Opinião

Teatro experimental do negro em Goiás

Redação DM

Publicado em 10 de agosto de 2016 às 02:34 | Atualizado há 9 anos

Tengo ou Teatro Experimental do Negro em Goiás, é o livro que lançarei em Mineiros, extremo sudoeste goiano, no dia 16 de setembro do ano em curso, no Auditório do Fórum local, numa sexta-feira, às19h30. Selo, Editora Anita Garibaldi, de São Paulo, que editou “Racismo à Brasileira: raízes históricas”, ora em 4ª edição, reimpressa, motivador de Tengo, principal base artística com a qual venho combatendo o racismo. Desde 1979/1980, trouxe esse Teatro para as telúricas terras goianas, onde consegui encená-lo na Capital e outras cidades do Estado, através da peça teatral Auto de Zumbi, de minha autoria, montagem dos talentosos atores, José Fraga (Goiânia), Toninho Gomes, Cláudio Fumaça e Almir Amorim, em Mineiros, que, como Fraga, prestaram um importante serviço à cultura, à arte, à história das ideias e, em particular, ao Teatro de Vanguarda, como acredito poder ser chamado o Experimental do Negro, extraordinária iniciativa do consagrado historiador Abdias do Nascimento.

Trata-se de teatro que reúne educação, arte, cultura e que, por se encontrar artística e politicamente articulado e engajado, fugindo do marginal e periférico, passou, desde seu início no Rio de Janeiro (1944), a exigir acentuado estudo, arguta pesquisa e decisiva persuasão crítica, no intuito de glosar e exercer censura e poder ajudar a transformar a vida política, econômica, social e cultural da sociedade brasileira, com finalidades e objetivos pedagógicos claros e convincentes, transcritos sobretudo no sumário, como conteúdo do livro, que imagino não passar, por certo, de uma singela contribuição ao estudo e processo de evolução histórica do Teatro, em Goiás e com certa surpresa em Mato Grosso, onde, como em Goiás, existiram e existem inegáveis valores da Arte de Shakespeare, precisando ser resgatados e tirados do anonimato e injusto silêncio dos esquecidos, diligência, aliás, que já vem sendo feita, sobremodo mais recentemente, não podendo esquecer, contudo, que não estamos mais no tempo das “comédias de costumes inconsequentes ou dramas convencionais”, que só os privilegiados da sorte podiam assistir.

Escrevi este livro com certa timidez, envergonhado, por não ser versado na temática do Teatro, assunto de gênero dramático, arte cênica, ainda mais recordando o famoso e importante inconformismo político dos anos 1970. Como a minha mente iria comportar-se, com realce 40 anos depois, quando o “engajamento artístico” seria assunto fora de moda? Como lidaria com as minhas emoções, os meus brios e profundos sentimentos de pertencimento de retirante nordestino indignado com as injustiças do mundo, principalmente do Brasil, onde o segmento social negro continua apequenado? Ah, os negros… se não bastasse, não escrevo para um só endereço, um público único. Tenho compromisso com o mundo no qual não vejo o sagrado ofício artístico somente como etiqueta ou conformismo de deslumbrados. Deleite ou bem-estar burguês. Oportunamente, Albert Camus socorreu-me, num inesquecível discurso, ao receber o Nobel de literatura em 1957: “A arte não é aos meus olhos, um prazer solitário”. Além disso, sei da importância da vida solitária, do meu desassossego intelectual onde estão muitas indignações e não sei quantos sonhos e aventuras, decerto artísticos, inspiradores de minha vida silente e insulada.

Creio ter sido assim que afugentei os meus medos, vergonhas e quejandos, devendo ser por isso que ao escrever Racismo à Brasileira: raízes históricas, além do intuito em comprovar e denunciar a existência do racismo mascarado do Brasil, queria e precisava combatê-lo sem demora, surgindo assim a ideia de valer-me de algum fundamento teórico, político-pedagógico, alguma estratégia, artística, por exemplo; percebendo que precisava buscar valores espirituais, transcendentes, científicos, para desempenho dessa árdua tarefa, quando descobri o oportuno Teatro Experimental do Negro referenciado, participando de uma semana de estudos afro-brasileiros em Belo Horizonte, Minas Gerais (1978), acompanhado dos caros confrades da AGL, Aidenor Aires e Brasigóis Felício, ali sendo essenciais os diálogos que mantive com Abdias do Nascimento, Clovis Moura, Zélia Gonzales, Nivaldo Costa Lima, Waldemar Barbosa e outros ícones desses estudos, cujo talento, não duvido, permanecerá na história do futuro.

Escolhida a tática, os consistentes e imprescindíveis objetivos, pesquisei e escrevi o texto, ora transformado em livro, a ser lançado e distribuído Brasil afora, onde os seus ideais de denúncia e combate radical ao racismo, somado o seu propósito, serão certamente alcançados. Procópio Ferreira (1898-1979), no prefácio a Deus lhe Pague, de Juracy Camargo, escreveu:

“Para mim, a vida é a miniatura do teatro. Ele a aumenta, a embeleza, a sublima. A vida cria o conflito: o teatro o resolve; e, nessa solução, a vida tem aumentado seu patrimônio moral. A vida está cheia de Ciranos, Hamlets e Otelos, mas, só depois da arte os haver mostrado, é que o mundo começou a reparar neles”.

 

(Martiniano J. Silva, advogado, escritor, membro do Movimento Negro Unificado (MNU), da Academia Goiana de Letras Mineirense de Letras e Artes, IHGG, UBE-GO, mestre em História Social pela UFG, professor universitário ([email protected]))

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