Qual a mea-culpa dos historiadores que não conseguem vencer os memes?
Diário da Manhã
Publicado em 9 de outubro de 2018 às 02:54 | Atualizado há 7 anos
Em vésperas de uma possível eleição de Jair Bolsonaro, no qual muitos classificam como o “avanço do Fascismo” que envolve perdas de direitos, e uma possível institucionalização da violência que se maximizará contra as minorias, principalmente às mulheres, negros e homossexuais. Assustadoras também são as possíveis perdas que a educação pode ter levando em conta que o candidato se posiciona a favor da Escola Sem Partido e demonstra um total despreparo para as nuances que a Educação requer. Atemorizante também é a síntese que o candidato traz sobre a memória da Ditadura Militar, exaltando a tortura e torturadores, transformando o sofrimento e morte de milhares de pessoas no período em uma brincadeira sem significado, e como ele mesmo disse em rede nacional sobre o Golpe Militar: “No mais deixo os historiadores pra lá”.
No dia seguinte a entrevista de Jair Bolsonaro, os argumentos sobre a história e o conceito da Ditadura Militar, foi vencida nas redes sociais pelos “Memes”. A história foi realmente deixada de lado e é subjugada quotidianamente pelas “Fake News”, que distorcem os conceitos junto com esforçadas e longas examinas para em uma imagem dizer que o Nazismo era de esquerda, contrariando através de risadas e chacotas pesquisas feitas ao longo de um século como a de Norbert Elias. Com isso tudo a pergunta: porque a História é vencida facilmente e porque ela perdeu seu prelado na argumentação contra os achismos?
A história é uma ciência interpretativa, pois ela serve de ferramenta para interpretação não apenas do passado, mas para que o indivíduo se oriente no presente, ela produz o que o teórico da história Jorn Rüsen chama de consciência histórica, é escrita através de minuciosos critérios científicos e produz conceitos como bonapartismo, regime, revolução, ideologia, feudalismo, monoteísmo, populismo, proletariado, totalitarismo entre outros milhares que amplificam as formas de compreensão da realidade. Todavia todos estes conceitos parecem ter sido jogados fora e sua profundidade hoje é rechaçada por boa parte da população. Desde 2013, quando ficaram evidenciadas as medidas impopulares do Governo do PT, a História não teve força suficiente para argumentar contra o avanço do pensamento e ideário conservador e fascista, mesmo que em 2016 muitos tivessem dito “Sou contra o Golpe, eu estudei História”.
Não adiantou estudar história porque de 2013 pra cá os relativismos colocaram História como “coisa de comunista”, os estudantes de universidades públicas como meros “drogados petistas”, mesmo não compreendendo que o quadro das Universidades Públicas e principalmente as faculdades de História estão situadas muito mais em um campo conservador do que num campo de apoio à luta dos movimentos sociais. Quando em 2016, Michel Temer assumiu o poder dando início á uma agenda que congelou investimentos na Educação e na Saúde e aprovou uma reforma trabalhista que retirou direitos adquiridos dos trabalhadores, a população e alguns movimentos sociais tentaram reagir de forma mais enérgica com manifestações combativas e greves, o sindicalismo petista com medo de perder o controle sobre os trabalhadores implodiu as greves e se posicionou de forma branda nas manifestações, com intuito de garantir sua hegemonia via eleições, produzindo então o quadro caótico que vivemos até o presente momento. Nas faculdades de História espalhadas pelo país algo bem parecido começou muito antes.
Não é tão surpreendente como funciona o clube dos Historiadores que se comportam como lordes do conhecimento muitas vezes inacessíveis aos seus próprios alunos, quiçá podemos falar de seu envolvimento com a sociedade. Durante muito tempo boa parte dos historiadores manteve desprezo (alguns ainda mantém) pelo ensino de história no ensino médio e fundamental. Muito recentemente no curso de História da Universidade Federal de Goiás foi criada uma linha de pesquisa nos cursos de Mestrado e Doutorado que intersecciona o ensino de história e educação. Já no campo teórico os historiadores anteciparam no final da década de 1990 e início dos anos 2000 a relativização e a deterioração dos campos de estudo da história social e da história econômica demonizando e menosprezando teorias sociais como o marxismo, elegendo uma nova máxima: a história cultural.
A história cultural surgiu como uma alternativa bastante frutífera no mundo inteiro, através dela o historiador é capaz de trazer vários campos do conhecimento para o seu território, amplificando os estudos da história, trazendo conceitos da antropologia e objetos de todas as outras ciências. Entretanto no Brasil, a “nova máxima” foi utilizada para combater e banalizar de forma vulgar outros campos teóricos, no que tange a história econômica e a história social. Um dos livros mais divulgados para promover a história cultural foi do historiador francês Roger Chartier, chamado “A História Cultural: entre práticas e representações”, se tornou uma bíblia para novos estudantes de história que se atraíram pelo discurso da desconstrução. Porém o livro em si além de criticar o estruturalismo e compará-lo ao marxismo sem propriedade ou qualquer discussão pertinente, relativiza o estudo das classes sociais, colocando-os como engessados e previamente postulados, militante de uma história mais dinâmica de categorias de análise abertas e predispostas a aumentar a gama de sentidos através do desenvolvimento da pesquisa. É certo que Roger Chartier omitiu-se dos estudos de E.P. Thompson e não leu nenhuma linha das obras de Karl Marx, trocou de lugar o marxismo com o althuserianismo, que foi responsável por poucas obras no campo historiográfico.
O livro de Chartier além de frágil na argumentação se apoia muito mais nas obras de outros autores como Norbert Elias e faz de forma limitadíssima uma discussão sobre o conceito de “representação”, que não tem o quilate de historiadores considerados do mesmo segmento Robert Darton e Carlo Ginzburg. Mas esta obra ganhou bastante circularidade e se tornou cânone principalmente por ser bibliografia de processos seletivos dos principais programas de Pós-Graduação em História pelo país. A moda de hostilizar o marxismo de maneira vulgar seguiu dominando também o mercado editorial dos historiadores e ganhou poder político através da Associação Nacional de História (ANPUH), que promoveu obras de outros autores de mesma argumentação pobre como Peter Burke e Lynn Hunt e assumiu sua forma abrasileirada na historiadora Sandra Jatahy Pesavento de no ex-presidente da associação Durval Muniz de Albuquerque. Logo era normal ver alunos dos cursos de história com aversão a marxismo e de tabela, história política, social e econômica e concomitantemente com aversão aos estudantes engajados em centros acadêmicos e organizações estudantis. Temos um afastamento dos historiadores de teorias sociais e políticas.
Na sua forma institucional, este movimento dominador do mercado editorial, passou a influenciar também os dossiês das principais revistas de história do país, criando um grande problema para os programas de pós-graduação de linhas de pesquisa voltados para História Política, Social e Econômica que tiveram poucos lugares para tentar publicar seus trabalhos, tendo em vista que no governo do PT se intensificou os critérios de produtividade para que os programas pudessem continuar funcionando. Como resultado após a queda do governo do PT, o representante da área de História da Capes, Carlos Fico, que se posicionou contra o governo Michel Temer, anunciou a extinção de vários programas de doutorado importantes para a história social e econômica, como História Econômica da USP e o doutorado de História da UFU.
A história cultural não surgiu com esse intuito no mundo, mas, a sua mediação através dos historiadores brasileiros acabou dando esta conotação, junto a isso o forte apelo à produtividade na pesquisa ajudou os estudantes de história a estarem mais preocupados com suas dissertações e teses do que com a realidade social, se ausentando totalmente dos espaços de debate quiçá os espaços de disputa política, se tornaram apáticos em sua maioria. Não trata-se aqui de dizer que o marxismo é o salvador da pátria, mas esse repúdio ao marxismo trouxe de tabela o repúdio a outros autores e teorias sociais, botaram pra escanteio não só Karl Marx mas Max Weber, Theodor Adorno, Walter Benjamin e no Brasil Milton Santos, José de Sousa Martins, Mauricio Tragtemberg, Celso Furtado, Paulo Freire e Gilberto Freyre e Florestan Fernandes.
A apatia dos historiadores repercutiu na hora que a população mais precisou, quando se chamou Ditadura de Regime, quando taxaram o Nazismo de esquerda, quando falaram que não existe preconceito racial no Brasil, não houve um movimento enérgico de resposta dos historiadores, quanto aos de cima, poucos os professores universitários que apoiaram seus ex-alunos que hoje estão nas escolas tendo que lidar com toda a confusão, e os estudantes/pesquisadores atuais sequer tem energia para debater estes assuntos pois, estão preocupados com os estudos culturais que estudam “A representação da mulher negra no cinema brasileiro”, mas não estudam mais porque a mulher negra brasileira sofre. É claro que não se pode imputar todo esse problema político e educacional aos historiadores, mas, os historiadores não só colocaram de lado autores importantes, mas, esqueceram o principal, que é o diálogo com a sociedade. Vão continuar perdendo para os memes.
(Alexandre de Paula Meirelles, doutorando em História pela Universidade Federal de Goiás)