Seu Antônio, o homem do saco!
Redação DM
Publicado em 31 de agosto de 2016 às 02:45 | Atualizado há 9 anos“O homem do saco” tornou-se uma figura do nosso folclore. Eu, particularmente, quando criança era comum ouvir os meus pais me dizerem: “Se você não obedecer, eu vou chamar o homem do saco”, “olha! O homem do saco está vindo”. O “homem do saco” tornou-se uma figura popular e amedontradora das crianças, pelo fato de ser comum vermos diariamente, a figura de andarilhos e de mendigos andando pelas ruas e sempre trazendo um saco ás costas. Quando criança o homem do saco causava-me medo e curiosidade, talvez o medo fosse somente por causa da ameaça dos meus pais, que colocava o homem do saco como um ser perigoso e que, segundo eles, caso o homem do saco pegasse as criancinhas, colocariam elas dentro do seu saco e as raptariam.
Durante a minha pré-adolescência, no Conjunto Riviera, bairro localizado na Região Leste de Goiânia, lembro-me também de que, lá também existia lá um tal “homem do saco”, segundo ele mesmo, seu nome era Antônio, era neurótico, pois, era Expedicionário da Segunda Guerra Mundial, possuía um temperamento instável, constantemente e de maneira inesperada dava uns gritos, não suportava barulhos e quando qualquer sirene apitava, ele corria para se esconder e gritava: “Cuidado! Bomba.” Era de meia estatura, o rosto marcado por buracos de espinhas e que lembrava muito um jenipapo maduro, o nariz era enorme parecendo um caju grande e maduro, os olhos eram vidrados, era branco, mas, queimado de sol, andava encurvado e sua pequena corcova parecia um jabuti a andar preguiçosamente. Trazia sempre ás costas um saco que se revezava, ora, era um saco de pano, ora, era um saco de linhagem, daqueles que transportavam sal de cozinha. Ambos os sacos viviam sempre muito sujos.
Na minha peculiar curiosidade, gostava de dialogar com o seu Antônio, ele me contava histórias de guerras, do exército e histórias familiares, segundo ele, sua família o abandonara depois que o mesmo adoecera e após perambular por um período em diversas Clínicas de Repouso, inclusive, passou pelo extinto Hospital Psiquiátrico Adauto Botelho, que era localizado em Goiânia, no mesmo local onde atualmente funciona o Crer, próximo a Pecuária, mas, não tendo mais moradia e nem o apoio da família passou a perambular pelas ruas. Seu Antônio dizia para mim e para as demais crianças que o cercavam, que deveríamos ser patriotas e defender o Brasil com “unhas e dentes”. Era comum ouvirmos Seu Antônio cantando o hino do Expedicionário, Cuja parte da letra ainda me lembro: “Não permita Deus que eu morra sem que eu volte para lá; sem que leve por divisa esse ‘V’ que simboliza a vitória que virá.”
O que mais despertava a curiosidade das pessoas, principalmente das crianças do bairro, era o saco que Seu Antônio trazia às costas, pois, era um saco intocável, quando algum menino ousasse tocar no seu saco, seu Antônio ficava bravo e xingava muito, o seu palavrão preferido era aquele que ofendia a honra das nossas mães. A arma de defesa do seu Antônio era um cacete, segundo ele, era para enfrentar os cães e os ladrões. Dormia debaixo das marquises dos pontos comerciais existentes no setor, mas, o seu sono era perturbado por constantes pesadelos, que o levava a gritar bastante: “Atirar, apontar, fogo!” “Morra, alemães”, “abaixo o Nazismo”, “Viva, Getúlio Vargas”, “Viva o Brasil”. Seu Antônio trajava sempre um paletó cinza, encardido e com um rachado atrás, vestia sempre roupas que ganhava, sua alimentação também vinha das doações do moradores do Conjunto Riviera.
Uma certa manhã chuvosa, cujo clima frio trancou as pessoas em casa, nesse dia, observei que, somente eu saí para a rua, enquanto os outros meninos ou dormiam ou assistiam programas de TV trancafiados em suas residências. Aproveitei essa oportunidade de estar só, e me aproximei do Seu Antônio, para enfim matar a minha curiosidade a respeito do seu saco. Dei-lhe bom dia, ele, cordialmente, me respondeu; seu Antônio estava sentado debaixo de uma velha monguba, tinham os braços cruzados e estava enrolado em uma manta vermelha. Não perdi tempo e lhe perguntei: “Seu Antônio, afinal, o que o senhor carrega dentro desse saco?” Seu Antônio olhou dentro dos meus olhos, sorriu deixando aparecer poucos dentes e me respondeu: “Vou te mostrar”, abriu o saco e foi tirando várias “bugingangas”, primeiro, seu Antônio tirou de dentro do saco um cobertor “sapeca negrinho”, que exalava um cheiro forte de suor e de rabujo, depois uma lata vazia de cera vermelha, cuja marca da cera ainda se lia: “Cera Parquetina”, segundo ele, a lata era para colocar a comida que ele ganhava, tirou um copo de alumínio, e, por fim, tirou o cacete que era a sua arma de defesa. Agradeci seu Antônio pela gentileza e nos despedimos para nunca mais nos vermos, pois, a partir daquele dia, seu Antônio, “o homem do saco”, desaparecera misteriosamente.
(Giovani Ribeiro Alves, filósofo, escritor, poeta, professor de Filosofia na Rede Pública Estadual, em Goiânia, membro da Associação Goiana de Imprensa e articulista do Diário da Manhã)