amoladíssimas, ato que me deixou de pernas bambinhas e nessa hora implorei à Deus pra mandar um sismo que abrisse um buraco mode eu socar no mundo, enquanto ele, escumando os cantos da boca, falava que não agüentava mais ver ladrão mandando nele e que tava doidinho pra estripar um que não fosse votar no candidato certo e repetiu um monte de vezes: — Fala logo em quem tu vai votar, siô! Ôce é home ou é um bago de mi? — Nessa hora o bem apessoado estava rindo à bandeira despregada — e só sei que acordei numa ambulância que zunia no mundo com sirene disparada e uma enfermeira lindona e boazuda, me estapeava a cara com muito carinho e cochichando na minha orelha, toda dengosa: — Acorda meu neguim, pra contar aqui pra mamãe qual foi a qualidade de bicho que tu viu e que te fez desmaiar e mijar na carça, conta!
(Alcivando Lima. alcivandoli[email protected])