Fábulas politicamente incorretas
Redação DM
Publicado em 14 de julho de 2016 às 02:17 | Atualizado há 9 anosSem contrariar Esopo e La Fontaine, ou algum livro com esse contexto, contarei hoje duas fábulas.
O bambu e a aroeira
Era uma vez, um bambu jovem que se curvava de modo havaiano, dançava ao bel prazer do vento. A façanha inspirou um poeta chinês – chapéu pontudo, tamanco de madeira, inventor de provérbios – que homenageou o bambu contorcionista num poema. Talvez um hai-cai. Uma enorme aroeira – com muita inveja – disse para o bambu ter fibra, rigidez e sustança para aguentar as adversidades da vida. Pois o bambu poderia ser arrancado do solo por um menino de olhos puxados, serviria como vara de pescar ou poderia ser utilizado para confecção de talheres (dois pauzinhos).
Eis que uma tempestade oriunda das monções asiáticas arrasou a região. A aroeira estalou e começou a se quebrar. O bambu, feliz da vida, dançava e se emborcava todo, desvencilhando-se do vendaval, orgulhoso pela sobrevivência. Mas a enorme aroeira, pesada e dura, esmagou o jovem bambu, enterrando-o. Moral: até quando morrem os orgulhosos destroem os humildes.
Passada a terrível estação, a aroeira virou barco e dos brotos do bambu enterrado surgiram vários bambuzinhos chineses que dançariam com o vento. Outra moral: a esperança alimenta a alma dos humildes.
Um menino chinês – chapéu pontudo, tamanco no pé, futuro inventor de provérbios –, ao ver tantos ramos de bambu, arrancou todos para servir de ornamentação e brinquedo. Última moral: a realidade às vezes faz da esperança uma vertente da ilusão.
O lobo-guará e a garça
Certa vez, o lobo-guará resolveu convidar a garça para um almoço em sua toca, com o intuito de promover a paz social do território, evitando a selvageria pela sobrevivência dos bichos herbívoros e carnívoros. A garça clamava trégua e ficava com tanta pena (nos dois sentidos).
Eis que o lobo serviu uma canja de pato silvestre num prato de porcelana. Irritada, a graça não poderia banquetear-se devido ao seu longo e pontiagudo bico. O lobo ainda disse que não utilizava nenhum recipiente mais fundo. “Os incomodados que se retirem!” A garça, com fome e com desejo de vingança, convidou o lobo-guará para um almoço no dia seguinte na beira do lago. O mingau de milho foi servido num vaso chinês de gargalo comprido, com o fito de deixar o lobo faminto, pois somente a garça tinha bico para se alimentar no fundo do vaso. O lobo, que não era burro, tinha acabado de ler Maquiavel para aprender a ser um bom príncipe, já que a cadeira do rei pertencia ao leão; também tinha degustado Dostoiévsk em Crime e Castigo.
O lobo quebrou o vaso e comeu todo o mingau. A garça, espalhafatosa e histérica, de raiva sofreu um infarto fulminante. Aproveitando o embalo, o lobo degustou a garça de sobremesa e nem precisou pagar consumição extra. Moral: vingança é veneno suicida. Outra moral: punição e recompensa existem para quem os merece.
(Leonardo Teixeira, escritor, escreve às quintas-feiras neste espaço. Contato: [email protected])