O fator mulher
Redação DM
Publicado em 30 de julho de 2016 às 02:55 | Atualizado há 9 anos“A violência contra as mulheres é uma construção social, resultado da desigualdade de forças nas relações de poder entre homens e mulheres. É criada nas relações sociais e reproduzida pela sociedade”.
(Nadine Gasman, porta-voz da ONU Mulheres no Brasil)
Que a sociedade brasileira é profundamente violenta já não é novidade pra ninguém o que joga, de uma vez por todas, a tese de que o brasileiro é pacífico, tranquilo e que só quer saber de samba, sol e futebol. Puro mito!
Somos um dos povos mais violentos do mundo e os dados revelam isso ano após ano e definitivamente, nossa violência está presente em todos os níveis, classes e estamentos sociais. Acontece independentemente de religiões, crenças, opções sexuais, níveis de instrução ou padrões de renda. Somos, aceite-se isso ou não, um povo violento.
Nessa ampla e vigorosa hecatombe de violências a violência contra a mulher nos é de especial importância. Ficamos chocados com mulheres de rostos queimados em algum país do Oriente; nos estarrecemos com a dilaceração dos clítoris de crianças em certos grupos humanos da África subsaariana; ficamos boquiabertos com casamentos de meninas de nove ou dez anos como se esses trágicos eventos fossem exclusividades históricas e pontuais apenas dessa “estranha” gente oriental.
Nada disso! Tudo isso acontece aqui, em nosso Brasil varonil. Com nuanças distintas e variadas, mas, asseguro, a violência contra a mulher brasileira é constante nas relações sociais, na mídia, nos diálogos, nas narrativas e na estética predominante.
Dados da Fundação Perseu Abramo (FPA) nos mostra que a cada vinte cinco segundos uma mulher é espancada no Brasil. Setenta por cento destes espancamentos se realizam no âmbito familiar, ou seja, se você ler esse texto em dois minutos, ao chegar ao seu fim, homens terão agredido e em seu limite, matado, pouco mais de quatro seres humanos do sexo feminino.
É grito, angústia e desespero de tudo o que é tipo.
É necessário pensarmos um pouco sobre essa mulher e que inevitavelmente será agredida nesse lapso de tempo. De certo é esposa mas também, é filha, irmã, prima, amiga, cliente, consumidora, vizinha, força-de-trabalho. A tese é que a agressão, e seja ela qual for, como evidente experiência de violação do outro, de negação e anulação daquela que é diferente é um comprometimento fundamental e objetivo ao próprio convívio social. É atentado às frágeis relações sociais e que se estabelecem em um país com os níveis ou quocientes de violência como o nosso.
Aqui em Goiás, o PSDB em muito original e equivocado arranjo institucional tenta “casar” as dramáticas questões de gênero com as igualmente dramáticas questões raciais e dá forma para um ornitorrinco de nome Secretaria de Estado de Políticas para Mulheres e Promoção da Igualdade Racial (SEMIRA), é “jabuticaba tucana”, mistura de mula-sem-cabeça e saci pereré, ou seja, nem cospe fogo e ainda manca posto que não se sabe da metodologia de trabalho para se atuar com temas tão amplos e complexos como os citados.
Pois bem, a SEMIRA identifica a partir dos registos das delegacias especializadas de atendimento às mulheres (DEAM’s) que em 2010, foram registradas 9.162 ocorrências em todo o Estado. Em 2011, mais de oito mil ocorrências (outubro). Os registros do biênio 2010/2011 estão divididos em: 52% ameaças; 28% lesão dolosa, seguida por estupro ou tentativa de homicídio.
O levantamento identifica ainda, velho problema para o combate às múltiplas formas de violência contra as mulheres e que é a baixa quantidade de denuncias. Como já diagnosticado, o silêncio, o medo e a omissão potencializam a cultura da violência e que, em outros termos, é cultura da violência contra as mulheres.
É em meio a esse dramático cenário e, por incrível que pareça, ainda bastante carente de maiores dados e informações que se faz necessário a construção de políticas públicas locais às mulheres envolvendo, em primeiro momento, pesquisas, estudos e analises sobre o tema para em seguida, a feitura de políticas públicas eficazes, precisas e competentes visando geração de autonomia financeira, consciência de classe, gênero e emancipação da mulher.
Há um longo caminho a percorrer, devemos nos apressar.
(Ângelo Cavalcante, economista e professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG), campus Itumbiara)