Cotidiano

Agitação cultural pode movimentar o Centro

Redação DM

Publicado em 6 de setembro de 2018 às 03:05 | Atualizado há 6 meses

Um dos bairros mais anti­gos de Goiânia e conhe­cido pela arquitetura em estilo art déco, o Setor Central está sem investimento há pelo menos três décadas. Mas novas iniciati­vas com o objetivo de agitar a cena cultural podem levar às pessoas para a região mais charmosa da capital goianiense. Atualmente, ao findar o horário comercial, é rari­dade encontrar gente perambu­lando pelas sinuosas ruas do Cen­tro. O dia em que há mais fluxo de pessoas é na sexta-feira, quan­do iniciativas como o Chorinho atraem o público para contemplar atrações musicais e ir aos bares no entorno da Avenida Goiás.

A justificativa para a baixa movi­mentação é que a região não teria a circulação de investimento neces­sária para manter sua vida cultural ativa. No entanto, a Secretaria Mu­nicipal de Planejamento Urbano e Urbanização (Seplahn) vem di­zendo desde o início do ano que a ocupação do Centro será tratada como prioridade no novo Plano Diretor. Discutido em sessão ple­nária, mas ainda aguardando ser votado pela Câmara de Vereadores, o documento prevê por meio de isenções urbanísticas construções e “aproveitamento democrático” do espaço urbano. Impasses buro­cráticos, todavia, podem dificultar empreendimentos na região.

Preocupado com a memória da capital goianiense, o jornalis­ta e agitador cultural Heitor Vilela, 24, argumenta que a cidade vai na contramão da tendência encontra­da em outras capitais brasileiras. Ele acredita que o Centro de Goiâ­nia está sendo subocupado e su­butilizado em função das propos­tas culturais que há no momento para bares e casas culturais. Refor­çou ainda que, embora a maioria dos estabelecimentos, como tea­tros, museus e palcos de shows sejam no bairro histórico, o horá­rio de fechamento é “muito cedo” e, assim, a vida cultural da região não seria tão movimentada em re­lação às outras cidades históricas.

“O imóvel que foi escolhido para ser a sede do bar e casa cul­tural, a Casa Liberté, é um casa­rão antigo da cidade de Goiânia, que fica ao lado do Colégio Lyceu, uma das primeiras escolas da Ca­pital. Próximo ao imóvel também há a sede da Academia Goiana de Letras e outros prédios históricos”, conta Heitor, que deve abrir a casa ao público em breve. “Uma nova opção com shows e outras mani­festações culturais farão com que o centro seja mais atrativo em rela­ção à outros bairros da cidade. Mo­vimentando culturalmente a casa, outros espaços do Centro certa­mente irão ganhar atenção”, con­clui ele, que também é ilustrador.

Iniciativas como as Heitor fa­zem com que o Centro não se torne deserto ao cair à noite. Em entrevista ao Diário da Manhã em janeiro, o titular da Secreta­ria Municipal de Planejamento Urbano e Habitação (Seplahn), Henrique Alves, disse que a cria­ção de novos empreendimentos aumentará as opções de recrea­ção na região e contribuirá para que o histórico bairro não se tor­ne esquecido. Na ocasião, a pas­ta ressaltou que haverá estímu­lo para novos empreendimentos na região. O bairro conta com 22 prédios tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artís­tico Nacional (Iphan).

MELHORIAS

Segundo o líder comunitá­rio Sanivaldo Silva Ramos, 48, a prefeitura está agindo para trazer melhorias ao Centro, mas ele frisou que o esforço ainda é insu­ficiente. “A secretaria de planejamento urbano e cultura está se esforçando. A prova disso é a ini­ciativa do chorinho, no Grande Hotel, que traz várias pessoas de diversas regiões da cidade toda sexta-feira para o Centro”, diz. Ra­mos afirmou que o tradicional Mercado da 74, ponto de reúne bares e atrações musicais, tam­bém é uma iniciativa importan­te para manter viva a memória de Goiânia. “Mesmo assim, é preciso mudar a história do bairro”, frisa.

Já o presidente da Sociedade Goiana de Art Déco Gutto Lemes comentou que o Centro da cidade precisa começar suas mudanças repensando primeiramente a poluição visual. “Acredito que essa região da cidade necessite de mudanças, sobretudo visuais”, de­clara. Ele ainda ponderou que as ocupações culturais podem atrair olhares para Goiânia, que é tida como referência mundial na ar­quitetura déco. “É preciso desobs­truí-las, pois desta forma turis­tas serão atraídos para a região, o que pode gerar lucro aos cofres do município”, completa.

Em pesquisa divulgada no ano de 2006, o historiador Ciro Augus­to de Oliveira esclareceu que ini­ciativas neste sentido podem pro­vocar melhor desenvolvimento urbano, além de manter viva a me­mória da cidade e seu patrimô­nio arquitetônico. “Esse modelo de desenvolvimento toma como um dado econômico e cultural a estrutura e a forma da cidade, e como um dado social a trama de relações sociais de atividades que podem suportar”, explicou o pes­quisador, em artigo.

De acordo com o Instituto Bra­sileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população de Goiânia aumentou 44% em 20 anos, en­quanto a do Centro registrou que­da de 7% neste período, ou seja, a tendência constatada na capital goianiense é um êxodo do Centro para outros bairros. Neste tempo, a preferência de moradia passou a ser a região sul da capital, cujo crescimento foi de 56%, subindo de 25 para 39 mil habitantes.



No último mês de julho, realizei campanha inédita de captação de imóveis comerciais no centro pioneiro que adotaram locais históricos para instalarem seus empreendimentos, a pesquisa ‘ Valorize quem Valoriza o Patrimônio”

Gutto Lemes, Sociedade Goiana de Art Déco

 

O imóvel que foi escolhido para ser a sede do bar e casa cultural, a Casa Liberté, é um casarão antigo da cidade de Goiânia, que fica ao lado do Colégio Lyceu, uma das escolas mais antigas da Capital”

Heitor Vilela, jornalista e agitador cultural

 

Bairro está perdido entre fachadas e toldos que alteram arquitetura

Quem caminha pelo Setor Cen­tral não percebe que existe uma cidade escondida ali. A beleza da arquitetura art déco se perde em um emaranhado de toldos, fa­chadas, totens e arranjos metáli­cos dos mais diversos tipos. Sem a mínima possibilidade de enxer­gar Goiânia tal como ela é, só res­ta imaginar. “Penso que temos es­condidos no Centro um tesouro, inúmeros prédios art déco, cons­truções históricas, muita coisa es­condida”, disse o presidente da So­ciedade Goiana de Art Déco, Gutto Lemes, ao Diário da Manhã, em fevereiro do ano passado.

Gutto pontuou ao DM que a preservação do patrimônio déco deveria acontecer por meio dos órgãos fiscalizadores com obje­tivo de conscientizar comercian­tes e proprietários sobre a impor­tância de manter as fachadas e arquiteturas originais. Com isso, garante ele, a própria população da capital goianiense iria visitar o Centro com mais frequência, além de ter maior presença de turistas pela região, “aumento na arreca­dação de impostos, comerciantes vendendo mais, donos dos imó­veis tendo suas propriedades va­lorizadas, juventude e saudosistas com uma nova cidade para fre­quentar”. O ativista ainda sugere uma força tarefa que envolva di­versas instituições para devolver “a cidade a famosa cidade escon­dida atrás dos letreiros”.

“No último mês de julho, reali­zei campanha ‘Valorize quem Va­loriza o Patrimônio’ de captação de imóveis comerciais no centro pioneiro que adotaram locais his­tóricos para instalarem seus em­preendimentos”, diz o presidente da Sociedade Goiana de Art Déco. Ele explicou que “a ideia dessa prestação de serviços simples e direta foi de valorizar os empre­sários dos ramos de gastronomia, saúde, cultura e serviços que in­vestiram em imóveis com referên­cias históricas”. Lemes também contou que foram catalogados 12 estabelecimentos.

“Pouco para um centro histó­rico na dimensão que temos, mas espero que no futuro seja a semen­te que irá transformar de vez o cen­tro pioneiro de Goiânia”, lamenta. “Gostaria de parabenizar empre­sários, franceses, paulistas, por­tugueses, gaúchos, goianos… dos quais valorizaram nosso acervo na região central e que resistem bra­vamente a todas as crises. E fazer um apelo para nossos proprietá­rios e empresários locais que valo­rizem suas fachadas e que o cen­tro vale a pena investir”, conclui.

ORGANIZAÇÕES SOCIAIS

Para o líder comunitário Sanivaldo Silva Ramos, as Organizações Sociais (OS) que administram o Centro de Convenções, na Avenida Paranaíba, são responsáveis por expulsar os empreendimentos da região, já que o preço cobrado pelas OS para alugar o espaço é alto e afas­ta possíveis investidores. “As em­presas cobram uma quantia fora do comum para os empresários utilizarem o local. Como conse­quência, não há fomento às ati­vidades culturais”, confessa o lí­der comunitário, que mora no Centro há doze anos.

Ex-morador da região, o arquiteto Danilo Bastos, 27, pensa que é necessário maior fomento à abertura de bares e restaurantes na região. “Bares atraem pessoas”, diz ele, ressaltando que grandes cidades possuem con­centração de estabelecimentos boêmios na região central. “Po­rém, eu reconheço que está ha­vendo algumas ações com in­tenção de promover a ocupação do centro, coisa que não se via antes”, reconhece.

Para o líder comunitário Sanivaldo Silva Ramos, as Organizações Sociais (OS) que administram o Centro de Convenções, na Avenida Paranaíba, são responsáveis por expulsar os empreendimentos da região”

 

Ex-morador da região, o arquiteto Danilo Bastos, 27, pensa que é necessário maior fomento à abertura de bares e restaurantes na região. “Bares atraem pessoas”, diz ele

 

 

Planejada na década de 1930, Goiânia é tida como símbolo da modernidade

Goiânia é uma cidade planejada e símbolo da modernidade. Surgi­da na década de 1930 como fruto da Marcha para o Oeste estimula­da pelo então presidente Getúlio Vargas, a capital goiana é realça­da por dezenas de prédios em es­tilo art déco. A construção da nova capital tinha o objetivo de acelerar o desenvolvimento e incentivar a ocupação da região Centro-Oes­te do Brasil. As primeiras constru­ções foram projetadas pelo urba­nista Attílio Corrêa Lima.

No entanto, essa riqueza é des­conhecida pelos brasileiros, e até mesmo dos goianienses. Em 2003, o conjunto urbano de Goiâ­nia que inclui 22 prédios e monu­mentos públicos–concentrados em sua maioria no Setor Central e Campinas, antigo município e atual bairro da Capital–foram tom­bados pelo Instituto do Patrimô­nio Artístico e Nacional (Iphan). Dentre as edificações, destacam­-se o Cine Teatro Goiânia e a Tor­re do Relógio da Avenida Goiás, de 1942, além da Estação Ferroviária, na Praça do Trabalhador.

Corrêa Lima deu o pontapé no projeto de Goiânia e Armando de Godoy foi a mente dos trás do Pla­no Diretor, que tinha inspiração na teoria das cidades-jardim, do ur­banista inglês Ebenezer Howard. Em um primeiro momento, fo­ram abertas apenas três avenidas (Goiás, Araguaia e Tocantins) que confluem para o Centro, onde foi erguido o Palácio das Esmeraldas, sede do governo estadual.

SÉCULO XVIII

A história de Goiânia remon­ta ao século XVIII. Em 1753, o go­vernador da Capitania de Goiás, D. Marcos de Noronha (Conde dos Arcos), anunciou que tinha a pretensão de transferir a capital de Villa Boa de Goyaz, hoje Cida­de de Goiás, para a atual Pirenó­polis, também cidade histórica e um dos pontos turísticos do Esta­do. Décadas mais tarde, no Brasil imperial, o desejo de mudança foi manifestado pelo governador Mi­guel Lino de Morais, que propôs a mudança da capital para a região próxima ao município de Nique­lândia, um dos mais antigos do Es­tado, localizado na região norte.

Como grande parte do Brasil Central, a ocupação das terras goia­nas começou a ocorrer com o avan­ço dos bandeirantes paulistas em busca de ouro e pedras preciosas. Entre os séculos XVIII e XIX, houve períodos de riqueza e prosperidade. Villa Boa de Goyaz, a então sede do governo estadual, era o centro do desenvolvimento em função das minas de ouro. Mas quando a pro­dução começou a decair e a econo­mia estagnou, o outro governador da província, José Vieira Couto de Magalhães, trouxe de volta o deba­te acerca da transferência da capital.

Com a aprovação da Constitui­ção do Estado em 1891, a mudan­ça da capital enfim começou a to­mar forma. Durante a Revolução de 1930, o interventor Pedro Ludo­vico Teixeira deu início ao processo de construção da cidade que seria a nova sede do governo. A escolha do local ficou sob responsabilidade do urbanista Attílio Corrêa Lima, em 24 de outubro de 1933. Ludovico, en­tão, lançou a pedra fundamental. Lá, atualmente, encontra-se o Pa­lácio das Esmeraldas, na Praça Cí­vica. Goiânia foi oficializada como capital do Estado em março de 1937.

 

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