Justiça rápida e justiça lenta
Redação DM
Publicado em 6 de julho de 2016 às 03:02 | Atualizado há 9 anosPara a grande maioria dos brasileiros a lentidão da justiça constitui verdadeiro martírio para quem dela precisa. Os magistrados, de maneira geral, estão preocupados com a lentidão. Será assim em todos os países? Parece que não. E por que a lentidão acontece? São várias as razões. Dentre tantas podem ser enumeradas o excesso de processos, legislação processual arcaica, falta de estrutura do Judiciário, despreparo de julgadores e servidores do Judiciário, preguiça, formalidades e burocracia em demasia, excesso de cautela que não raro chega a ser medo de julgar, etc., etc. Um professor e juiz listou para seus alunos 18 razões responsáveis pela morosidade do Judiciário. Achei interessante e concordo com elas, mesmo entendendo que algumas têm maior peso e outras menor como causas do “emperramento” da máquina judicial. Por tudo isso é louvável a iniciativa de tentar sempre a conciliação.
Conheço juízes que por onde passaram deixaram em dia os serviços forenses em andamento. Igualmente, conheço magistrados que deixaram as comarcas, ou varas, por onde passaram em verdadeiro “caos”. Com as mesmas dificuldades uns mostram serviços e outros quedam na lentidão. Os concursos selecionam conhecimentos, mas não são capazes de aquilatar aptidão para o trabalho a ser desenvolvido de maneira eficaz. E o resultado é a Justiça que temos.
Se o juiz quiser, pode fazer muito em favor dos jurisdicionados. Claro que certos requisitos são necessários, como vontade de trabalhar, pragmatismo, senso de justiça, conhecimento legal, simplificação de procedimentos sem afetar os direitos das partes, etc. Um magistrado, meu conhecido, fez uma colocação interessante: disse que em processos onde é possível decidir em favor de alguém, sem prejudicar ninguém, decide de pronto, sem maiores formalidades. Quanto se tratam de direitos em disputa, é cauteloso em proferir decisões.
Quando se fala bem de alguém pode-se dizer o nome. Ao contrário, quando são tecidas críticas negativas, mesmo que procedentes, não se deve dizer o nome para evitar contratempos com possível alegação de difamação e injúria, e mesmo ressarcimento de danos. Em mais de 40 anos de advocacia convivi, e bem, com todas espécies de juízes. Mas me chamou atenção um magistrado (dr. Élcio Vicente da Silva), juiz em Goiânia, que em Plantão forense proferiu decisão em 30 minutos, quando um magistrado mais complicado poderia levar meses. Trata de um fato que raro.
Para grande satisfação dos pais José Antônio e Luciene o filho Leonardo, adolescente de 16 anos, foi aprovado no difícil vestibular do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA). Havia prazo determinado para ele apresentar o comprovante de conclusão do curso secundário, sob pena de perder a vaga. Acontece que ele havia cursado apenas o segundo ano e ainda iria cursar mais um para concluir o segundo grau, condição para ingressar em faculdade (3º grau). A Lei n. 9.394/96, em seu art. 47, § 2º, diz que “os alunos que tenham extraordinário aproveitamento nos estudos, demonstrado por meio de provas e outros instrumentos de avaliação específicos, aplicados por banca examinadora especial, poderão ter abreviada a duração dos seus cursos, de acordo com as normas de os sistemas de ensino”. Tal dispositivo nada mais é do que a aplicação da garantia constitucional estampada no art. 208, V, da Magna Carta: “Acesso aos níveis mais elevados de ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um.” Tais dispositivos são adequados ao caso concreto, prescrevendo que em situações especiais o aluno que não concluiu o secundário pode fazer uma prova especial, ministrada pela colégio onde estuda, e se aprovado obter um documento declarando que tem conhecimento relativos ao segundo grau completo. De posse do comprovante, mesmo menor de 18 anos e sem completar o secundário, estará apto a ingressar no ensino superior.
Os colégios só aplicam as denominadas provas especiais se houver uma decisão do Ministério da Educação ou decisão judicial determinando. As argumentos são procedentes, pois os colégios sérios querem evitar alegações de favorecimento a alguém, o que pode acontecer em escolas não tão honestas. O Ministério da Educação, representado em Goiás pelo Conselho Estadual de Educação, administrativamente nega todo pedido, somente determinando a prova se existir ordem judicial, informação prestada por um funcionário que, ainda, esclareceu ser necessário um requerimento que seria distribuído para um relator e decisão dos membros do Conselho Estadual de Educação. Em virtude das férias escolares o Conselho só reuniria para julgar a pretensão após esgotado o prazo estabelecido pelo ITA para apresentação de comprovante de conclusão do curso secundário. Resultado: em razão da burocracia, administrativamente era impossível a realização da prova especial. O Ministério da Educação, ao contrario de ajudar atrapalhava.
Em mais de 40 anos de advocacia nunca havia trabalhado com fato semelhante. Consultando jurisprudência encontrei as mais variadas decisões, parecendo que a solução dependia da “cabeça” do magistrado que julgava o processo. Em várias localidades do País haviam situações semelhantes em que foram impetrados Mandado de Segurança e deferentes espécies de ações, objetivado discutir o direito às provas especiais. Mandado de Segurança não era cabível, pois o “direito líquido e certo” só é deferido depois de esgotadas as vias administrativas. Em minha opinião trata-se de uma “Obrigação de Fazer”, com pedido de tutela antecipada, sob pena de perda da vaga no ITA. Nunca acreditei muito na máxima de “dê-me os fatos que eu direi o direito”. Todavia, entendi que mesmo não sendo a ação própria, na visão do magistrado, a ele caberia declarar o direito.
Impetrada a ação e encaminhada ao juiz de Plantão, ele leu a primeira e as duas últimas páginas, assentou-se frente ao computador e proferiu despacho deferindo o pedido e dando ao colégio o prazo de 24 horas para aplicar a prova especial. Com cópia da decisão o colégio aplicou a prova, sem necessidade de distribuição com mandado e ida de oficial de Justiça ao colégio. Depois da autuação o processo foi encaminhado à Vara para a qual foi distribuído o processo. Transcorrido algum tempo o magistrado confirmou a decisão do juiz de plantão, encerrando o assunto. Quanto ao adolescente Leonardo, está matriculado no ITA e dando aulas como voluntário. Após o segundo ano do curso será oficial da reserva da Aeronáutica, vez que não pretende seguir a carreira militar e sim ser engenheiro. Tomará que não deixe o Brasil, como acontece com a maioria do superdotados.
Como exemplo de Justiça lenta, cito caso concreto ocorrido na Justiça Federal, em Goiânia, em que foram necessários mais de 7 meses para a liberação de “honorários de sucumbência” depositados em Juízo, apesar de audiências, requerimentos escritos e verbais e interferência da OAB. O tempo gasto foi quase o mesmo da gestação de uma criança.
(Ismar Estulano Garcia, advogado, ex-presidente da OAB-GO, professor universitário, escritor)