Liberato Póvoa, o fogo que virou luz
Diário da Manhã
Publicado em 7 de setembro de 2018 às 22:39 | Atualizado há 7 anos
Antes, uma explicação: de há muito eu já deveria ter falado sobre o escritor tocantinense Liberato Póvoa.
Tento fazê-lo, agora, orgulhosa ao ver este meu coestaduano e confrade, (ambos pertencemos à Academia Tocantinense de Letras).
De fato, sinto-me feliz ao vê-lo entre os escritores que compõem o elenco de excelentes articulistas do conceituado “Diário da Manhã”. Louvo este fiel mensageiro, que ao amanhecer de cada dia, espalha nesta capital e em outras regiões de Goiás e do Brasil, a competência administrativa, o valor cívico e a lembrança da personalidade de nosso bravo jornalista Batista Custódio. Honro-me ao tê-lo, há muitos anos, como bom amigo. Nele vejo um constante defensor da liberdade de pensamentos, apanágio da imprensa livre.
Batista Custódio sabe, com sua competência e o humanismo que lhe são peculiares, oportunizar o nascer, o ressurgir, o continuar e o resgatar de talentosos escritores e jornalistas. A vida literária do Tocantins cresce e se expande admiravelmente. Com raízes nos tempos coloniais, podemos dizer que ela nasceu com as “ordens de serviços”, e por “apontamentos” dos sertanistas exploradores. Uns, vindo do Grão-Pará, e outros, do Sul. Quase todos visando lucro com a mineração.
Embrenharam-se pelos sertões, fascinados por enganadoras miragens, à busca do “El Dorado” da “Manôa”, da “Serra de Prata”, da “Fonte da Juventude” e dos rios de leitos brilhantes. Dentre os exploradores, alguns faziam os “registros” dos lugares e das trilhas palmilhadas nessas aventuras marcadas por acidentes naturais, rios e serras. Gravavam suas passagens, “por estas brenhas”, com sinais feitos nas árvores e nas pedras. Daí, surgiram os “encaminhamentos” e os “Roteiros”, que bem foram as primeiras narrativas, apenas indicando lugares onde se prearem índios ou, se explorarem as riquezas minerais da terra.
As entradas missionárias, chefiadas por religiosos, eram humanistas. A de Frei Cristóvão Lisboa, que se organizou sob as credenciais do Santo Ofício, foi uma entrada civilizadora e altruística. Trouxe homens preparados para a catequese, portadores de certa cultura.
Por intermédio de Frei Custódio, Padre Antônio Vieira organizou uma Bandeira e, do Grão-Pará, subiu até Marabá, terras que, então, pertenciam à Capitania de Goiás.
Segundo Roteiros e Caminhamentos encontrados (Museu das Bandeiras – Cidade de Goiás), aquele pregador, não podendo vencer os agudos saltos do grande rio, desistiu daquela empreitada. (Zoroastro Artiaga, História de Goiás, II Vol.). Então, com assistência de muitos índios e dos homens de sua expedição, numa capela feita de palhas de ouricuri, frente a cachoeira de Itabocas, na noite de Natal de 1625, aí Padre Antônio Vieira, sob a envolvência do luar, em plena selva do Brasil Central, celebrou a Primeira Missa da qual se tem notícia, oficiada na região do Tocantins. Foi um espetáculo de fé! Ali nasceu a vida espiritual que as futuras catequeses dos jesuítas, capuchinos e dominicanos trouxeram às plagas deste, hoje, novo Estado, tão promissor!
De 1625 a criação do Comarca do Norte (Alvará de 18/03/1809), este manancial de inspirações, que é a terra tocantinense, foi pouquíssimo aproveitada.
As obras escritas que se reportam ao Tocantins, “terra que encanta nossos olhos, dilata nossos corações e enaltece nossas almas”, são as de Johan Pohl, Saint Hilaire, Frei Rafael Tágia, Francis Castelnau, Frei Reginaldo e, ainda, Cunha Matos, Couto Magalhães, Frei José Aldrim, Francisco Aires, Júlio Paternostro e o engenheiro aviador Lysias Rodrigues.
Mais perto de nós, Eli Brasiliense, Francisco de Brito, Maximiano da Mata Teixeira, Amália Hermano, José Lopes Rodrigues, Ana de Brito Miranda, Aldenora Alves Correia, Antero Batista de Abreu Cordeiro e os discursos de João d’Abreu, na Câmara Federal.
Porém, criado o Estado do Tocantins (1988) levantou-se a produtividade literária dessa região e aumentou, como nem se previa, o número de escritores, especialmente depois de criada e instalada a Academia Tocantinense de Letras (ATL), em dezembro de 1989, sinal de prosperidade e do crescimento de nossa civilização. Desta feita, concretiza-se em nosso Estado o que aprendemos na Crestomathia Clássica, de Chaves de Melo (1868) – “A história da civilização de um novo povo não é maior do que o seu progresso intelectual. E nesta história a linguagem e a literatura são parte integrante ou, para melhor dizer, essencial”.
São nomes da moderna literatura tocantinense – Aracy Batista Cordeiro, Adão Bonfim Bezerra, José Wilson Siqueira Campos, Trajano Coelho Neto, Otávio Barros da Silva, João Rocha, Rosalinda Batista Cordeiro, Osvaldo Rodrigues Póvoa, Manoel de Souza Lima, Duval C. Godinho, Cleusa Benevides, Juarez Moreira Filho, Regina Augusta Reis, Jorge Moura Lima, Josefa Souza Trindade, Fidêncio Bogo, Mary Sônia Valadares, Margarida Lemos, José Gomes Sobrinho, Marco Anthony Steveson Vilas Boas, Luiz Espíndola de Carvalho, Isabel Dias Neves, Ney Alves de Oliveira, Zacarias Martins, Ana Braga e Messias Tavares e uma gama de novos escritores de diversas regiões tocantinenses..
Prefaciei, orgulhosa, o seu primeiro lançamento, ainda na primeira Capital do Tocantins – Miracema e fiquei cheia de responsabilidade com a distinção e confiança com que o ilustre autor me honrou.
Quero falar, mais, sobre este escritor. Não para fazê-lo conhecido, que isto ele já o é, dentro e fora de nosso Estado. Mas, pelo gosto de homenagear ao amigo que, com o escritor Juarez Moreira Filho e eu, juntos, nos ombreamos na luta pela criação, instalação e vitória da Academia Tocantinense de Letras a primeira e mais importante instituição, de cunho litero-cultural, criada neste Estado.
Conheci Liberato Póvoa desde quando seu nome aparecia como jornalista e apreciado cronista, em jornais de Belo Horizonte-MG.
Conheci-o, mais, pelo seu nome ligado à tradicional família – os Póvoa, de Dianópolis, cidade que tem história de idealismo e sangue. Também, rica de tantas outras histórias que inspiram excelentes contos, anedotas e romances iguais ao livro – “De gente, de bichos, de meizinhas e abusões”.
Filho do respeitável casal – Francisco Liberato Póvoa e de Dona Regina Costa Ribeiro Póvoa, nosso contista maior nasceu numa casa, poema do tempo, na velha praça que tem o nome de seu pai. Casa de característica urbana, genuinamente à moda luso-colonial. Portas largas, corredor cumprido e ladeado por quartos grandes. A sala e o varandão. Paredes de adobes. Quintal enorme. Árvores e sombras.
Velha casa plantada, igual suas congêneres, no local em que, antes, foi o Arraial do Formiga, a Aldeia do D’Ouro, fundada em 1751 e, mais tarde, a Aldeia de São José, depois, a Vila de São José do Ouro, depois Vila do Duro, e hoje, a próspera Dianópolis.
Nos tempos provinciais habitavam aquelas terras os Acroás, os Chacriabás, Aricobés, Caiapós e, também, os Tupinambás, (Coreografia Histórica da Província de Goiás, de Cunha Matos).
Terra de homens inteligentes, ciosos de suas tradições, onde o brio e o civismo foram, em 1919, defendidos com heroísmo e sangue, no movimento conhecido por “O Barulho do Duro”, episódio que inspirou a criação do livro “O tronco”, que consagrou Bernardo Ellis, primeiro escritor goiano levado à Academia Brasileira de Letras.
Na cidade das três Dianas, como também é conhecida Dianópolis, vive um povo amante da cultura. Autodidatas uns, outros são donos de importantes títulos. Entre estes, o jornalista, contista, romancista, poeta, professor, jurista e cronista – José Liberato Costa Póvoa. Homem de privilegiada inteligência. Tem um genial estilo, bem seu. Sua produtividade literária é assustadora. Volumosa e envolvente.
Quando a autora deste assumiu no novo Tocantins o cargo de Diretora do Departamento de Cultura daquele Estado, Liberato Póvoa já era seu conhecido. Por muitos anos, (era ele, ainda, estudante), e já mantinha em Belo Horizonte, uma coluna literária de crônicas e críticas literárias. Nessa época ele fez nome na imprensa mineira pontificando, em pé de igualdade, com vultos renomados, depois, no jornalismo e literatura nacionais: Roberto Drummond, Mário Mendes Campos, Oscar Mendes, Euclides Marques de Andrade e outros. Também, lá de Belo Horizonte, já colaborava, semanalmente, com o “Diário da Manhã”, quando este funcionava na Avenida 24 de Outubro, ao lado de Carmo Bernardes, Oscar Dias, João Bênio e Bariani Ortêncio. Este, hoje, um dos mais festejados acadêmicos da veneranda Academia Goiana de Letras.
Porém, meu conhecimento com o confrade Liberato é devido estar o seu nome tradicionalmente ligado à família dos Póvoas, de Dianópolis, que produziu nomes como o historiador Osvaldo Rodrigues Póvoa, o geógrafo Francisco Liberato Póvoa e o poeta José Cândido Póvoa (este, como Liberato Póvoa, também articulista deste jornal).
Determinado em fazer sua vida, depois de seus estudos e vencendo as dificuldades do seu próprio trabalho, desde muito moço Liberato Póvoa exerceu várias funções no Ministério da Educação e Cultura, em Brasília. Entre outras funções, foi Coordenador de Planejamento na Escola Federal Técnica de Educação Tecnológica de Minas Gerais.
Formado em Direito, logo após voltou à sua cidade natal, onde a divulgou e, ao mesmo tempo, exercia, ali, o cargo de Diretor do Instituto de Menores, da FEBEM-GO.
Em 1988, Liberato Póvoa, concursado, foi nomeado Juiz de Direito. Inaugurou-se, assim, sua carreira na magistratura.
Pelas Disposições Transitórias da Constituição Federal de 1988 (art. 13) foi criado o Estado do Tocantins.
Contando menos de um ano de serviço prestado como Juiz, o novo magistrado foi nomeado Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (em 01/01/1989). Inicialmente exerceu a Vice-Presidência desse Tribunal, e, logo mais, subiu à Presidência daquela Egrégia Corte, sendo, depois, Presidente, por três vezes, da Corte Eleitoral de seu Estado.
Homem de tantas funções há, ainda, importantíssimo lado do seu viver vocacional que devo ressaltar, por achá-lo importante na vida de um cidadão. É o seu amoroso espírito de cidadania, vale dizer, de civismo.
Quando estive à frente do Departamento de Cultura daquele recém-criado Estado, no primeiro governo de seu fundador, Siqueira Campos, por nossa sugestão foi criado o Conselho de Cultura daquela unidade federativa. Para compô-lo, foram escolhidos os mais dignos e conceituados cidadãos tocantinenses: clérigos, escritores, musicistas, amantes do teatro, professores e advogados. A instalação do referido Conselho realizou-se, com a prévia licença do arcebispado da Arquidiocese de Porto Nacional, no átrio da bicentenária Igreja de Nossa Senhora da Natividade, cuja imagem deu seu nome àquela comunidade, a mais culta e a mais antiga cidade do ex-norte goiano. Essa imagem foi levada, em 1625, ao antiquíssimo Arraial de São Vicente, mais tarde transferido para o pé da Serra da Natividade onde se ergueu a cidade do mesmo nome, sob a inspiração da referida imagem.
Recordamos que à instalação daquele Conselho compareceram àquele ato solene o Sr. Governador Siqueira Campos e todo seu secretariado, quase todos senhores prefeitos municipais da época, além de pessoas vindas de longe e os dos municípios próximos.
De início, com a palavra do senhor governador Siqueira Campos, sendo seguido de muitos oradores. Afinal, houve a missa solene frente a imagem de Nossa Senhora da Natividade, a qual, para aquele momento, portava sua coroa de um quilo de ouro nativitano. Explique-se que aquela joia religiosa é um ornamento executado pelo mais famoso ourives do ex-norte de Goiás. Dizem, até, que ele fez, por encomenda, algumas joias para a princesa Dona Isabel, no governo do imperador Dom Pedro II. Ainda aqui ressaltamos o histórico nome do ourives Juvenal Rodrigues!
Anos atrás, um fato deve ser relembrado e destaca o nome do ourives Juvenal Rodrigues: quando se deu em Goiás, no governo do Sr. Irapuan Costa Junior, a primeira exposição de artesanatos goianos, a autora deste era, então, Secretária de Serviços e Promoção Social, em Goiânia, capital de Goiás. De Natividade mandamos vir as joias feitas pelos filhos e ex-alunos do mencionado ourives, as quais foram expostas naquela exposição, na turística cidade de Caldas Novas. Quando se abriu a exposição, em menos de duas horas todas as joias “Juvenal Rodrigues” foram vendidas.
Por este fato, Liberato Póvoa e eu, com a ajuda dos acadêmicos da ATL e o Governo do Tocantins, resolvemos criar em Natividade um Centro de Cultura que deu nome e movimento e mais nome àquela histórica região aurífera. Diga-se, Liberato Póvoa participou desse movimento, como acadêmico da ATL e como Presidente, à época, do Egrégio Tribunal de Justiça de nosso Estado.
Homem de tantas funções, há, ainda, nele um importantíssimo lado de seu viver vocacional, o qual devo ressaltar, por achá-lo importante na vida de um cidadão. É o seu amoroso espírito de civismo.
Também, quando exercia o cargo acima citado (Diretora do Departamento de Cultura do Tocantins), Liberato Póvoa, Presidente e Membro de Conselho Histórico daquele Estado, ele escreveu o Hino do Estado do Tocantins, que foi aprovado num concurso público de âmbito nacional e publicado: Lei 977, de 30 de abril de 1998.
Mas, lamentavelmente, esse belo hino foi substituído por uma canção de autoria de um dos nossos conhecidos cantores populares, Genésio Tocantins.
Por motivos educacionais, expresso minha opinião contrária a esse fato. Não em represália ao festejado autor do novo hino, o qual tenho como bom amigo, mas, porque não vejo razões àquela substituição.
Quando estudante, no tradicional “Colégio Santa Clara”, durante 10 anos de estudos, enquanto eu me preparava ali, para, um dia, ser professora primária, tive a felicidade de ter como professora de Música e Educação Cívica, a Rvma. Ir. Maria Ceráfica Osf. Com aquela ilustre mestra formada em Música na Alemanha, aprendi alguma coisa a mais sobre a importância dos hinos oficiais cantados nos atos cívicos. Aprendi, que um hino nacional ou estadual é um ativador – do “himnus” destinado a aflorar o civismo, o patriotismo e fazer o cérebro ativar o sentimento de defesa e de orgulho da nossa terra – País e Estado. Hino nacional ou estadual deve estimular a lembrança da história de um povo e das suas lutas passadas. Acima de tudo, que se exalte nele o amor à pátria e as coisas do Estado. A música de um hino estimula o nosso íntimo, acelerando nossa adrenalina. E, então, ao cantá-lo, devemos fazê-lo eretos, galhardamente impávidos. No Hino Nacional temos um “nobre símbolo da pátria”, a terra a qual homenageamos.
Recentemente, tivemos um exemplo, vendo e ouvindo pelos modernos meios de comunicação, o hino da França – “A Marseillaise” – cantado pelo presidente da França, autoridades e o povo francês. Alguns, entre aqueles milhares de pessoas, quem sabe?! deixavam rolar lágrimas pelo rosto contristado ou, para dentro de si mesmos, aos seus corações entusiasmados e patrióticos. Foi uma oferta do bravo povo à sua gloriosa pátria francesa, contra o terrorismo!
Voltemos a Palmas, capital do Tocantins: ela era, apenas, um traçado de avenidas e ruas abertas sobre a planície que desce dos contrafortes da Serra do Carmo, rumo às águas do Tocantins e da romântica Praia da Graciosa.
Então, o Desembargador José Liberato Póvoa era o Presidente da Egrégia Corte de Justiça do Tocantins. A sede do mesmo funcionava, improvisadamente, num barracão de paredes de tábuas, salas escuras, chão cimentado e úmido. Dali a Justiça exercia sua autoridade e distribuía seus benefícios à imensa região tocantinense. Nascia um novo Estado cheio de esperança! Lembro-me das muitas vezes que vi o Desembargador Liberato descendo, todos os dias, por uma daquelas avenidas recém-abertas, rumo ao “Bandejão”. Este era aberto dos lados e coberto de palhas. Também, era o único “restaurante” que nos servia a todos: autoridades, funcionários e chegantes de toda parte do País. Mas, as posições elevadas não envaidecem aos idealistas. Estes sabem executar suas funções, honrando- as e dignificando- as com a natural simplicidade, que lhes deve ser peculiar.
Todos nós nos assentávamos às mesas toscas rodeadas de bancos, sem encosto. Era ali que se sentia a fraternal união dos pioneiros, no trabalho e nos ideais. De vez em quando, para maior desconforto nosso, o “restaurante” era envolvido por uma nuvem de poeira trazida pelos costumeiros redemoinhos, verdadeiros cones de vento. Rodopiavam forte, trazendo, no seu “bojo”, folhas secas e, depois, se aprumavam rumo às nuvens, desfazendo-se lá em cima.
No “Bandejão”, nosso desconforto era geral! O que se fazer!? Apenas, tapavam os enormes caldeirões de alumínio, onde se coziam os alimentos, cujos caldeirões, sobre um peitoril de cimento, eram as únicas “travessas” e “sopeiras” nas quais enterrávamos as colheres de pau e as conchas de alumínio, com as quais tirávamos as comidas que eram bem regionais: arroz com carne seca (maria isabel), cozidão (carne em pedaços, cozida), picado de mandioca, arroz casado e paçoca.
Mas a fé e o ideal dos pioneiros venceram os redemoinhos os “potós” (insetos), os pernilongos, os ratos e, às vezes, algumas cobras e outros “bichinhos” incomodados com a nossa “invasão” aos seus domicílios, outrora, somente por eles povoados.
Enfeitando o ambiente, no ar, inúmeras aves multicoloridas, com seus variados cantos, piados e gorjeios. Ainda hoje, muitas dessas aves enfeitam os céus de Palmas e as araras azuis, com suas estridentes “gargalhadas”, acordam seus habitantes.
Agora, com mais de trinta anos, Palmas já é a mais bela capital do Brasil amazônico! Seus palácios, seus jardins e sua estrutura arquitetônica, sobre o privilegiado lugar em que se firmam, a todos encantam! Ali tudo respira o vento puro da esperança. O trabalho de todos constrói o progresso que se irradia e avança as demais regiões tocantinenses!
No “front” dos intelectuais que se ombreavam no trabalho da construção, do resgate e da conservação e expansão da cultura tocantinense, encontrávamos, sempre, a decidida e competente participação do escritor Liberato Póvoa.
Cofundador e primeiro Presidente da Academia Tocantinense de Letras, o excelente e solicitado conferencista Liberato Póvoa leva sua literatura a todas as regiões do Tocantins e de outras regiões do Brasil inteiro. Seus livros: “Causos que o Tocantinense Conta”, “Zé Goela Pé de Janta, Os Causos que o Duro Conta”, “O Senhor do Tempo” (literatura infantil), “João de Deus, o Fenômeno de Abadiânia” (fenômenos espíritas ou parapsicológicos), “Besta Fera e outros contos” (contos), “El Fenômeno Juan de Dios”, “Das Phenomenon von Abadiania e “Mandinga” (romance), “Dicionário Tocantinense de Termos e Expressões Afins” (filologia), e outras mais, todas com edições esgotadas e outras mais aqui não citadas.
Nosso referido confrade liga os lugares e as pessoas “fotografando-as” nas suas narrativas. Assim, leva nossa literatura aos longes de outras terras.
Sentimos sua flexibilidade verbal na modernidade de seu estilo leve, solto e autêntico. Seus livros registram termos da linguagem cotidiana, usual, na sua região – Dianópolis.
O autor, fielmente preso ao que narra, faz o leitor “ver” e “sentir” a originalidade do sertanejo. Volta-se, com frequência, aos seus anos de infância e juventude, gravando suas lembranças neste livro – “De gente, de bichos, meizinhas e abusões”.
De tal modo são escritas essas crônicas que, em cada um de seus períodos, há um signo e um sentido.
Liberato Póvoa caracteriza sua criação literária, com um elo entre a tradição e a modernidade. Isto é cultura! Esta captação de passados valores, que ele sabe transportar e encaixá-los na sua arte literária, dinâmica e moderna, é válida, servindo, também, seu ímpeto criativo e regionalista como estímulo de brasilidade. Aliás, nota-se, atualmente, nos escritores jovens esta valorização do tradicional, dentro de formas e expressões substancialmente modernas. Coisa assim, semelhante ao movimento de renovação estética social, sem perder de vista nossas raízes linguísticas, para que se perpetuem dentro da literatura bem nossa, bem brasileira.
O escritor Liberato Póvoa sabe expressar sua inspiração numa “linguagem-povo”, sem perder, no entanto, a trilha do bom escritor: estilo atraente, bom vernáculo e modernidade.
Liberato Póvoa, cofundador e membro efetivo da Academia Tocantinense de Letras, lançou ainda 10 (dez) excelentes obras jurídicas, sendo 04 (quatro) na área do Direito Civil e 05 (cinco), na do Direito Penal. E, também, um “Vade-Mecum da Legislação Básica do Estado de Goiás” e outro, similar, da “Legislação Tocantinense”.
Nas obras científicas citadas, mesmo nestas, em que o autor não pode fugir da lógica, nem das diretrizes inspiradas na razão, as quais sustentam a verdade investigada pela filosofia, mesmo assim, este novo escritor, cativante pela clareza de seus ensinamentos, torna-se elogiado pelos estudiosos do Direito. Em suas obras jurídicas revela-se elucidativo e professor seguro, na arte de fazer entender o processo e o andamento desse na justiça, até se alcançar o êxito da ação e a aplicação da Lei cuja eficácia, a final, é o seu objetivo, Liberato Póvoa ensina tudo isso, sem rebuçados; tudo tão transparente, como o benefício da própria Lei.
O escritor Liberato Póvoa sabe aliar ao seu inconfundível estilo literário, o atilamento do jornalista, à profundidade do humanista, à penetração do crítico, com a serenidade do professor, unindo-os a segurança do magistrado e a argúcia do advogado. Tudo isto avoluma a fulgurância de sua imaginária do fino artista das letras, que ele é.
Romancista, contista e, agora, cronista, Liberato Póvoa escreve como se deve escrever, em qualquer que seja o gênero escolhido, sem macular a forma, nem quebrar a técnica literária. Bem por isto já tem um lugar reservado, no sucesso das letras nacionais.
Neste Tocantins de nossos dias, bem moderno, o cronista “De gente, de bichos, meizinhas e abusões”. Liberato Póvoa, cujo estilo maleável, vivo e espontâneo não esconde seu gosto acentuado pelos vocábulos “roceiros”, “barrocos”, “caipiras” ou “arcaicos”, como queiram chamá-lo os que desprezam esses termos, para eles, em narrativo desuso. O vernaculista Liberato Póvoa, regionalista autêntico, encaixa, muito bem, essas palavras nas crônicas desse livro. Assim, faz uma transcendência do mero descritivo ao narrativo, enriquecimento à historiografia. Menciona lugares, pessoas e fala das crendices da região tocantinense – Dianópolis, que se poderia ser considerada, por sua importância de origem e acontecimentos históricos ali vividos, uma “ilha social-ecológica”, neste Brasil – brasis, como diria o sociólogo Roberto Freire, estudioso dos problemas decorrentes da diversidade regional brasileira e suas implicações culturais.
Alguns vocábulos “caipiras” usados pelo autor Liberato Póvoa, resultam da supressão silábica, deturpando a palavra ex. “cê” – (termo sincopado, o mesmo que “vancê”, deturpação da palavra “você”). Outras formas são aferéricas, fala popular, usadas como extensão de sentido, ex. foi no (em vez de ao); “comércio” – (vila, povoado, cidadezinha sem projeção); “Num” – é a forma proclítica do advérbio de negação – não; “Home!” – é linguagem caipira usada como interjeição na fala, demonstrando: receio, ex.: “home, as coisas num vão bem”.
Muitas dessas expressões consideradas caipiras ou arcaicas são oriundas da fala do primitivo colonizador e se caracterizaram na língua geral. Outras são os vocábulos formados no seio da própria língua e outros mais vindos das línguas indígenas de nossas tribos.
Nossas escolas, por uma questão de brasilidade, devem levar os estudantes a apreciarem e, até, fazerem um estudo acurado sobre a linguagem dialetal, da sua fonética à sintaxe. Sem dúvida, tais estudos, se bem orientados, constituirão uma salutar contribuição à nossa literatura, não só pelo interesse puramente linguístico, senão, também pelo clarão que se lançaria sobre questões atinentes à formação da personalidade e da cidadania, coisas ligadas aos sentimentos nacionais de nosso povo.
Arcaica ou não a linguagem usada pelos nossos roceiros não é desprezível. É um vocabulário deles e nossos, às vezes. São expressões estudadas por dicionaristas e lexicógrafos. Em Goiânia, como me era prazeroso o falar com minha saudosa comadre, a professora Nelly Alves de Almeida, filóloga e acadêmica. Ela deixou obras de valor sobre seus estudos referentes ao nosso léxico. Era um assunto que ela não desprezava. Por isso gostava de “prosear”, com os roceiros que iam à sua casa. Ela os recebia muito bem. Conversava com eles, naturalmente, como se eles respectivamente, estivessem nos seus ambientes de origem. Sei que os campesinos a estimavam muito. Comadre Nelly passava horas estudando os termos usados por estes seus visitantes, vindos dos sertões. Depois, juntas, conversávamos sobre o valor etnográfico das palavras caipiras, “arcaicas”, para muitos. Mas, não podemos esquecer de que nelas existe poderoso sustentáculo à nossa origem cultural. Por tudo isso, conversávamos alegremente, com o Zé do Lago. Este ainda é lúcido e vive, agora, aqui em Goiânia. Sempre que posso vou visitá-lo e ele se desfaz em palavras saudosas sobre aquela grande “mulher”. E, então, lembro- me do que ela ainda me dizia: “Gosto do Zé do Lago. Sua prosa me alegra. Penso, comadre Ana, que o Zé do Lago seria mais bem entendido pelo Amadeu do que por nós duas”. E ria! Referia-se ao lexicógrafo Amadeu Amaral, autor do “Dicionário Caipira”, livro que lhe pertenceu e hoje me pertence. É uma lembrança grata que guardo cuidadosamente, vinda da grande filóloga que foi minha comadre Nelly de Almeida. Ela foi um brilho inapagável, com o qual inundava, sempre com os nobres colegas da Academia Goiana de Letras, a literatura goiana!
A nosso ver, o escritor Liberato Póvoa é uma referência do Estado do Tocantins. Seja na literatura, ou no seu trabalho prestado com evidência e zelo nas áreas de desenvolvimento sócio-jurídico e cultural daquele novo Estado
Acompanhei, mesmo de longe, o enfrentamento doloroso a que ele teve de submeter-se frente à Justiça do Estado do Tocantins.
Lembremo-nos de que hoje estão na história nomes de pessoas que enfrentaram, em tempos idos, injustas perseguições. São registros que têm originado obras notáveis na literatura pertencentes à literatura mundial: “Os Miseráveis”, de Vítor Hugo, por exemplo. Nesta famosa obra, os perseguidos se encarnam na pessoa de Jean Vilejean. Mas ele é, sempre, um ”atravessador de séculos”. Vilejean hoje, na imortal obra referida, é, como se sabe, admirado por resignação ante as injustiças. Isto, graças à grande força imortal do grande gênio literário, que é Vítor Hugo. – E o temível Javert? – Ante o fracasso ou o arrependimento do seu estiolado viver, anos a fio, apenas o mais temível Agente policial de Paris, teria ele se arrependido? – Talvez odiando-se suicidou-se…
Por ter sido um homem que ocupou cargos de relevantes posições de comando, Liberato Póvoa deve ser capaz de dirimir, de entender e, sobretudo, ser um homem que sabe pensar. Por isso, é confortante para seus amigos vê-lo integrar-se no nosso meio lítero-acadêmico. Esgotado? Não! Apenas mais experiente depois da sombria passagem por percalços comuns aos seres humanos. Sente-se reconfortado ao retomar a direção que lhe parece mais confortável.
E agora, rumo a novas realizações, Liberato anda conosco, seus amigos, confrades e, ainda, com o aconchego de seus familiares! Andamos, todos nós, sob esta floresta, que nos dá sombra e paz.
Assim, junto andaremos, cada um de nós, escrevendo e contando nossos “causos”. E estes mostrarão, sempre, a vida das pessoas, com suas alegrias, dificuldades, vitórias e, também, decepções…
A Academia Tocantinense de Letras, iguais a suas congêneres, não é um órgão político, mas, sim, democrático. Obedece à Justiça e enaltece a liberdade de pensamentos, bem como a dos direitos dos homens. Também, cultivamos a gratidão, que, no dizer de Esopo: “é o apanágio das almas nobres e sinceras” (Séc. VII a.C.).
A Academia Tocantinense de Letras aguarda a presença do escritor Liberato Póvoa e a continuidade de sua valiosa cooperação acadêmica, a primeira, no gênero, criada no nosso estremecido Estado do Tocantins.
(Ana Braga da Academia Tocantinense de Letras (Cad. 04), Academia Femininade Letras e Artes de Goiás (Cad. 04) e Academia Goiana de Letras (Cad. 31))