As inconsistências
Redação DM
Publicado em 27 de agosto de 2016 às 02:51 | Atualizado há 9 anosApenas três dias após o espetáculo das prisões de diretores da Saneago e empresários acusados de supostos desvios em contratos da estatal, o conteúdo das investigações começa a revelar uma série de inconsistências. Ainda na quinta-feira, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região decidiu revogar a prisão da empresária Nilvane Tomas de Sousa Costa, presa no dia anterior.
A decisão do juiz Eduardo Pereira da Silva também traz vários pontos contraditórios e inconsistentes, que poderiam ser usados a favor dos supostos autores dos desvios de recursos da Saneago. A reportagem leu os documentos e retirou diversas inconsistências, entre elas o fato de que a Polícia Federal não considerou necessária a busca e apreensão de documentos no Diretório Estadual do PSDB de Goiás e que, mesmo assim, o Ministério Público Federal optou por executar a medida, autorizada pela Justiça.
Inconsistência 1
Prisão de Nilvane Tomas de Sousa Costa
A prisão da empresária Nilvane Tomas de Sousa Costa foi considerada arbitrária e revogada após decisão da desembargadora Neuza Maria Alves da Silva, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. A magistrada revogou o decreto expedido pelo juiz federal da 11ª Vara da Justiça Federal em Goiás, Eduardo Pereira da Silva, e concedeu habeas corpus à empresária. De acordo com a decisão da desembargadora, não há fundamentos para que a investigada seja penalizada com a prisão temporária. Neuza Maria determinou que a empresária seja colocada imediatamente em liberdade. Nilvane Tomas é sócia da empresa Sanefer Construções e Empreendimentos Ltda. O pedido de habeas corpus foi protocolizado no Tribunal Regional Federal pelos advogados Cleber Lopes de Oliveira, Marcel Andre Verrinai Cardoso e Rainer Serrano Rosa Barbosa.
Inconsistência 2
MPF pede à Justiça adoção de procedimentos em anuência da PF
A Polícia Federal considerou desnecessárias medidas de execução da Operação Decantação (apreensão de documentos, condução coercitiva, entre outras) contra 20 das pessoas arroladas na apuração.
Mesmo assim, o Ministério Público Federal (MPF) solicitou a execução das medidas à Justiça Federal, que deferiu os pedidos. Em todas as operações anteriores, o procedimento foi bem diferente: a PF elencou as medidas a serem tomadas e o MPF apenas endossou com elas.
Desta vez, o MPF resolveu pedir a execução de medidas sem o pedido prévio da PF.
Inconsistência 3
PF considerou desnecessária apreensão de documentos em Diretório do PSDB
Entre as medidas que a Polícia Federal considerou desnecessárias está a apreensão de documentos na sede do Diretório Estadual do PSDB. Mesmo assim, o Ministério Público Federal pediu a apreensão e a Justiça Federal acatou.
Inconsistência 4
MPF atribui a Taveira contrato de período no qual ele não era presidente da Saneago
Entre os elementos que embasaram o pedido de prisão do presidente da Saneago, José Taveira da Rocha, está um contrato celebrado em 2013 entre a estatal e empresa vencedora de licitação para a execução da obra. O detalhe é que em 2013 Taveira não era presidente da Saneago. Ele assumiu a função dois anos depois, em 2015.
Inconsistência 5
Relatório do Ministério da Transparência tem informações que contradizem investigação
Entre os documentos da operação mais citados nas investigações e nas reportagens na imprensa está o relatório do Ministério da Transparência que inspecionou os contratos da Saneago com as empresas investigadas. Mas nele há fatos que contradizem as investigações. Entre eles estão informações curiosas sobre dois contratos. Em um, o “superfaturamento” registrado é de R$ 3,8 mil – isso mesmo: três mil e oitocentos reais.
No outro caso, o relatório do Ministério mostra que, na execução de contrato com a Sanefer (principal empresa alvo da operação), a Saneago economizou – sim, economizou – R$ 465,7 mil.
Inconsistência 6
Diálogo entre Cesário Lopes e Afrêni Gonçalves
Apesar de a Operação Decantação apresentar diálogo interceptado entre o empresário Cesário Lopes o presidente do PSDB, Afrêni Gonçalves, como indício de que recursos da estatal foram usados para pagar, por fora, contrato com gráfica, o serviço de impressão está registrado no Diretório do PSDB. A prestação de contas do partido mostra que o gasto com a gráfica foi registrado e apresentado pelo comitê financeiro do diretório tucano à Justiça Eleitoral. A prestação de contas da legenda, como se sabe, foi aprovada.
Inconsistência 7
Diálogos corriqueiros foram tratados como indícios de esquema
No relatório da decisão em que deferiu as medidas de execução da Operação Decantação, o juiz Eduardo Pereira da Silva reconhece que diálogos das conversas interceptadas que levaram à prisão dos acusados se referiam a procedimentos administrativos da rotina dos funcionários e diretores gravados com autorização judicial. Mesmo assim, o MPF apresentou esses diálogos como indícios de participação no suposto esquema de desvio de recursos.
Gravações mostram suplente de Ronaldo Caiado liderando tráfico de influência na Saneago
Transcrição das gravações telefônicas da Operação Decantação mostra que o primeiro suplente do senador Ronaldo Caiado, Luiz Carlos do Carmo, fez tráfico de influência junto à direção da Saneago para beneficiar uma empresa ligada a ele.
Nas interceptações, o diretor de Produção, Mauro Henrique Barbosa, liga para o diretor de Gestão Corporativa da Saneago, Robson Borges Salazar, e pede, em nome de Luiz Carlos do Carmo, que Robson fure a fila de pagamentos para beneficiar uma empresa ligada ao suplente de Caiado. Luiz Carlos do Carmo é ex-deputado estadual.
Confira o diálogo
►Mauro Henrique: O deputado Luiz Carlos do Carmo me ligou… É caso de vida ou morte… Tem que ser antes das 10, você tem fazer 50 mil para Transuan. E diz que tem que ser antes das 10 pra salvar um trem lá.
►Robson: É, então tá.
►Mauro Henrique: Não tem jeito, ligou, é vida ou morte lá.
►Robson: Não, ele é meu amigo… Eu gosto dele.
►Mauro Henrique: Então beleza. Você voltando pede para o Vítor fazer antes das 10 (horas).
►Robson: Tá bom.