A juíza que reconstruiu um presídio
Redação DM
Publicado em 16 de outubro de 2016 às 01:45 | Atualizado há 5 mesesUm dos maiores problemas do sistema de segurança pública brasileiro é a eficácia da lei. Raramente o Estado consegue cumprir o que está na norma. Pela lógica, se o indivíduo cometeu um crime, ele tem que cumprir uma pena. É o mínimo para um sistema penal. Parte das sanções diz respeito à restrição da liberdade e consequente prisão do sentenciado às penas punidas com detenção. Ocorre que há tempos o Estado não consegue cumprir a lei e dar cadeia aos criminosos. Daí existirem em Goiás, por exemplo, mais de 60 mil mandados de prisão a serem cumpridos. Caso fossem cumpridos, seria preciso transformar o Estádio Serra Dourada, em Goiânia, numa imensa prisão para cumprir a lei.
Em um cenário de falta de locais para colocar os detentos, só resta desespero ou ação. E foi ação o que a magistrada Roberta Wolpp Gonçalves decidiu escolher. O presídio de Rubiataba foi praticamente destruído durante uma rebelião ocorrida em junho de 2015. Quando viu o cenário, a juíza ficou desolada. E o problema trouxe um dilema: ou ignorar o problema e deixar a solução para o Estado, responsável pela qualidade e construção dos presídios, ou tentar proteger a comunidade e reconstruir – ao lado de alguns abnegados da região – o presídio.
“Ao titularizar na comarca de Colcalzinho, vivi oito meses de dificuldade por não ter unidade prisional. Quando me deparei com a mesma situação em Rubiataba, me senti obrigada e apoiada pela comunidade em fazer esse presídio”, conta.
Diferente dos políticos que anunciam com estardalhaço a ideia de fazer a obra, cinco anos depois o empenho, dez anos depois o início das obras e, ufa, duas décadas depois, por fim, a entrega do prédio, a magistrada já entregou a unidade prisional.
Durante a solenidade de inauguração, muita emoção marcou também a despedida da juíza. Ela deixa a condição de juíza auxiliar, já que é titular da comarca de Uruana. O exemplo de Roberta não precisa ser seguido por outros magistrados, mas é fato que algo precisa ser feito. Ou muda-se a lei e descriminaliza-se algumas práticas ou os gestores precisam resolver o problema com urgência, pois a cidade estava em pânico com a situação. A Constituição Federal estipula que as políticas de Segurança Pública são uma obrigação dos Estados, mas os governantes alegam falta de recursos. Ao Poder Judiciário cabe dirimir conflitos e julgar.
Hoje o presídio tem 36 reeducandos isolados. Para construir o presídio, Roberta conseguiu R$ 150 mil do fundo de reserva do Conselho da Comunidade de Rubiataba. Com seu carisma e capacidade de diálogo, ela conseguiu também convencer os reeducandos a ajudarem na obra, já que muitos tinham habilidades de construção civil.
De repente, todos se uniram para construir a obra. Servidores das prefeituras de Rubiataba, Nova América e Morro Agudo, que integram a comarca, também arregaçaram as mangas para terminar o presídio.
Inicialmente, a obra foi orçada em R$ 300 mil. Se fosse avaliada aos moldes tradicionais, com certeza o valor chegaria próximo de R$ 1 milhão. Mas a questão é que a obra teve início com a metade dos R$ 300 mil, apenas R$ 150 mil. E cada novo tijolo colocado no prédio além disso veio de um compromisso da magistrada e aliados com a cidadania. O que faltava era completado no peito e na raça.
ESTRUTURA
A cadeia tem quatro celas com espaço para 12 presos cada uma. O presídio ainda guarda uma espaçosa área para banho de sol. Como exemplo para outros presídios goianos, foi instalado um moderno sistema de câmeras de circuito interno. Roberta e detentos sonharam uma expansão: duas salas de aula para atender os encarcerados. Ficou para o futuro.
Um dos presidiários que participou das obras, Alexandro Magalhães Pereira, de 31 anos, disse que recebeu R$ 500 de auxílio, bem como o desconto de um dia de pena para cada três em que trabalhou.
Fez questão de elogiar doutora Roberta. Ficou a saudade da juíza-gestora.