Opinião

O apelo de Moka Nascimento

Diário da Manhã

Publicado em 30 de outubro de 2016 às 00:50 | Atualizado há 9 anos

“É guerra é guerra, é morte em todo lugar!”

Este o refrão do multifacetado músico e baterista encantador das baquetas Moka Nascimento. Goiano e cria do Setor Universitário, canta e anuncia “Apelo”, a canção premiada em vários festivais de cultura com destaque Brasil afora. A parceria da letra – com Waldir Andrade – parece enfeitiçada musicalmente em arranjos incomparáveis do multi-instrumentalista e vocalista, reconhecido no País em palcos que apresentam grandes nomes da boa música inspirada, pensada, escrita e levada a inúmeras plateias.

De caráter “destruidor e voraz”, segundo o baterista e compositor, a irrequieta noção da (des) humanidade esparramada planeta afora brota em denúncia visual através de slides, e, cantada por letras sagazes, luzes vibrantes no show “Todos os Ritmos”. Pauleira total em performance irretocável de Moka & seus convidados, como exemplo a sua atuação – que parece inspirada em um dos mais longos solos de bateria da história do rock’ n’ roll -, quando o célebre John Bonham, leia-se Led Zeppelin, na instrumental “Moby Dick” cuja duração alcança mais de 25 minutos, dá ao mundo a atuação em solo memorável, no show em Seattle, no ano de 1977.

A questão ambiental estrutura a apresentação musical mixada à mescla teatral da trupe montada por artistas profissionais que formam a banda composta por músicos com idade entre 25 e 60 anos de vida bem vivida, experimentada, escrita e tocada a tons de muito suor, amor e rebeldia ao estilo do rock. Eles trazem à tona uma gama de tons pesados em metal puro, diversificada, verdadeiro mix entre bateria e sax, guitarra com baixo e acordeon sintonizado aos teclados em show irreparável onde acontece o jazz, o rock progressivo, baião, soul, afro-cubano, erudito, além do blues, eterno e cadente.

Se “a mesmice já provou que não funciona, é preciso inovar e renovar conservando o que atende nossa gente, criar mecanismos que supram necessidades ainda não alcançadas. Muito ainda há por fazer, é preciso querer, ter compromisso com um melhor amanhã”, afirma Rachid. O show, apreciado e bem digerido torna-se uma viagem para a plateia atenta, delirante e participativa o que demonstra claramente o compromisso da banda com o profissionalismo artístico de excelência musical.

Movido a simplicidade e amor à causa da musicalidade, umbilicalmente ligada à questão política da paz no mundo – ou enquanto denúncia da sua negação – este trecho da letra de “Apelo” suplica: “Senhor nos proteja de nossos semelhantes que querem acabar com esse mundo cão. Não deixe que as bombas desapareçam com o homem, não permita que a massificação venha nos consumir.” Com a força do bairro que engoliu o próprio status de urbe ao alcançar a maioridade de dois séculos, a partir de 1810, Campininha das Flores, explode em “Champs City”, cuja letra inicial é do percussionista e professor Newton Rodrigues, o Escurinho, criada em meados dos anos 1970 e adaptada, atualizada e arranjada por Moka, em 2002, no CD “Emoções Enlatadas”, na praça, desde 2006.

Se as relações sociais modernas se dão a bala que as trespassa mundo afora, em guerras cuja essência denuncia corações vitimados pelo capitalismo selvagem, o jogo da lógica bucólica emanada daqueles que vivem, respiram e falam da cidade – aos tempos em que moradores falavam uns aos outros e se conheciam – a letra revive o comércio, o campo do Atlético, as personalidades que ajudaram a construir a Goiânia cultural e personagens que ali residiram, como Peninha, um dos precursores da produção musical estadual, Arthur Rezende, colunista e empresário cultural de renome e Ivanor Florêncio, pessoa que esbanja simplicidade e profissionalismo, atual secretário Municipal De Cultura e um dos desbravadores das artes plásticas no Estado.

Outro ponto pulsante da apresentação tem ponto de destaque quando o louco pacífico das baquetas, ou mestre Moka, clama: “Senhor nos proteja neste mundo perdido, nessa Terra que afaga e também nos esmaga, da dor, na luta, da fome e labuta. De que adianta a comunicação se os homens destroem sua própria nação?” Ele abandona a cadência, faz calar os outros instrumentos e dá vida ao silêncio destoando, provocando e distorcendo mentes e corações ao tocar, com as mãos, a bateria, numa atuação que parece inspirada no guitarrista Jimi Hendrix, o qual, alucinado por ácido em meio a notas musicais, queimou sua guitarra em um show, em Londres, em 1967, lembrando que o instrumento, danificado, foi vendido por cerca de 280 mil libras, em agosto de 2008.

Questão de ordem, o capitalismo, que na teoria não doa peixes, mas ensina a pescar, na prática, mata os rios extinguindo os peixes, destrói as cidades, o ecossistema e o ser social. Assim a letra de “Apelo” alcança as raias das redes sociais na estrofe seguinte: “A internet põe o mundo pequeno, porém, o homem não fica mais sereno. Mas temos fé e estamos a lhe esperar, pois só o Senhor, Jesus, poderá nos salvar.’

O show acontece com Fridinho viajando na guitarra; Moisés Feitosa que marca o pulso do baixo; Aurélio Mokinha quebra tudo na bateria; Sávio Gonçalves eleva o astral através dos teclados; Marcos Morgado que atiça o sax, enfeitiça e seduz na flauta. A banda prende a atenção dos presentes, dá base sólida às apresentações especiais com Fridão e sua voz, ao acordeon, que toca e canta canções do grupo inglês Pink Floyd. Emídio Queiroz distorce, como ninguém, a guitarra, também, a alma do público. O largado Carlão alarga a sua voz com “Credence Clearwater”, e, Dema, firme no baixo, canta Deep Purple. Moka, de maneira elegante e sincera, conduz o belo espetáculo, tornando a bateria uma extensão de seu corpo ao nortear o instrumento de forma melódica e com muita harmonia. A banda dá as caras e notas, definitivamente, e denuncia que em Goiás o rock é profissional e muito mais vivo do que esteve antes. Enquanto isso Moka canta seu grito de guerra: “É guerra é guerra… é morte em todo lugar!”

E o pulso… ainda pulsa!

 

(Antônio Lopes, escritor; filósofo; mestre em Serviço Social PUC-Goiás) 

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