Amor gelado
Diário da Manhã
Publicado em 14 de julho de 2016 às 02:28 | Atualizado há 9 anosÉ possível o amor acabar em sorvete diante do colorido iceberg dos sorrisos forçados?
O amor acabou num domingo à tarde, depois do cinema e silêncio; acabou em sorvete gelado; de repente, ao meio da calda de chocolate. Ele atirou com raiva contra a boca, uma cereja madura, e ela misturou na taça o amor derretido, naquela tarde de verão.
Polvilhando o amendoim torrado, destacando a delicadeza de suas mãos; na azedia do sorvete de limão, assim acabou o amor, no desenlace das mãos na saída do cinema, como algas flutuantes, que de repente se movimentavam como dois polvos mergulhados no mar da solidão; como se os dedos das mãos soubessem antes deles, que o amor havia acabado.
Já vi amores acabar em braços aflitos; ou mecanicamente, no carro, como se lhe faltasse combustível; no batom, nas lágrimas, nos brincos, nos beijos e até nas sílabas monótonas dos machistas. O amor desabou uma vez nas cordilheiras dos Andes, morreu de sede no deserto Saara, e até em Vegas onde o amor pode ser outra coisa, ele pode acabar; talvez eu esteja indo longe demais, pois, não precisa ir tão longe para o amor acabar, ele pode minguar na compulsão da brandura simplesmente, no sábado, depois de três goles de café engordurado; abrindo parágrafos de repulsa inexpl icável entre duas almas que loucamente se amaram.
O amor acaba em hotéis cinco estrelas, onde há mais encanto que desejo; e o amor acaba estonteado de delicadezas, nas poeiras que despejam a correria, e ele também suicida no tédio dos estalos de beijos imperceptíveis e insensíveis rotineiros.
O amor acaba na castidade e no sexo, no avião, no ônibus, no giro da balada; de biquíni e coco gelado o amor se arrepia e acaba; na beira da praia o amor pode virar areia; no mesa do bar, futilidade; em Goiânia, traição; em Brasília, engano; ele pode sim acabar em qualquer canto. Mas, seria possível acabar no domingo após cinema e sorvete? O amor acabou sem a menor necessidade de s ocorrer ou de acalmar se debatendo entre gelo e leite, o amor silenciou sem vontade de conversar ou de saber o que aconteceu, apático, esperando o sentimento derreter.
(Josanne Gonzaga, poeta (4 livros publicados, e participação em 3 antologias), coach e administradora de empresas. E-mail [email protected] Watzap: (62) 8185-2302)