Cotidiano

Poliamor enfrenta barreiras jurídicas

Diário da Manhã

Publicado em 13 de julho de 2016 às 02:10 | Atualizado há 9 anos

O direito de família não esperava por essa: o poliamor.  Séculos e séculos após a era da poligamia, em comum nas tribos pré-históricas, os modernos inventaram um novo nome para a relação que envolve mais de duas pessoas.

Batizado de poliamor pelos defensores ou simpatizantes dos modernos relacionamentos, a prática vai enfrentar dificuldades na Justiça para reconhecer o produto desta relação: a ‘família’ poliafetiva.

O modismo tem sido configurado, principalmente, nos cartórios. O 15º Ofício de Notas do Rio de Janeiro, por exemplo, registrou a união poliafetiva entre duas mulheres e um homem em abril.

O casal vive a novidade de forma realmente aberta. Leandro Sampaio, 33, Thais Souza e Yasmin Nepomuceno, ambas 21, oficializaram o relacionamento através da escritura lavrada por uma tabeliã.

De imediato é preciso afastar uma confusão: o trio não se “casou”. Mas estabeleceu uma relação reconhecida pelo direito contratual e refutada pelo direito de família.

Outro trio, que ainda não oficializou o relacionamento, procurou a reportagem do DM para relatar o interesse em buscar “ajuda na Justiça” para se “casar”.

M., o homem do relacionamento, diz ao DM que a interação entre os três é natural: “Existe respeito e comprometimento. É algo absolutamente normal. Não entendo como alguém pode nos incriminar por isso. Ainda mais aqueles que criticam, mas que convivem com suas amantes e outras mulheres. O problema do Brasil é a hipocrisia”.

Para a tabeliã Fernanda Leitão, esta espécie de união é, sim, objeto do Direito de Família: “O que importa no Direito de Família é a relação de afeto que existe entre as pessoas. Qualquer tipo de união estável existe sem o papel (escritura). O papel vai servir para ratificar e regular aquela relação”.

Leitão diz que o conceito de família é aberto e consta da Constituição Federal. O artigo 226 diz que a “família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.

A mesma norma afirma que o casamento é civil e gratuita sua celebração. Ou seja, não estabelece quantas pessoas podem e devem integrar tal agrupamento.

O promotor de Justiça Afonso Dantas Neto pensa diferente. Para ele, o “poliamor” ou poligamia, como ele prefere, não é uma prática inovadora. Ao contrário, “representa um retrocesso que não é admitido nem no Superior Tribunal de Justiça (STJ) nem no Supremo Tribunal Federal (STF)”.

Para Afonso Dantas, a prática “constitui um retrocesso, ou seja, um atraso, um verdadeiro retorno aos tempos da poligamia pré-histórica”.

O jurista cita decisões reiteradas que podem limitar o relacionamento.

O STJ, por exemplo, teria analisado um caso de união estável e negado o direito por um motivo: a falta de fidelidade entre as duas pessoas. O homem manteria outro relacionamento. Daí que a união estável, que deseja se espelhar no casamento, então, estaria distante do fato que deseja se inspirar.

Diante desta situação, a defesa do poliamor sofreria sérias restrições, pois o conceito de fidelidade é ferido na prática. O trecho da decisão relatada pela minista Nancy Andrighi indica que a sociedade tem a obrigação de seguir determinados postulados morais: “Uma sociedade que apresenta como elemento estrutural a monogamia não pode atenuar o dever de fidelidade – que integra o conceito de lealdade e respeito mútuo – para o fim de inserir no âmbito do Direito de Família relações afetivas paralelas e, por consequência, desleais, sem descurar que o núcleo familiar contemporâneo tem como escopo a busca da realização de seus integrantes, vale dizer, a busca da felicidade”.

 Casamento mudará com o tempo, diz adepto

Para M. e A, uma de suas parcerias, o relacionamento mudou e mudará ainda mais no tempo. “A sociedade muda, independente da lei acatar ou não. Não é a sociedade que deve se adequar à lei. Mas a legislação que deve atender a sociedade. Não existe uma figura definida de família”, diz A.

Advogada que interpreta o Código Civil de forma diferente da ministra Nancy Andrighi, A. afirma que ainda analisa os melhores instrumentos jurídicos para provocar o Poder Judiciário.  Ela diz que não será uma decisão do STJ ou STF, que ainda não encarou o assunto de frente, a desestimular o triângulo amoroso.

Existe afeto – dez ela – nos integrantes de relações poliamorosas.  Para A., o que se deve questionar é o conceito de fidelidade. “Para mim, é óbvio que a palavra estacionou no tempo. Ser infiel é trair a esposa ou o marido, enganá-la.  A expressão não depende do interprete da lei, mas das pessoas envolvidas no contrato familiar”. A. diz que o relacionamento poliafetivo não aceito como família prejudica os integrantes de todas as formas – caso de reconhecimento de laços de solidariedade e de direitos a pensão previdenciária.

 

Trio goiano fugiu para viver triângulo amoroso

A Polícia Civil de Pires do Rio teve um caso inusitado para investigar: N, A e G fugiram em outubro do ano passado para viver o poliamor em sua plenitude.  Os três adolescentes desejavam apenas namorar em conjunto e se conhecer melhor. Montaram uma barraca e ficaram lá juntos. ‘Molestados’ pelos pais, resolveram fugir.

Joelma Pereira, mãe de um dos jovens, foi dura na época e disse que eles deveriam parar com o relacionamento. “Fui clara: o que eles queriam não é possível”.

Os adolescentes fujões foram encontrados e levados para um psicólogo  já que se “amavam” mutuamente.

Modismo

Redes de relacionamentos interconectados, sub-relacionamentos e polifidelidade são algumas das formas do poliamor.  Os acordos geométricos – dizem os especialistas – estão bastante na moda entre integrantes da geração Y.

No caso de Pires do Rio,  o modelo de família é inusitado – a mulher é que teria sido o pivô, a charneira, a responsável por coordenar os dois machos.

 

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