Em defesa da OAB, que deveria ter-se manifestado no episódio do ministro Noronha
Diário da Manhã
Publicado em 4 de outubro de 2018 às 21:38 | Atualizado há 7 anos
O historiador “Plínio, o Velho”, em um ponto de sua “Naturalis Historia”, registra que um sapateiro (em latim, sutor) havia se dirigido ao pintor Apeles, o retratista oficial de Alexandre da Macedônia, com o fim de apontar em uma pintura um defeito nas correias de uma sandália (latim crepida), que Apeles, prontamente corrigiu. Incentivado por isso, o sapateiro passou a criticar o grande pintor, falando da mistura das cores, das tonalidades e sombras da pintura, quando Apeles disse:
– “Ne sutor ultra crepidam!” (“- Sapateiro, não vá além das sandálias!”) – significando que o sapateiro só poderia opinar sobre o que entendesse.
Mas esta citação histórica é apenas para dar embocadura ao comentário sobre fato recente, e ao final justifico.
No último dia 20 de setembro, o atual presidente do STJ, ministro João Otávio de Noronha, com aquele seu peculiar costume de posar para os holofotes, justamente para tentar desviar o foco de seu notório despreparo intelectual, afirmou que “o novo Código de Processo Civil foi feito para dar honorários para advogados”. Dessa maneira, apontou o ministro, a norma criou procedimentos burocráticos desnecessários, que acabam por prejudicar as pessoas.
Não é demais dizer que entendo mais de física quântica do que o ministro João Otávio entende de Direito, e por isto falece a ele autoridade para falar sobre nossa legislação adjetiva civil. E embora oriundo da operosa classe dos advogados, nunca foi um advogado com nome suficiente para ultrapassar os limites de simples “advogado de banco”, mais afeito a peças elaboradas na base do “Control C + Control V” do que criadas pela capacidade jurídica de pelo menos tentar argumentar.
Não me atrevo a dizer que seu currículo é pobre, pois seria fazer muito esforço para chegar a esse patamar; seu currículo não é pobre, é paupérrimo, e por isto sempre procura ocupar espaços na mídia para desviar o foco de seu despreparo.
De seu currículo, tirado do próprio site do STJ, extrai-se que desempenhou funções fora da-quela advocacia corriqueira e repetitiva, como a de professor universitário e integrou o Conselho de Administração de algumas empresas. Mas seu ápice profissional foi como advogado do Banco do Brasil, de onde saiu diretamente para o Superior Tribunal de Justiça. Era tão “consistente” seu currículo ao pleitear o cargo no STJ, que cabe todinho aqui: a) Advogado do Banco do Brasil (1984/1987; b) Chefe do Núcleo Jurídico do Banco do Brasil, em MG (1987); c) Chefe de Assessoria Jurídica do Banco do Brasil, em Vitória-ES (1990/1991); d) Chefe da Assessoria Jurídica do Banco do Brasil, em Belo Horizonte-MG (1991/1994); e) Consultor Jurídico Geral do Banco do Brasil (de abril de 1994 a 2001); f) Diretor Jurídico do Banco do Brasil (de setembro de 2001 a dezembro de 2002); g) Conselheiro da OAB/MG (1993/1994); h) Conselheiro Federal da OAB (1998/2002), integrou o Conselho de Administração das seguintes empresas: Cia. Energética do Rio Grande do Norte (COSERN), ITAPEBI Geração de Energia SA, Cia de Seguros Aliança do Brasil e Valesul Alumínios S.A. (mas nunca se deu por suspeito em nenhum processo em que tais empresas eram parte no STJ, o que reflete a sua face antiética).
O restante de seu currículo resume-se na participação em eventos (seminários, congressos, encontros e simpósios), e condecorações automáticas de duvidosa valia, mas há que se reconhecer que o ministro Noronha tem o dom da palavra, e seria um excelente tribuno, se entendesse de Direito, e adora viver nos ares atendendo a convites, pois quem não quer ter um ministro fazendo uma palestra em um evento?
Mas seu currículo esbarra nisso, pois não publicou um só opúsculo, um mísero artigo. Mas foi Corregedor da Justiça Federal, Corregedor Geral do TSE e, por último, Corregedor do Conselho Nacional de Justiça, o segundo nome do CNJ, onde aterrorizou meio mundo de juízes e desembargadores. E agora, chega ao comando do STJ.
Conheço muito bem a figura e sei de coisas que ele nem supõe que eu saiba. E por isso tomo as dores da OAB numa espécie de desagravo.
Participamos juntos (ele, como advogado, e eu, como desembargador) de diversos eventos jurídicos, e até temos fotos juntos, durante o “VI Seminário Jurídico da ABRADEE”, em Porto Alegre-RS, em 27/10/05. Como advogado especializado em questões bancárias, demonstrava muito conhecimento, mas apenas na área bancária. Na época da sua indicação ao STJ, compuseram a lista sêxtupla advogados de peso e com vivência jurídica, como Luiz Carlos Lopes Madeira (DF), Evandro Ferreira de Viana Bandeira (MS), Paulo de Moraes Penalva Santos (RJ), Álvaro Wendhausen de Albuquerque (PR), Leda Maria Soares Janot (DF) e ele, que, embora penúltimo colocado no escrutínio, foi para a lista tríplice, junto com Paulo Penalva e Álvaro Wendenhausen. E o “advogado de banco” foi nomeado por Fernando Henrique Cardoso, após intenso lobby do Banco do Brasil e da Febraban, com o respaldo do então ministro da Fazenda Pedro Malan. Embora os outros tivessem conhecimentos jurídicos, faltava-lhes o essencial: padrinhos.
Para compensar sua inconsistência curricular, é tido como extremamente rígido: foi ele quem mandou prender o ex-governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, o do Amapá, Pe¬dro Paulo Dias, um ex-governador candidato ao Senado, Waldez Góes, e mais 16 autoridades do Amapá, logrando elogios da mídia (quem não gosta de caça-corrupto?). Por fim, sempre mostrando que gosta de holofotes, faz questão de aparecer em congressos, encontros e seminários, embora nada entenda de Direito, a não ser o corriqueiro trivial de banco. Depois que, arbitrariamente, mandou afastar desembargadores do Tocantins em 2010 (entre os quais eu), nunca mais foi àquele Estado, onde vivia fazendo palestras. Eu ansiava por revê-lo no meu Estado em um evento por lá, para olhar no fundo de seus olhos e questionar alguns fatos.
João Otávio deve uma explicação para ter concedido um alvará no HC 34.138-SP, em 9/03/2004, ao então dono da VASP, Wagner Canhedo, em menos de duas horas; ter mandado arquivar, em 19/08/2011, sem ouvir o Ministério Público, a Sindicância 293-TO, que versava sobre cri¬mes diversos, promovida contra o ex-governador Siqueira Campos) com 3 volumes de documentos, que sequer foram examinados. E, interposto agravo regimental pelo MP, ele deixou transcorrerem 14 (quatorze) sessões, sempre retirando de julgamento, aguardando que a composição da Corte lhe fosse favorável, sendo fi¬nalmente julgado (após provocação formal do MPF nos autos) na sessão extraordinária de 31 de agosto de 07/05/2012, depois de 6 meses e 14 dias, com o resultado mais que previsível: o voto seu foi pelo improvimento do regimental. E, como acontece, é muito comum no STJ o famosíssimo “acompanho o relator”, principalmente nos embargos e agravos, que não permitem sustentação oral e são julgados em bloco em matérias análogas. E esperou estarem ausentes cinco ministros (Gilson Dipp, Eliana Calmon, Teori Zavascki, Arnaldo Esteves Lima e Maria Thereza de Assis Mourvotos garantidos) para levar o caso a julgamento com segurança, com o escasso e necessário “quórum”, “pelo beiço da pulga”.
Mas em 29/05/2012 o diligente Ministério Público interpôs embargos de declaração, os quais, em 18/09/2012, foram conclusos ao seu gabinete, mas ele não os julgou. Nesse ínterim, licenciou-se o senador Vicentinho Alves, e como um dos sindicados, João Costa Ribeiro Filho, assumiu a vaga de senador, os autos foram remetidos em 17/12/2012 ao STF, devido ao privilégio de foro. E quando terminava seu período de suplência, os autos voltavam ao STJ, num vaivém premeditado, duramente criticado pela ministra Laurita Vaz ao despachar a Sindicância 292-TO em 07/04/2014, que tratava do mesmo caso. .
Também o ministro não sabe explicar por que deu, “de mão beijada”, para a família Marinho a extinta TV Paulista (hoje, TV Globo de São Paulo), ao julgar o Recurso Especial nº 1.046.497-RJ em 09/11/2010.
Finalmente, o ministro deve uma explicação: por que o STJ mandou para a Justiça de primeiro grau todos os processos de magistrados aposentados, inclusive de sua relatoria (Ação Penal nº 629-RO Ação Penal nº 674-TO, Ação Penal nº 725-TO, Ação Penal nº 807/DF, Inquérito nº 498-TO, Inquérito 748-TO, dentre outros), deixando apenas um no STJ, exatamente a Ação Penal nº 690-TO, de interesse de políticos do Tocantins e em que figuro como parte? Os que me envolviam, remetidos ao primeiro grau, foram arquivado (eu era, como sou, inocente). Mas era preciso que ficasse algum processo no STJ, apesar de incompetente, para dar ensejo a possibilitar a ele “prestar contas” a quem lhe encarregou a tarefa e possivelmente deve dar satisfação. E vem, sistematicamente, rejeitando agravos e embargos que eu interpunha, acobertado pelo famigerado “espírito de corpo”.
Verificando o site do Supremo Tribunal Federal, podemos constatar vários recursos em que é parte o Banco do Brasil, e figura João Otávio de Noronha como advogado, mesmo após sua nomeação como ministro do STJ. Pode ter passado despercebido, mas ainda figura seu nome como advogado nos seguintes feitos, o que pode influenciar os julgadores, por um natural “esprit de corps”: no STF – Agravo de Instrumento 434752 (protocolado em 06/03/2003); Agravo de Instrumento 471745 (protocolado em 23/09/2003); Agravo de Instrumento 583732 (protocolado em 17/02/2006); Agravo de Instrumento 647413 (protocolado em 08/01/2007); Recurso Extraordinário 577.014 (autuado em 30/01/2008), Agravo de Instrumento 709844 (protocolado em 28/02/2008) e Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 720773 (protocolado em 07/11/2012), como ainda figura, no próprio STJ, seu nome como advogado do Banco do Brasil em processos em tramitação, o que é mais grave, mesmo se sabendo que ele não iria firmar nenhuma petição. O só fato de constar seu nome no cabeçalho já é um excelente memento para influir no julgamento. O leitor pode conferir: RMS 16.014-RS (autuado em 2003), Agravo de Instrumento 1.094.112-RJ (autuado em 2008), REsp 1.115.743-ES (autuado em 2009), Agravo de Instrumento 1.185.050-SE (autuado em 2009), REsp 1.115.743-ES (autuado em 2009), Agravo de Instrumento 1.266.896-SP (autuado em 2010), Agravo de Instrumento 1.329.079-MG (autuado em 2010), AREsp 51.150-MG (autuado em 2011) Nenhum outro ministro do STJ oriundo do quinto da OAB consta como advogado após a assunção ao cargo naquela Corte. É só conferir as publicações no “Diário da Justiça: acórdão de 04/12/2003 no RMS 16.014-RS (publicado em 25/02/2004); decisão de 13/01/2009 no Agravo de Instrumento 1.094.112-RJ (publicada em 06/02/2009); decisão 27/08/2009 no Agravo de Instrumento 1.185.050-SE (publicada em 18/09/2009); decisão de 23/08/2010 no Agravo de Instrumento 1.329.079-MG (publicada em 01/09/2010) e decisão de 20/09/2011 no Agravo no Recurso Especial 51.150-MG (publicada em 26/09/2011), e assim por diante.
Será que ele se esqueceu de verificar se o CPC não foi benéfico para ele?
Agora, diante das declarações prestadas ao “Consultor Jurídico”, o Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) repudiou suas declarações sobre o novo Código de Processo Civil, pois, como magistrado egresso do quinto constitucional da advocacia, o ministro não deveria expressar opinião ofensiva ao exercício profissional dos advogados e advogadas, diminuindo o relevante papel social que a advocacia desempenha e ignora a luta constante travada em prol do aprimoramento da atividade jurisdicional e da preservação do estado democrático de direito.
A meu ver, foi muito acanhada a manifestação do IAB.
Mas a OAB, maior atingida pela inoportuna fala do ministro, simplesmente acovardou-se, esquecendo-se que sua importância perante a sociedade é muito destacada, a ponto de o advogado ter sido contemplado com um artigo na Constituição, enquanto que a Magna Carta não confere igual importância a nenhum ministro, ainda mais um que foi escolhido nos infectos porões da política e do interesse econômico, à míngua do requisito mínimo do notável saber jurídico.
Como o ministro Noronha não julga processos pelos próximos dois anos de presidência e não pode negociar decisões, em que funcionam como intermediários os filhos advogados Otávio Henrique e Anna Carolina (a “Nina”), como já denunciou a mídia, o ministro fica criando fatos para manter-se em evidência. Mas não sabe justificar o milionário patrimônio do filho, por exemplo, que vem até causando ciúmes aos colegas mais antigos, pois seu filho, inobstante muito jovem, possui em seu nome uma BMW 320I Advice Flex, ano 2013/2014, Placa OVV-5050 e uma BMW X 5, X Drive 300, ano 2014/2015 branca, Placa PAE-8527.
João Otávio é a versão atual do ex-presidente do STJ Francisco Falcão, um obscuro advogado pernambucano que chegou à magistratura apenas por ser filho de um ministro do STF (Djaci Falcão) e, tanto quanto João Otávio, tem no filho, o advogado Djaci Falcão Neto (ou “Didi Falcão” ou “Falcãozinho”), um achacador de juízes, que foi o responsável pelo injusto afastamento e posterior aposentadoria do colega Ari Queiroz. A semelhança entre ambos se estende a outro fato: Francisco Falcão também foi um cruel carrasco de magistrados do “baixo clero”, quando, dois anos antes de Noronha, exerceu a Corregedoria do CNJ.
É o caso de voltar ao caso do sapateiro que criticou Apeles, no Século IV.
A OAB, que foi vilipendiada por esta declaração inoportuna de um obscuro ministro oriundo da própria Ordem (e que a desmerece), não pode calar-se e mandar-lhe o recado de Apeles: Ministro, deixe a toga, limite-se a mexer com questões bancárias e não vá além das petições “Control C + Control V”, que, por ser o que sabe fazer, é o que lhe compete opinar, além de aparecer na mídia.
Já que a OAB não se manifesta, manifesto eu, que também sou advogado. Se porventura me faltarem conhecimentos jurídicos, sobra-me coragem. E se pleiteio uma cadeira na Assembleia este ano é para defender com a mesma coragem quem porventura me confiar um voto.
(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras escritor, jurista, historiador e advogado. liberatopo[email protected])